Escutar, reagir, inventar e interagir

Na sua primeira apresentação na cidade do Porto o maestro e compositor Péter Eötvös dirigiu o Remix Ensemble num programa muito interessante constituído por três obras de sua autoria, uma delas em estreia mundial.

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Kálmán Garas

O concerto de terça-feira deixou mais uma vez patente uma das principais apostas da Casa da Música: a divulgação da obra de compositores contemporâneos de referência, a encomenda e a estreia de novas composições. Desta vez o programa centrou-se na figura do importante compositor e maestro Péter Eötvös, que é artista em associação 2014 na Casa da Música. O Remix Ensemble apresentou três obras de Eötvös sob a direcção musical do próprio compositor: Chinese Opera de 1985-86, da capo de 2014 (em primeira audição absoluta) e Steine de 1985-90.

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O concerto de terça-feira deixou mais uma vez patente uma das principais apostas da Casa da Música: a divulgação da obra de compositores contemporâneos de referência, a encomenda e a estreia de novas composições. Desta vez o programa centrou-se na figura do importante compositor e maestro Péter Eötvös, que é artista em associação 2014 na Casa da Música. O Remix Ensemble apresentou três obras de Eötvös sob a direcção musical do próprio compositor: Chinese Opera de 1985-86, da capo de 2014 (em primeira audição absoluta) e Steine de 1985-90.

 A primeira obra apresentada, Chinese Opera, não é uma ópera no sentido tradicional. O compositor diz nas notas de programa que ela apresenta uma dimensão teatral que reside nos próprios gestos instrumentais executados pelo ensemble. Escrita para 28 instrumentistas, esta composição demonstra a mestria de Eötvös na escrita orquestral. O refinamento da orquestração é evidenciado pela sobreposição de planos sonoros distintos e pela constante renovação das combinações instrumentais num discurso musical com um fluxo de massas sonoras variados. Estas características atravessam, ainda que de modo diferente, as quatro partes que constituem a obra. O Remix Ensemble, que se apresentou com vários músicos convidados, executou-a com muita segurança e rigor, deixando transparecer o carácter distinto de cada uma das quatro partes da obra, assim como o contraponto de diferentes planos sonoros que caracteriza o seu discurso musical.

A segunda parte do concerto foi iniciada com a estreia da obra da capo para cimbalão e ensemble. A peça, composta para o Remix Ensemble, foi construída sobre um conjunto de fragmentos musicais de Mozart. Estes fragmentos, que servem de ponto de partida para a composição das várias secções da obra, são, no entanto, desenvolvidos à maneira de Eötvös, afastando-se assim da linguagem e do estilo dos fragmentos citados. O virtuosismo da parte do cimbalão e a oposição solista-ensemble que marcam a primeira metade de da capo conferem à obra o carácter de um concerto solista. Na segunda metade da obra o cimbalão é menos interveniente, permitindo que o ensemble adquira maior predominância. A interpretação de Luckács correspondeu à exigência da obra e às expectativas do público, demonstrando a elevada capacidade técnica e expressiva deste versátil instrumentista. 

Composta para celebrar o sexagésimo aniversário de Pierre Boulez (1985-90), Steine apresenta um conjunto de características originais. De entre elas destaca-se a utilização de pedras, pelos instrumentistas e pelo maestro, como instrumentos de percussão – as pedras são alusivas aos nomes Pierre e Péter. A obra foi concebida como estímulo a uma livre interacção dos instrumentistas através da audição mútua, da reacção e da própria invenção de elementos musicais que integram o discurso musical. Neste sentido os instrumentistas abandonam a sua função habitual de executantes e partilham com o compositor a realização da obra musical. Os elementos do Remix Ensemble responderam de uma forma excelente aos desafios propostos pela partitura, tendo sido capazes de colocar em evidência o aspecto educativo da peça: escutar, reagir, inventar e interagir.

Num concerto que se caracterizou pela elevada qualidade musical das obras apresentadas e do desempenho dos intérpretes, Péter Eötvös, Miklós Luckács e os músicos do Remix Ensemble foram muito aplaudidos pelo público presente. Fica assim no ar o desejo de, num futuro próximo, a Casa da Música voltar a receber Péter Eötvös.