O único restaurante japonês tradicional de Lisboa é também o melhor, um esplendor

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Os milagres existem. E continuam. Quando morreu, no princípio de 2009, o meu mestre gastronómico, Takashi Yoshitake, pensei (a Maria João e eu pensámos) que só indo a doze ou treze restaurantes do Japão que ele recomendou poderíamos começar a recuperar o puro prazer do sashimi.

No P2 de 7 de Fevereiro de 2009 (dia em que o meu pai faria 89 anos, se não tivesse entretanto morrido), o PÚBLICO publicou um ensaio de Francisca Gorjão Henriques onde a morte de Yoshitake foi verdadeiramente chorada.

Acontece que esta semana, quase 20 anos depois de ter começado a beneficiar, quase diariamente, da ciência e da bondade de Yoshitake-san, descobrimos a delícia, fiel e surpreendente, da descendência dele: o grande discípulo dele, durante mais de uma dúzia de anos, o Tomo.

Em 1992, quando Yoshitake-san abriu o Aya na Rua das Trinas não tinha discípulo nem assistente. Em 1994 convidou um dos cozinheiros da embaixada do Japão, Tomo, a vir trabalhar com ele, como aprendiz.

No sushi e no sashimi esta aprendizagem, tradicionalmente, leva doze anos. Foi o que aconteceu. Todos os dias, durante doze anos, Tomo aprendeu as técnicas e os princípios tradicionais do itamae ou, como mais vulgarmente se diz, sushiman.

Tive a grande sorte de ver o Tomo desde o início até ao fim da aprendizagem. Yoshitake sempre disse que ele tinha dentro dele as potencialidades para ser um grande mestre: era rápido, atento, inteligente, humilde e trabalhador.

Nunca mais me esquecerei do dia, antes de acabar o século, em que Yoshitake me entregou nas mãos de Tomo, que preparou toda a minha refeição, não fugindo aos pratos mais complicados. Ele estava nervoso e eu também.

Foi uma das melhores refeições da minha vida. Tomo tinha aprendido tudo o que Yoshitake tinha aprendido do mestre dele no Japão há mais de vinte anos. Estava a ser seguida uma linha de transmissão de conhecimentos com milhares de anos.

Desde 2009, a Maria João e eu temos andado como fantasmas na cozinha japonesa. Quando se comeu exclusivamente, durante quase vinte anos, sashimi e sushi feito por Yoshitake-san, fica-se estragado para outras versões menores, imitações ou nem sequer isso.

É por isso com grande alegria que anuncio que o restaurante de Tomo em Algés, na Rua dos Bombeiros Voluntários, 44, com o número de telefone 213010705, é verdadeiramente o único bom restaurante japonês de Lisboa. Com a vantagem de ser óptimo. Os peixes são bem escolhidos, bem tratados, bem cortados e bem servidos: as quatro coisas mais difíceis que há. Tomo-san não só tem todas as técnicas e o espírito de Yoshitake-san como tem uma personalidade aventureira, que apaixonará os tradicionalistas mais curiosos.

Confesso que fui lá na esperança de provar, mais uma vez, o verdadeiro sashimi, feito de pargo, robalo, pregado, choco, carapau e atum de grande qualidade. É coisa que só um grande mestre japonês pode fazer. É o caso de Tomo-san. Tornou-se, lentamente, ao longo destas duas décadas de constante trabalho e dedicação, num grande mestre que temos muita sorte de ter em Lisboa e em Portugal.

Tomo-san tem uma personalidade afável e brincalhona, como deve ter quem tem uma casa de sushi, e o restaurante dele é deliciosamente despreocupado e simples, com um ambiente livre de pretensões e piroseiras. No entanto, o trabalho de cortar os peixes - desde a secção de um peixe inteiro à cuidadosa laminação - é feito à antiga, sempre por ele, com o maior rigor clássico.

Não é só o atum dele que sabe a atum e é melhor do que qualquer outro que por aí ande armado em atum fresco: são a precisão e a sabedoria do corte. E é neste aspecto fundamental - o único fundamental - que Tomo-san é igual a Yoshitake-san.

Sentimos, nas nossas bocas e nas nossas almas, que tinha renascido o nosso velho amigo, cujo luto tanto nos tem pesado.

Não é nenhum milagre, embora tenha tido sobre nós o efeito de um milagre. As nossas papilas gustativas dançavam de tão extasiadas: quando a comida é capaz de induzir felicidade instantânea e alívio, como ir viajar e voltar a casa ao mesmo tempo, é caso para cair de joelhos e agradecer.

Foi o que fizemos - e voltaremos a fazer, enquanto a casa de Tomo-san lá continuar.

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