Despojamento e elegância: o jovem Bozhanov

O jovem pianista búlgaro regressou ao palco da Sala Suggia, na Casa da Música no Porto.

Foto
Evgueni Bozhanov dr

Evgueni Bozhanov

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Evgueni Bozhanov

Obras de Chopin, Ravel e Liszt

4,5 estrelas

Porto, Casa da Música – Sala Suggia

Domingo, 25 de Maio, 18h00

Sala 3/4

 
A encerrar o dia que a Casa da Música dedicou ao 101º aniversário de Helena Sá e Costa, Evgueni Bozhanov – o jovem pianista búlgaro que não parece muito consensual – regressou ao palco da Sala Suggia.

Característica inequívoca das interpretações com que brindou a plateia da Sala Suggia foi o extraordinário trabalho de som, a que surge associada a inacreditável multiplicidade de graus de intensidade que produz dentro de limites, afinal, tão estreitos. À extrema delicadeza das suas interpretações poderá faltar um rasgo de loucura que as torne mais exuberantes, mas talvez a beleza e a singularidade do seu estilo se prendam precisamente com essa contenção, da máxima elegância, que convida o público a valorizar o detalhe, saboreando inefáveis nuvens de som que se volatilizam de uma digitação suprema, como as que produziu, por exemplo, em Après une lecture du Dante, de Liszt.

Outra característica do seu trabalho parece ser a atenção que dá à concepção de um programa, em que é possível estabelecer uma teia de relações mais óbvias ou mais obscuras.

A delinear o espaço sonoro em que, numa ilusória mas quase confrangedora intimidade, nos conduziria pelo romantismo pianístico, a Polonaise-Fantaisie op. 61 de Chopin realça com clareza o essencial, subentendendo a paradoxal indispensabilidade daquilo que não o é. Recuando no tempo, Bozhanov conduz-nos seguidamente pela Segunda Sonata para piano op. 35, também de Chopin, reinventando com surpresa as mais reconhecíveis linhas melódicas, como a que permeia a Marcha fúnebre do terceiro andamento. Encerrando a primeira parte, o intérprete viaja para uma dança matizada de um pianismo francês: é com La Valse, de Ravel, que se afasta do universo puramente chopiniano, que na segunda parte dará lugar ao lisztiano.

Mais com Après une lecture du Dante do que com Jogos de Água na Villa d’Este, com que abriu a segunda parte do recital, Bozhanov confirma a sua capacidade para, num único momento, estabelecer a relação simbiótica em que se serve da partitura para se expressar, oferecendo-se a si próprio como veículo de expressão para a partitura. Se este lugar-comum poderá ser “aplicado” a qualquer interpretação, aqui parece revestir-se de um mais poderoso significado, com o intérprete despojado de barroquismos, inofensiva e desprotegidamente exposto no centro da obra.

O denso programa terminaria com a primeira valsa Mefisto, arrancando bravos a algum público mais sinceramente emocionado perante a limpidez de tão graciosa e naturalmente despretensiosa elegância musical.