Bruxelas receia que novos chumbos constitucionais dificultem regresso aos mercados

Relatório da Comissão Europeia sobre programa português diz que financiamento está garantido até Junho de 2014.

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A equipa de Durão Barroso tem um dossier quente nas mãos Georges Gobet/AFP

No relatório das oitava e nona avaliações ao programa português publicado esta quinta-feira pelo executivo europeu, é defendido que "os riscos de novas decisões negativas por parte do Tribunal Constitucional não podem ser colocados de parte e podem tornar os planos do Governo de garantir um acesso total aos mercados em meados de 2014 significativamente mais desafiante". A Comissão Europeia diz ainda que "uma condição necessária para o regresso do país ao financiamento do mercado será a renovada apropriação e implementação resoluta do programa por parte do Governo".

Na análise que faz do andamento do programa português, Bruxelas conclui que algumas das medidas já entraram em vigor, outras esperam por aprovação no Parlamento ou estão integradas no Orçamento do Estado para 2014. Por outro lado, alerta-se, o Presidente da República pode enviar as propostas “potencialmente contestáveis do ponto de vista constitucional” para fiscalização preventiva.

“Se algumas das medidas forem consideradas inconstitucionais, o Governo terá de reformular o Orçamento de forma a cumprir a meta do défice acordada”, lembra a CE. Mas tendo em conta a reduzida margem de manobra para identificar medidas de consolidação adequadas, “isso implicaria riscos para o crescimento e o emprego e reduziria as perspectivas de um regresso sustentado aos mercados financeiros”, alertam as autoridades europeias.

 

Cavaco decide

Os alertas da Comissão Europeia surgem na recta final da prazo de oito dias, que termina este sábado, para o Presidente da República pedir ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização preventiva do diploma que corta 10% às pensões da função pública acima de 600 euros.

O chamado diploma da convergência entre a Caixa Geral de Aposentações (CGA)e o regime geral da Segurança Social representa uma poupança líquida de 388 milhões de euros, uma parte significativa dos 3184 milhões que o Governo pretende cortar na despesa no próximo ano.

Nos últimos dias, os sindicatos têm enviado a Cavaco Silva os últimos argumentos para o convencerem a enviar o diploma para o TC ou a vetá-lo. Esta quinta-feira foi a vez da UGT pedir a fiscalização preventiva “de um diploma extremamente gravoso para os pensionistas e para a economia do país”.

Desde que o diploma foi apresentado, a troca de argumentos entre Governo, sindicatos e alguns juristas tem inundado o espaço público. O Governo diz que é necessário a aproximar o sistema público do regime geral da Segurança Social e garantir a sua sustentabilidade financeira. Numa apresentação feita aos deputados pelo secretário de Estado a Administração Pública, concluía-se que o regime da CGA “padece de um desequilíbrio estruturalque tem que ver com um nível de prestações excessivamente oneroso para o seu modelo de financiamento” e que as transferências do Estado têm sido muito superiores aos que resultariam das contribuições dos empregadores.

Do lado contrário, os sindicatos contra-argumentam que o regime é insustentável devido ao facto de os serviços não terem, durante muitos anos, descontado os 23,75% a que são obrigadas as empresas do privado e de o regime estar fechado a novas inscrições desde 2005. Na exposição oque ontem fez ao Presidente da República, a UGT alerta que os aposentados “não tiveram qualquer responsabilidade, nem na concepção da fórmula de cálculo das pensões, nem tão pouco no desequilíbrio financeiro da CGA”.

Do ponto de vista dos princípios, os sindicatos e alguns juristas argumentam que estão a ser postos em causa a equidade e a proporcionalidade. Precisamente os princípios que o Governo diz estar a defender.

Mas a grande questão com que o Presidente da República se confronta é até que ponto o princípio da protecção da confiança não está a ser beliscado. De todas as formas, constitucionalistas como Jorge Miranda têm alertado que esse princípio tem que ser considerado em conjunto com outros princípios constitucionais, como o da proporcionalidade, com o da igualdade, com o da justiça social.

No último acórdão, o TC deixou a indicação de que se estaria no limite do aceitável em relação aos cortes nas pensões e obrigou a repor o subsídio de férias. Mas viabilizou a contribuição extraordinária de solidariedade (CES). Se Cavaco Silva não enviar o diploma para o Constitucional e o promulgar, os deputados da oposição já deixaram claro que pedirão a sua fiscalização sucessiva.
 

Margem de manobra no financiamento
Apesar destes riscos a nível constitucional, o relatório da Comissão Europeia assinala que o Tesouro português até conta com alguma margem de manobra em 2014 para obter o financiamento de que necessita. De acordo com os cálculos apresentados no relatório, Portugal contava no final de Setembro com um excedente de tesouraria próximo de 15 mil milhões de euros. Esse valor, confia Bruxelas, será suficiente para, em conjunto com os empréstimos da troika que faltam e com mais emissões de dívida de curto prazo, garantir "as necessidades de financiamento do Estado pelo menos até meados do próximo ano".

Outras fontes de financiamento domésticas, como as compras de dívida por parte do fundo de estabilização da Segurança Social ou os novos produtos de poupança lançados pelo Tesouro português, podem ainda, de acordo com a Comissão Europeia, prolongar o período em que Portugal fica com financiamento garantido mesmo sem regressar ao mercado.

Esta margem de manobra pode ser essencial para que Portugal consiga condições mais favoráveis no momento em que, a Junho de 2014, se concluir o actual programa. O objectivo do Governo parece ser o de evitar um segundo resgate, não se colocando de lado a hipótese de um programa cautelar. O executivo não descarta um cenário idêntico ao da Irlanda, que decidiu abdicar de qualquer apoio financeiro oficial no final do seu programa em Dezembro.

Na sua edição desta quinta-feira, o Financial Times noticia, citando fontes da troika não identificadas, que existe o receio de que Portugal possa não conseguir atingir o objectivo de acesso total aos mercados e, assim, necessitar de recorrer a um segundo resgate. Como o PÚBLICO noticiou em Setembro, a convicção de vários responsáveis europeus em Bruxelas era a de que Portugal não lograria recuperar a confiança dos investidores que seria necessária para garantir o seu acesso ao mercado a níveis compatíveis com um programa cautelar.

Prudência na economia e emprego
Para a entidade liderada por Durão Barroso, a capacidade de o país regressar aos mercados é também um dos factores essenciais para a evolução da economia portuguesa durante o próximo ano. A Comissão Europeia confirma, neste relatório, as previsões que já tinha apresentado nas suas previsões de Outono (e que são iguais às do FMI e do Governo), mas apresenta um discurso prudente em relação à força da retoma e especialmente no que diz respeito à redução do desemprego.

"Um falhanço ou um atraso significativo na reentrada nos mercados teria um impacto significativo forte nas perspectivas de crescimento económico", afirma a Comissão Europeia, que salienta o facto de, no segundo e terceiro trimestres, a economia ter registado taxas de crescimento positivas. Ainda assim, mais uma vez, fala dos riscos para a sustentabilidade da retoma. "A pressão para a desalavancagem [redução do endividamento] das contas das famílias e das empresas pode pesar mais fortemente no consumo privado e no investimento do que aquilo que é assumido no cenário base, ao mesmo tempo que o desempenho das exportações depende muito da retoma da economia da zona euro", afirma a Comissão.

Em relação ao desemprego a Comissão regista a redução registada no Verão. No entanto, salienta dois factores que podem estar por trás destes números. Primeiro afirma que "o turismo e a agricultura foram os sectores que mais contribuíram para a expansão do emprego, o que levanta questões sobre a sua durabilidade". E depois assinala que "o desemprego teria sido mais alto, se a queda do emprego não tivesse sido parcialmente compensada por uma descida na participação no mercado de trabalho".

Governo prefere os elogios
Analisando o relatório, o Governo prefere olhar para os “elogios sobre o percurso que Portugal fez até aqui” e diz que “não há nada de novo” nos riscos de um chumbo do Tribunal Constitucional a medidas do OE2014 . “E é muito o que lá está. Vale a pena de facto, até porque isso é um reconhecimento do trabalho dos portugueses e das empresas portuguesas para a economia nacional, e não apenas dos esforços que o Governo tem feito”, fez questão de vincar o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, quando questionado no final da reunião do Conselho de Ministros.

“O relatório é sobejamente elogioso relativamente a muito daquilo que tem sido feito por Portugal e pelos portugueses no cumprimento do programa de ajustamento”, considera Marques Guedes. Para o ministro “não há nada de novo” sobre os riscos de um eventual chumbo de medidas do Orçamento para 2014. “O que é novo e que é acentuado em relação a relatórios anteriores da Comissão é uma apreciação assaz positiva relativamente a muito daquilo que tem sido feito por Portugal.”
 
 
 
 
 
 
 

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No relatório das oitava e nona avaliações ao programa português publicado esta quinta-feira pelo executivo europeu, é defendido que "os riscos de novas decisões negativas por parte do Tribunal Constitucional não podem ser colocados de parte e podem tornar os planos do Governo de garantir um acesso total aos mercados em meados de 2014 significativamente mais desafiante". A Comissão Europeia diz ainda que "uma condição necessária para o regresso do país ao financiamento do mercado será a renovada apropriação e implementação resoluta do programa por parte do Governo".

Na análise que faz do andamento do programa português, Bruxelas conclui que algumas das medidas já entraram em vigor, outras esperam por aprovação no Parlamento ou estão integradas no Orçamento do Estado para 2014. Por outro lado, alerta-se, o Presidente da República pode enviar as propostas “potencialmente contestáveis do ponto de vista constitucional” para fiscalização preventiva.

“Se algumas das medidas forem consideradas inconstitucionais, o Governo terá de reformular o Orçamento de forma a cumprir a meta do défice acordada”, lembra a CE. Mas tendo em conta a reduzida margem de manobra para identificar medidas de consolidação adequadas, “isso implicaria riscos para o crescimento e o emprego e reduziria as perspectivas de um regresso sustentado aos mercados financeiros”, alertam as autoridades europeias.

 

Cavaco decide

Os alertas da Comissão Europeia surgem na recta final da prazo de oito dias, que termina este sábado, para o Presidente da República pedir ao Tribunal Constitucional (TC) a fiscalização preventiva do diploma que corta 10% às pensões da função pública acima de 600 euros.

O chamado diploma da convergência entre a Caixa Geral de Aposentações (CGA)e o regime geral da Segurança Social representa uma poupança líquida de 388 milhões de euros, uma parte significativa dos 3184 milhões que o Governo pretende cortar na despesa no próximo ano.

Nos últimos dias, os sindicatos têm enviado a Cavaco Silva os últimos argumentos para o convencerem a enviar o diploma para o TC ou a vetá-lo. Esta quinta-feira foi a vez da UGT pedir a fiscalização preventiva “de um diploma extremamente gravoso para os pensionistas e para a economia do país”.

Desde que o diploma foi apresentado, a troca de argumentos entre Governo, sindicatos e alguns juristas tem inundado o espaço público. O Governo diz que é necessário a aproximar o sistema público do regime geral da Segurança Social e garantir a sua sustentabilidade financeira. Numa apresentação feita aos deputados pelo secretário de Estado a Administração Pública, concluía-se que o regime da CGA “padece de um desequilíbrio estruturalque tem que ver com um nível de prestações excessivamente oneroso para o seu modelo de financiamento” e que as transferências do Estado têm sido muito superiores aos que resultariam das contribuições dos empregadores.

Do lado contrário, os sindicatos contra-argumentam que o regime é insustentável devido ao facto de os serviços não terem, durante muitos anos, descontado os 23,75% a que são obrigadas as empresas do privado e de o regime estar fechado a novas inscrições desde 2005. Na exposição oque ontem fez ao Presidente da República, a UGT alerta que os aposentados “não tiveram qualquer responsabilidade, nem na concepção da fórmula de cálculo das pensões, nem tão pouco no desequilíbrio financeiro da CGA”.

Do ponto de vista dos princípios, os sindicatos e alguns juristas argumentam que estão a ser postos em causa a equidade e a proporcionalidade. Precisamente os princípios que o Governo diz estar a defender.

Mas a grande questão com que o Presidente da República se confronta é até que ponto o princípio da protecção da confiança não está a ser beliscado. De todas as formas, constitucionalistas como Jorge Miranda têm alertado que esse princípio tem que ser considerado em conjunto com outros princípios constitucionais, como o da proporcionalidade, com o da igualdade, com o da justiça social.

No último acórdão, o TC deixou a indicação de que se estaria no limite do aceitável em relação aos cortes nas pensões e obrigou a repor o subsídio de férias. Mas viabilizou a contribuição extraordinária de solidariedade (CES). Se Cavaco Silva não enviar o diploma para o Constitucional e o promulgar, os deputados da oposição já deixaram claro que pedirão a sua fiscalização sucessiva.
 

Margem de manobra no financiamento
Apesar destes riscos a nível constitucional, o relatório da Comissão Europeia assinala que o Tesouro português até conta com alguma margem de manobra em 2014 para obter o financiamento de que necessita. De acordo com os cálculos apresentados no relatório, Portugal contava no final de Setembro com um excedente de tesouraria próximo de 15 mil milhões de euros. Esse valor, confia Bruxelas, será suficiente para, em conjunto com os empréstimos da troika que faltam e com mais emissões de dívida de curto prazo, garantir "as necessidades de financiamento do Estado pelo menos até meados do próximo ano".

Outras fontes de financiamento domésticas, como as compras de dívida por parte do fundo de estabilização da Segurança Social ou os novos produtos de poupança lançados pelo Tesouro português, podem ainda, de acordo com a Comissão Europeia, prolongar o período em que Portugal fica com financiamento garantido mesmo sem regressar ao mercado.

Esta margem de manobra pode ser essencial para que Portugal consiga condições mais favoráveis no momento em que, a Junho de 2014, se concluir o actual programa. O objectivo do Governo parece ser o de evitar um segundo resgate, não se colocando de lado a hipótese de um programa cautelar. O executivo não descarta um cenário idêntico ao da Irlanda, que decidiu abdicar de qualquer apoio financeiro oficial no final do seu programa em Dezembro.

Na sua edição desta quinta-feira, o Financial Times noticia, citando fontes da troika não identificadas, que existe o receio de que Portugal possa não conseguir atingir o objectivo de acesso total aos mercados e, assim, necessitar de recorrer a um segundo resgate. Como o PÚBLICO noticiou em Setembro, a convicção de vários responsáveis europeus em Bruxelas era a de que Portugal não lograria recuperar a confiança dos investidores que seria necessária para garantir o seu acesso ao mercado a níveis compatíveis com um programa cautelar.

Prudência na economia e emprego
Para a entidade liderada por Durão Barroso, a capacidade de o país regressar aos mercados é também um dos factores essenciais para a evolução da economia portuguesa durante o próximo ano. A Comissão Europeia confirma, neste relatório, as previsões que já tinha apresentado nas suas previsões de Outono (e que são iguais às do FMI e do Governo), mas apresenta um discurso prudente em relação à força da retoma e especialmente no que diz respeito à redução do desemprego.

"Um falhanço ou um atraso significativo na reentrada nos mercados teria um impacto significativo forte nas perspectivas de crescimento económico", afirma a Comissão Europeia, que salienta o facto de, no segundo e terceiro trimestres, a economia ter registado taxas de crescimento positivas. Ainda assim, mais uma vez, fala dos riscos para a sustentabilidade da retoma. "A pressão para a desalavancagem [redução do endividamento] das contas das famílias e das empresas pode pesar mais fortemente no consumo privado e no investimento do que aquilo que é assumido no cenário base, ao mesmo tempo que o desempenho das exportações depende muito da retoma da economia da zona euro", afirma a Comissão.

Em relação ao desemprego a Comissão regista a redução registada no Verão. No entanto, salienta dois factores que podem estar por trás destes números. Primeiro afirma que "o turismo e a agricultura foram os sectores que mais contribuíram para a expansão do emprego, o que levanta questões sobre a sua durabilidade". E depois assinala que "o desemprego teria sido mais alto, se a queda do emprego não tivesse sido parcialmente compensada por uma descida na participação no mercado de trabalho".

Governo prefere os elogios
Analisando o relatório, o Governo prefere olhar para os “elogios sobre o percurso que Portugal fez até aqui” e diz que “não há nada de novo” nos riscos de um chumbo do Tribunal Constitucional a medidas do OE2014 . “E é muito o que lá está. Vale a pena de facto, até porque isso é um reconhecimento do trabalho dos portugueses e das empresas portuguesas para a economia nacional, e não apenas dos esforços que o Governo tem feito”, fez questão de vincar o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, quando questionado no final da reunião do Conselho de Ministros.

“O relatório é sobejamente elogioso relativamente a muito daquilo que tem sido feito por Portugal e pelos portugueses no cumprimento do programa de ajustamento”, considera Marques Guedes. Para o ministro “não há nada de novo” sobre os riscos de um eventual chumbo de medidas do Orçamento para 2014. “O que é novo e que é acentuado em relação a relatórios anteriores da Comissão é uma apreciação assaz positiva relativamente a muito daquilo que tem sido feito por Portugal.”