Alunos que vêm do privado estão mais predispostos para a fraude académica

Quatro em cada dez estudantes admitiram que copiariam num exame. E 52% que copiariam por um colega. “Uma pressão maior para o êxito” faz “aumentar a propensão para a fraude”, admite investigador.

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Estudo sobre fraude académica envolveu mais de sete mil alunos Rui Gaudêncio

Os primeiros resultados serão apresentados em Coimbra, na próxima semana, num colóquio internacional sobre “A ética dos alunos e a tolerância de professores e instituições perante a fraude académica no ensino superior”. E mostrarão que ter uma média de curso mais baixa é outro factor que faz aumentar a predisposição para a fraude académica. Isso e ser do sexo masculino — os homens, mais do que as mulheres, apresentam mais tolerância em relação a actos como copiar, fornecer respostas a um colega no exame, comprar um trabalho ou apresentar o mesmo trabalho em diferentes disciplinas (apenas alguns exemplos de actos considerados fraude).

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Os primeiros resultados serão apresentados em Coimbra, na próxima semana, num colóquio internacional sobre “A ética dos alunos e a tolerância de professores e instituições perante a fraude académica no ensino superior”. E mostrarão que ter uma média de curso mais baixa é outro factor que faz aumentar a predisposição para a fraude académica. Isso e ser do sexo masculino — os homens, mais do que as mulheres, apresentam mais tolerância em relação a actos como copiar, fornecer respostas a um colega no exame, comprar um trabalho ou apresentar o mesmo trabalho em diferentes disciplinas (apenas alguns exemplos de actos considerados fraude).

Em declarações ao PÚBLICO, o investigador do CES responsável pelo projecto, Filipe Almeida, professor da Faculdade de Economia de Coimbra, avançou alguns resultados. Como este: 44% dos alunos admitiram que copiariam num exame, usando “materiais não autorizados”. E 52% admitiram que copiariam por um colega.

Sete em cada dez (73%) disseram que apresentariam o mesmo trabalho em diferentes disciplinas, enquanto 65,3% assumiu que forneceria respostas a um colega no exame.

No entanto, 88% dos alunos declararam que não comprariam trabalho a um colega e 78,5% que não aceitariam beneficiar de nota colectiva sem ter participado no trabalho de grupo. Tudo o que envolve transacções em dinheiro é moralmente mais inaceitável pelos estudantes, conclui Filipe Almeida.

O investigador ressalva que falta ainda analisar os dados do ponto de vista sociológico. Mas não se mostra surpreendido com o facto de serem os estudantes das famílias com maiores posses e nível cultural mais elevado a revelarem uma maior predisposição para a fraude. E porquê? Porque esses alunos “provêm de um ambiente que cria uma pressão maior para o êxito”. Pode nem ser uma “pressão activa” por parte dos pais. O êxito é algo que muitos dos jovens desses meios exigem de si próprios. “E essa pressão pode fazer aumentar a propensão para a fraude”, diz Filipe Almeida que nota que “o nível de desenvolvimento moral nem sempre corresponde ao nível de desenvolvimento económico e cultural”.

Ninguém denuncia
Para os jovens, os principais “motivos” para a fraude são, segundo os próprios, “o nível de exigência pedagógica do curso” (a carga horária excessiva, a dificuldade, os métodos de avaliação desadequados...).

Já quanto se lhes pergunta sobre o que pode contribuir para inibir a fraude, “o desenvolvimento de uma relação de proximidade com os professores” é um dos aspectos mais referidos — mais do que proibir os telemóveis nos exames, por exemplo.

A explicação, admite Filipe Almeida, será simples: é mais difícil enganar alguém com quem se tem uma relação afectiva mais próxima. “Talvez alguma coisa não esteja a correr bem, talvez as relações com os professores sejam fracas, as turmas grandes... o ensino despersonalizou-se.”

O estudo, desenvolvido nos últimos três anos, foi aplicado a uma amostra de 7292 alunos de licenciatura ou mestrado integrado, todos de nacionalidade portuguesa e com pelo menos dois anos de matrícula em instituições de ensino superior público e privado, universitárias e politécnicas, nas áreas científicas de Economia e Gestão, Engenharias, Medicina, Enfermagem, Direito, Comportamento Humano, Artes e Ensino. Também envolveu 2727 professores, mas os dados relativos a essa parte não estão ainda disponíveis.

O objectivo era avaliar a atitude e a opinião de alunos e professores, identificar culturas de fraude, padrões de tolerância à fraude, a frequência com que é praticada e os motivos e os inibidores da transgressão — a propósito da frequência com que é praticada, 80,1% dos alunos consideraram que se copia com alguma frequência ou com regularidade (“com regularidade”, é o que dizem 30,2% dos inquiridos).

Os investigadores acreditam que a formação universitária pode desempenhar um papel decisivo na consolidação de um padrão ético exigente — com influência na conduta moral no contexto profissional futuro. Mas também pode estimular condutas de transgressão. Foi isso que quiseram perceber, com este estudo financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

A metodologia seguida foi esta: nunca se perguntou aos alunos se copiavam ou não ou se inventavam dados para os trabalhos. Antes apresentavam-se cenários sobre os quais os inquiridos se deveriam pronunciar, do tipo: a Luísa consultou apontamentos às escondidas durante uma prova escrita. Isto é fraude? Qual é a gravidade? Também faria? E denunciaria se soubesse?

Foi com base em várias das questões colocadas, e das respostas obtidas, que os investigadores desenvolveram um “indicador de predisposição para a fraude”. Numa escala de zero a 10, a média nacional de predisposição é 4,19.
Outro indicador construido mede a “predisposição para a denúncia” da fraude. Resultado: “A predisposição para denunciar é praticamente inexistente, 0,58.” Estes e mais dados serão divulgados a 8 e 9 de Maio, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Notícia corrigida às 11h30. Na frase "ter uma média de curso mais baixa é outro factor" lia-se , erradamente, "ter uma média de ingresso". O correcto é "média de curso".