PS alega que convergência das pensões “questiona o Estado de Direito”

Direcção da bancada socialista sustenta que o argumento da igualdade usado pelo Governo é um “falso álibi”, porque no cálculo das pensões mantêm-se muitas divergências.

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Alberto Martins é o primeiro subscritor da declaração de voto do PS. Daniel Rocha

“Pela primeira vez na história da legislação do sistema de pensões, esta norma determina a aplicação retroactiva das novas regras de cálculo as pensões em curso de pagamento! No sistema previdencial nunca tal ocorreu!”,lê-se na declaração de voto que o PS entregou no Parlamento para sustentar o seu “não” à lei da convergência das pensões.

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“Pela primeira vez na história da legislação do sistema de pensões, esta norma determina a aplicação retroactiva das novas regras de cálculo as pensões em curso de pagamento! No sistema previdencial nunca tal ocorreu!”,lê-se na declaração de voto que o PS entregou no Parlamento para sustentar o seu “não” à lei da convergência das pensões.

Em 12 páginas de argumentos políticos, princípios constitucionais e factos históricos, um grupo de deputados encimado pelo líder da bancada, Alberto Martins, e por outros ex-governantes, como Vieira da Silva, Eduardo Cabrita ou Pedro Marques, tenta refutar a argumentação do Governo para aplicar um corte de 10% às pensões acima de 600 euros.

Afirmando que a ruptura de um “valor básico do Estado de Direito que valor da confiança” é “política e socialmente inaceitável”, o PS argumenta que as regras foram sempre ditadas pelo Estado e que foi com base nelas que “centenas de milhares de cidadãos tomaram decisões irreversíveis (o momento da reforma, por exemplo), vendo agora profundamente transformadas as condições que ditaram a sua escolha.

Tal como fez o Presidente da República na fundamentação do pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade da lei enviado a 23 de Novembro, também os socialistas defendem que a redução nominal das pensões se aplica a pessoas que se encontram “impossibilitadas de recuperar, pelo seu trabalho, a redução dos rendimentos que é agora proposta”.

A seguir, o texto tenta demonstrar como o argumento da igualdade dado pelo Governo é “um falso álibi”. “O Governo mantém as divergências há muito existentes, favoráveis a alguns grupos profissionais, mormente em favor dos trabalhadores das áreas de soberania, seja no cálculo das pensões, seja na idade da reforma”, escrevem. A estas juntam “todos os outros parâmetros divergentes no cálculo do regime geral e da CGA [Caixa Geral de Aposentações]”, elencando desde os salários relevantes para o cálculo das pensões até ao número de dias por ano de trabalho para a consideração de um ano para o cálculo, “fortemente desfavoráveis para os funcionários públicos”.

Os socialistas sublinham ainda que, se o objectivo do Governo fosse realmente a convergência e igualdade dos regimes, não estaria previsto na própria lei que a situação se pudesse inverter quando o défice ficar abaixo dos 2%. Em seu entender, esta é a prova de que “o único propósito desta proposta é cortar despesa pública com o desígnio de reduzir o défice”.

Para sustentar que o corte de pensões aprovado é “injusto e desproporcionado”, a declaração de voto afirma ainda não ser verdade que os aposentados da administração pública tenham, até agora, ficado de fora dos esforços de consolidação das contas públicas. Recordam, por exemplo, o congelamento das pensões, a contribuição extraordinária de solidariedade, o aumento da contribuição dos reformados para a ADSE ou a redução das deduções específicas em sede de IRS, para afirmar que o conjunto destas medidas resultou numa perda dos valores médios das pensões superior a 7,5%. Isto enquanto a queda da despesa corrente primária rondou os dois por cento.

Mas é no capítulo da sustentabilidade da CGA que os socialistas mais se alongam em considerações sustentadas em factos históricos. “O Estado, há várias décadas, optou por não proceder a transferências correspondentes à contribuição” dos funcionários públicos, porque “na altura muitos contribuíam e poucos recebiam pensões”. Embora não contestem tal opção à época, defendem que esta decisão “não pode é ser esquecida quando se trata de honrar as obrigações assumidas”.

Depois, a “mudança substancial da política de emprego público na última década”, que terá conduzido a uma quebra de contribuintes para a CGA em mais de 30%, conduziu à perda de receitas anuais de cerca de 1900 milhões de euros, sustentam os socialistas. “O Estado há anos que vai exaurindo em milhares de milhões esse orçamento [da CGA], por outras razões imperiosas de interesse público”, acrescentam. Mas “quebrar agora a confiança dos cidadãos e nos direitos consolidados dos pensionistas” é, concluem, “errado e profundamente injusto”. Além de ser uma “medida profundamente recessiva”.