Voltar à Grândola “contra o conformismo e a falta de esperança”

Um espectáculo no Coliseu de Lisboa assinala esta sexta-feira os 40 anos da transformação da canção de José Afonso em senha do 25 de Abril.

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Menos de duas semanas após o golpe militar das Caldas da Rainha, o ambiente na sala era efervescente, com assobios e vaias quando os cantores, para “justificarem” em público o facto de não poderem cantar canções proibidas, diziam ter-se esquecido das letras “no comboio”. Mas uma canção não proibida foi cantada, a plenos pulmões, pelas cinco mil pessoas que lotavam a sala: Grândola, Vila Morena. E isso “empurrou” a sua escolha como senha para o 25 de Abril.

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Menos de duas semanas após o golpe militar das Caldas da Rainha, o ambiente na sala era efervescente, com assobios e vaias quando os cantores, para “justificarem” em público o facto de não poderem cantar canções proibidas, diziam ter-se esquecido das letras “no comboio”. Mas uma canção não proibida foi cantada, a plenos pulmões, pelas cinco mil pessoas que lotavam a sala: Grândola, Vila Morena. E isso “empurrou” a sua escolha como senha para o 25 de Abril.

Quarenta anos passados, a 28 de Março e não a 29 (data do concerto original, mas que não estava disponível agora), a Associação José Afonso, em colaboração com a Casa da Imprensa, assinala a data com um novo espectáculo. Em 1974, estiveram no palco Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, José Carlos Ary dos Santos, Carlos Paredes e Fernando Alvim, José Jorge Letria, Manuel Freire, Fernando Tordo, Carlos Moniz e Maria do Amparo, Manuel José Soares, o quarteto Intróito, José Barata Moura, o conjunto de Marcos Resende e, como músicos, entre outros, Fausto e Vitorino. Agora, estarão Antonio Portanet (cantor espanhol que tocou com José Afonso), Amélia Muge, Amílcar Vasques, António Victorino d’Almeida, Carlos Alberto Moniz, Couple Coffee, Esther Merino, Filipa Pais, Filipe Raposo, Francisco Fanhais, Janita Salomé, João Afonso, José Fanha, Júlio Pereira, Luísa Amaro (com Gonçalo Lopes), Luís Cunha, Luiz Avellar, Manuel Portugal, Manuel Freire, Rui Pato, Samuel, Sérgio Godinho e Zeca Medeiros.

Francisco Fanhais, cantor que, em 1971, participou na gravação de Grândola para o disco Maio Maduro Maio, de José Afonso (com ele e com José Mário Branco), não fez parte do espectáculo de 1974 porque estava exilado em Paris. Hoje é presidente da direcção da Associação José Afonso. Para ele, trata-se “da evocação de um concerto que ajudou os militares a escolherem a Grândola como sinal da revolução e ao mesmo tempo uma memória desse tempo que não esquecemos e que não queremos de volta.”

Por outro lado, diz, é uma forma de assinalar “a saudade de amigos que já não estão connosco, o Zeca, o Adriano, o Ary, o Paredes, entre outros.” Mas não só: “Queremos que esta memória e esta saudade se tornem uma arma contra o conformismo e a falta de esperança. Antes, o inimigo era o fascismo, agora é insidioso e bem-falante, personificado em alguém que tem o despudor de dizer que a vida das pessoas não está melhor mas a vida do país está muito melhor.”

Fanhais critica “os pseudovalores que a sociedade capitalista pretende impor” e lembra que, no seu reverso, têm como resultado “a natalidade a baixar assustadoramente, os jovens a saírem do país, os velhos encarados como um fardo, um quarto da população a viver na pobreza e a esperança a ser assassinada todos os dias.” Terra da fraternidade, diz a canção. “Não, não é esta a terra da fraternidade. Por isso se impõe um combate cívico e cultural que é responsabilidade de todos e de cada um, porque quem tanto sonhou com o 25 de Abril não se pode contentar com tão pouco.”