Educação: Um ano de inconseguimentos

Se servir para identificar onde se poderia ter feito melhor e isso servir para evitar erros e aperfeiçoar a prática, não me parece grave defeito. Em contrapartida, ver apenas o lado propagandístico das coisas, em especial quando se acredita que tudo correu bem ou que não poderia ter sido melhor, apesar de optimista e festivo, pode conduzir-nos a uma grave cegueira sobre a realidade.

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Se servir para identificar onde se poderia ter feito melhor e isso servir para evitar erros e aperfeiçoar a prática, não me parece grave defeito. Em contrapartida, ver apenas o lado propagandístico das coisas, em especial quando se acredita que tudo correu bem ou que não poderia ter sido melhor, apesar de optimista e festivo, pode conduzir-nos a uma grave cegueira sobre a realidade.

Em matéria de Educação, tivemos mais um ano de problemas e conflitos, cheio de medidas que se sabia serem inadequadas, algumas que poderiam ser positivas com outro tipo de implementação e outras que foram naturalmente “inconseguidas” (há que abraçar os neologismos com legitimação institucional) por continuarem a laborar em erros de concepção. Destacarei apenas algumas para não demorar muito tempo e não entediar em excesso a paciência de quem lê.

Autonomia
Em Outubro de 2013 assinaram-se imensos contratos, ditos de “autonomia”, com outros tantos agrupamentos e escolas não agrupadas. Quem os assinou foi adjectivado de forma generosa mas pouco imaginativa como “pioneiro”, sendo-lhe prometidas delícias várias em matéria de legislação futura, tudo para servir ao sucesso dos alunos. O ano lectivo finou-se e o escolar vai-se finando e o que apareceu foi muito pouco e tudo regulamentado por fórmulas tão rigorosas e pretensamente objectivas que são a negação de uma verdadeira autonomia. Nem sequer se trata de assegurar o princípio da responsabilização, sendo antes mais uma manifestação de desconfiança em relação às escolas, aos professores e aos próprios directores. A autonomia nas escolas públicas mantém-se uma quimera, mais monstro regulador do que instrumento de emancipação.

Ensino do Inglês
Esta foi a área do currículo em que mais confusão se estabeleceu, em particular no 1.º ciclo do ensino básico em que de área facultativa, mas generalizada, se tornou área opcional e depois obrigatória desde que as escolas assim o entendam, pois nós não entendemos o ministério. Pelo meio, a introdução dos testes Key for Schools com a chancela de Cambridge, o que fica sempre bem, anunciada ao arrancar o ano lectivo para espantar o povoléu com tamanha maravilha. Sem uma preparação adequada, com demasiada pressa e um voluntarismo do Instituto de Avaliação Educacional (IAVE) que hesito em qualificar como ingénuo ou fruto de evidente incompetência, a sua aplicação foi feita com muitos sobressaltos e a sua classificação um fiasco. Por qualquer maravilhosa razão, o IAVE achou que prometendo formação gratuita (algo que é obrigação do Ministério da Educação e Ciência) a pessoas com formação universitária na área, conseguiria resmas de voluntários para classificar os testes. Correndo mal, o seu principal responsável acusou os professores de só terem um lado lunar e não verem a luminosidade do projecto.

Exames do Ensino Básico
A introdução e generalização dos exames no 4.º e 6.º anos é uma matéria controversa. Em meu entender, desnecessariamente com controversa, se a sua aplicação for feita com critérios claros e transparentes, não apenas quanto à finalidade mas em especial quanto à sua coerência interna. Os exames em fases tão precoces do trajecto escolar não me chocam como a outras pessoas, mas já me choca se a sua aplicação for feita de acordo com os humores anuais do IAVE e das suas equipas técnicas, como se estivessem a começar agora a produzir provas deste tipo. Ainda estou para perceber por que não se manteve a lógica das provas de aferição e, em particular no caso de Português, em 2013 se produziram exames completamente desadequados aos alunos a examinar; este ano corrigiu-se o tiro, mas isto apenas serve para desacreditar o que poderia ser uma ferramenta útil de regulação das aprendizagens e não algo que se faz, ano a ano, para cumprir um calendário político. Os exames devem ter uma finalidade pedagógica, destinada a ajudar a melhoria do desempenho dos alunos e o trabalho dos professores. Não devem ser um recurso político da governação.

Avaliação dos professores
Uma das mais demagógicas heranças dos governos anteriores que o actual ministro considerou por bem continuar numa versão cada vez mais desajustada das necessidades. Uma boa ideia – a introdução de avaliadores externos – acabou por transformar-se numa ridícula visita entre colegas de escolas vizinhas, em que avaliador e avaliado apenas o são por questões circunstanciais e quase nada legitima o poder de um sobre outro, para além de um escalão a mais na carreira. A juntar a isto surgiu uma ridícula prova escrita de acesso à docência, alegadamente para regular distorções nas classificações à saída dos cursos de formação de professores, mas que não contém nenhum elemento que sirva para aferir a qualidade do trabalho dos professores com os alunos, na sala de aula. Tornou-se mais um desnecessário foco de conflitos que em nada dignificou a Educação, pois apenas revelou mais e mais desconfiança e motivou cenas de má memória para alimento das audiências televisivas.

Por fim, o ministério continuou a “inconseguir” mobilizar os professores para uma única das suas medidas mais emblemáticas e foi incapaz de inverter a situação de total desconfiança que se estabeleceu, há cerca de uma década, entre os decisores políticos que só sabem reclamar para si os sucessos e os profissionais no terreno, para quem se reservam sempre as críticas quando algo não corre bem. Se a Educação se deve centrar na defesa dos mais altos interesses dos alunos, isso não se consegue continuando a amesquinhar e apoucar o desempenho daqueles que, apesar de tudo isso, têm como missão quotidiana trabalhar com esses alunos e que deles obtêm o justo, mas quase único, reconhecimento pelo seu empenho e brio profissional.

Professor, autor do blogue A Educação do meu Umbigo