Salman Rushdie diz que o filme Os Filhos da Meia-Noite fecha o ciclo da fatwa

Influenciado por Visconti e Tarantino para o guião do filme baseado no seu romance, sente que o ciclo da fatwa está a fechar-se. E está a escrever uma série de ficção científica para a TV.

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O escritor gostaria de ver mais obras suas adaptadas ao cinema

Rushdie encontra-se nas rondas promocionais do filme Os Filhos da Meia-Noite, mas já tem os olhos postos no futuro. Gostaria de ver Joseph Anton, as suas memórias editadas em 2012 intituladas com o nome que usava com pseudónimo durante os anos de risco em que temia ser assassinado, adaptado também ao cinema. Existe já interesse de uma produtora britânica, mas Rushdie nada mais adianta por não haver ainda um acordo assinado. Está “optimista”, disse à AFP em Los Angeles.

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Rushdie encontra-se nas rondas promocionais do filme Os Filhos da Meia-Noite, mas já tem os olhos postos no futuro. Gostaria de ver Joseph Anton, as suas memórias editadas em 2012 intituladas com o nome que usava com pseudónimo durante os anos de risco em que temia ser assassinado, adaptado também ao cinema. Existe já interesse de uma produtora britânica, mas Rushdie nada mais adianta por não haver ainda um acordo assinado. Está “optimista”, disse à AFP em Los Angeles.

E tem mais ideias: gostava também de ver nas salas os seus livros infantis Harun e o mar de histórias (D. Quixote) e Luka and the Fire of Life (2010). Contudo, adaptar Os Versículos Satânicos está longe das suas aspirações. “Devo dizer que ninguém se acotovela para comprar os direitos.”

Os Filhos da Meia-Noite é uma alegoria romântica sobre o nascimento da Índia, reflectindo também sobre as origens das tensões religiosas entre hindus e muçulmanos, entre Índia e Paquistão, no subcontinente. Realizado por Deepa Mehta e já estreado em vários países – e sem data de estreia em Portugal -, é a primeira experiência de Rushdie como co-argumentista numa longa-metragem baseada na sua própria obra. Houve tentativas de filmar O chão que ela pisa (editado em Portugal pelo Círculo de Leitores) e o escritor assinou outros argumentos, mas nada se concretizou.

O filme, que também é narrado por Rushdie, conta a história de dois rapazes nascidos na mesma data, 15 de Agosto de 1947, dia da independência da Índia, trocados à nascença.

Os Filhos da Meia-Noite foi editado em 1981 (em Portugal tem a primeira edição em 1989, pelo Círculo de Leitores) e lançou a carreira do escritor, premiado pela obra com o conceituado Booker – e o fez sentir-se “verdadeiramente um escritor”, como disse ao Huffington Post - para depois a lançar numa fama negra pela condenação à morte em 1989 com a fatwa do ayatollah Ruhollah Khomeini a propósito de Os Versículos Satânicos.

Desde 1998, quando a fatwa foi levantada, que diz ter uma vida “mais agradável”, como explicou à agência AFP. Nascido na Índia e com nacionalidade britânica,  viveu desde 1998 alguns momentos conturbados – um dos quais na rodagem de Os Filhos da Meia-Noite. Quando decorria a rodagem no Sri Lanka, “houve um soluço”, como descreveu o escritor à revista online Salon. “O Governo iraniano, por alguma razão, telefonou ao embaixador do Sri Lanka em Teerão e um funcionário no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Sri Lanka revogou a nossa licença de filmagem a meio da rodagem. Felizmente, só durou dois dias.” O Presidente singalês repôs a ordem no set, mas Rushdie confessou-se “perplexo” pelo sucedido e só quando estava em Nova Iorque, no voo para regressar ao Canadá, já com as últimas bobines na sua posse, acreditou que o filme lhes pertencia. “Foi como o final de Argo.”

As filmagens passaram também pela Índia, onde as autoridades proibiram que rodassem em Kolkata, por exemplo. Mais um factor de stress, que enquadra nas “derrapagens ocasionais” que o “mergulham no passado”, algo que ainda o surpreende.

Rushdie recorda como a ideia de Os Filhos da Meia-Noite partiu do realizador e seu co-argumentista, Deepa Mehta, e que chegou a pensar ter um papel no filme. “Mas na altura de filmar, disse a mim mesmo que isso desviaria a atenção que seria artificial”, disse em Los Angeles à AFP. Não se sente, portanto, como Tarantino, realizador que por vezes arrisca na interpretação, que admira e em cujo trabalho se inspirou para escrever uma das cenas de tortura no seu romance. Mais precisamente, pensou em Reservoir Dogs quando se debatia com a cena em causa, e a epifania chegou com o filme de Quentin Tarantino e com a necessidade “de a escrever como uma comédia”.

Tarantino não é o único cineasta a pairar sobre Os Filhos da Meia-Noite. À Rolling Stone, Rushdie tinha já confessado a influência de O Leopardo, de Visconti, mas também de Ugetsu, de Kenji Mizoguchi, tanto na acção épica quanto no realismo mágico.

O futuro, com ou sem Joseph Anton no cinema, passará pela televisão. O canal por subscrição norte-americano Showtime (Californication, Dexter) pediu a Rushdie para escrever a série de ficção científica Next People, que aguarda luz verde para avançar. Entretanto, o escritor vai vendo a série Guerra dos Tronos, na qual se confessa “totalmente viciado”.