O que há de estranho nos novos cursos superiores de Saúde?

Percebemos que a realidade é dinâmica e que os actores da governação devem ser promotores desse dinamismo. Sabemos que os agentes da ciência e da academia devem ser colaboradores daquela acção, incentivando-a, apoiando-a ou mesmo desencadeando-a.

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Percebemos que a realidade é dinâmica e que os actores da governação devem ser promotores desse dinamismo. Sabemos que os agentes da ciência e da academia devem ser colaboradores daquela acção, incentivando-a, apoiando-a ou mesmo desencadeando-a.

Não percebemos o inverso. Que os agentes da oferta formativa não sejam interlocutores activos na sua definição, pelo conhecimento que têm da relação com as instituições congéneres europeias e mundiais, pelo contacto com o contexto da empregabilidade, porquanto os cursos afectados exigem um largo período de estágio em contexto hospitalar, pelo know-how que os corpos docentes têm, porquanto oriundos, em grande parte, do meio profissional a que acresceram formação pós-graduada.

Por isso não percebemos por que na agenda governativa, à falta de definição do rumo do sistema binário de ensino – universitário e politécnico – se juntou a A3ES numa chamada de novos cursos nas áreas de Imagem Médica e Radioterapia, Fisiologia Clínica e Ciências Biomédicas Laboratoriais, cujos curricula exemplificativos se compaginam com um qualquer modelo de ensino dentro do sistema binário, mas também tecnológico.

O estranho caso dos novos cursos superiores de Saúde, compactando sete formações em tecnologias de diagnóstico e terapêutica em três, suscita dúvidas. Por que se menciona um grupo de trabalho que, pese embora o mérito individual, não representa as instituições? Porquê a referência à concordância dos secretários de Estado da Saúde e do Ensino Superior com os princípios, e não a alusão aos princípios da acreditação e registo de ciclos de estudos de acordo com a lei que pressupõe o respeito pela autonomia científica e pedagógica dos estabelecimentos de ensino superior e a articulação com as associações profissionais e outras entidades relevantes? Por que se faz referência a um relatório intitulado Terapia e Reabilitação e Tecnologias de Diagnóstico e Terapêutica e se abre uma call para novos cursos, sem qualquer referência às Tecnologias da Saúde? Quem pode, pois, ministrá-los? Quais as saídas profissionais, se o estatuto dos técnicos de diagnóstico e terapêutica não prevê essas formações?

Na tentativa (quase) vã de responder a estas questões, concluímos apenas duas coisas. Primeiro, que a arcana praxis não morreu. Depois, que no mundo de incerteza se lançou a confusão no meio académico, sobretudo nos estudantes que se interrogam se os novos cursos lhes vão retirar a já pouca empregabilidade. Com efeito, disso sabem bem mais do que nós. Que o que lhes vai restando é sobretudo além-fronteiras, onde os cursos de Tecnologias da Saúde portugueses são prestigiados porque assentes num modelo de formação diferente daquele que a A3ES apresenta como referência e pelo qual os portugueses têm sido preferidos. Baixe-se o padrão. Encurtem-se os custos de formação. Lance-se mais cedo para o mercado profissionais, cumprindo metas de formação desejáveis, em números. E depois? Por enquanto, pela diferenciação exportamos saber. Depois, quiçá consigamos reter mais desempregados.

Professor do Instituto Politécnico do Porto e membro da direcção do SNESUP