Cristas promete aliviar regras que pesam sobre os pequenos produtores

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Falta uma política integrada para a alimentação em Portugal PEDRO CUNHA

Há actualmente "exigências desproporcionadas" sobretudo da parte da ASAE, admitiu a ministra da Agricultura na Gulbenkian, no final de um ciclo de conferências sobre o futuro da alimentação

Os pequenos produtores de bens alimentares poderão receber boas notícias em 2013. O Governo está a estudar formas de os "libertar de muitas exigências que são desproporcionadas para pequenas produções", disse ao PÚBLICO a ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, no encerramento do ciclo O Futuro da Alimentação - Ambiente, Saúde e Economia, uma parceria da Gulbenkian e do PÚBLICO, que teve início em Março.

Questionada sobre o excesso de regras, nomeadamente da parte da ASAE, que constituem um obstáculo aos esforços feitos pelos pequenos produtores, Cristas garantiu que o seu ministério está empenhado em "aliviar o mais possível [o peso dessas regras], desde que se cumpram os mínimos exigidos pela segurança alimentar", e afirmou que o assunto está já a ser estudado por um grupo de trabalho. Esta medida, a par de um esforço para a dinamização dos mercados locais, feito em concertação com os municípios, irá, espera a ministra, "permitir uma valorização dos produtos locais", que "não se encontram nas grandes superfícies".

Minutos antes, na sua intervenção na conferência, Cristas reconheceu a importância de se ter cadeias mais curtas de abastecimento para que produtos mais artesanais e de pequena escala possam chegar ao mercado. "Todos gostamos de andar pelas terras e ver aquilo que é diferente", disse, frisando a necessidade de criação de "âncoras no território para que aí se possam fixar pessoas".

Remover barreiras

A necessidade de aproximar os consumidores dos produtores de alimentos, promovendo cadeias de distribuição mais curtas, e removendo barreiras à proximidade entre quem produz e quem come foi também defendida por um grupo de peritos na área da alimentação, numa de 22 conclusões do ciclo apresentadas ontem na Gulbenkian.

Trabalhar nesta proximidade - que passa também por "aumentar a transparência ao longo da cadeia de distribuição alimentar e evitar a concentração da oferta e/ou procura em poucos agentes económicos" - é um papel que cabe ao Estado. Mas há outros, defende o documento com as conclusões, elaborado pela comissão organizadora do ciclo, presidida por José Lima Santos, do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, e que inclui a especialista em endocrinologia Isabel do Carmo, Pedro Graça, da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, e a engenheira agrónoma Isabel Ribeiro.

Apesar de em Portugal "pelo menos um quinto da população viver em condições de insegurança alimentar, com vários graus de insuficiência alimentar, pelo menos em qualidade nutricional e, eventualmente, em qualidade proteico-calórica", a solução não passa por tentarmos ser auto-suficientes a nível alimentar. Para estes especialistas, a segurança de abastecimento alimentar aos portugueses tem que ser garantida à escala da União Europeia (UE) e global. Mas isso, sublinham, não é incompatível com um melhor aproveitamento do potencial de produção nacional e com "escolhas de consumo que prefiram produtos de proximidade".

Falar de UE é falar de negociações da Política Agrícola Comum (PAC). Inicialmente, disse ao PÚBLICO a ministra da Agricultura, havia uma marca muito forte do "greening da PAC", ou seja, um foco nas preocupações ambientais, mas "há muitos Estados-membros que são produtores intensivos e que têm procurado diminuir essa componente verde". Portugal, por seu lado, "tem procurado sinalizar as especificidades mediterrânicas, que têm a ver com modos de produção nossos, as culturas permanentes, como os pomares, por exemplo", e que são "verdes".

Essencial é o desenvolvimento de uma visão integrada - e de uma política integrada - para a alimentação em Portugal, escrevem os peritos nas conclusões. Neste cenário, há tarefas que cabem aos consumidores, mas há outras que cabem ao Estado. É preciso ultrapassar o actual "modelo químico-mecânico de produção agrícola", e também aí a intervenção do Estado é fundamental, nomeadamente no apoio a investigação que permita produzir com maior sustentabilidade ambiental - porque uma produção com menor pegada ecológica não é um valor que o mercado pague.

O papel da investigação

Outro problema é o facto de nos últimos anos a investigação científica em Portugal ter-se afastado "das necessidades de produção e gestão" agrícola "de modo a produzir resultados de alcance mais generalizável (publicáveis) e, desse modo, mais reconhecidos internacionalmente". Seria importante, segundo os peritos, que essa investigação se centrasse na resolução dos problemas prioritários a nível local e nacional. Para isso, na reforma da PAC, alguns dos fundos destinados à investigação "deveriam voltar às mãos da esfera de decisão pública relacionada com a agricultura".

Cristas diz que a investigação, com uma profunda ligação às diferentes fileiras, foi "eleita este ano como ponto central" nas preocupações do ministério, e reconhece que, apesar de haver bastante investigação em Portugal, falta por vezes essa integração com os sectores que dela podem beneficiar.

Alimentar o planeta no futuro representa uma série de desafios. Os organizadores do ciclo da Gulbenkian deixam algumas pistas: "A alimentação do futuro não será um regresso ao passado", porque "a globalização, a mudança nos modos de vida e a dinâmica tecnológica deram origem a novos problemas e requerem novas soluções".

Daí defenderem que "a dificuldade dos desafios a vencer aconselha a não rejeitar a priori nenhuma das vias de actuação possíveis". Ou, dito por outras palavras, "quando a guerra a travar é grande não se deitam fora armas", pelo que tem que se aprender a aproveitar o melhor tanto das formas tradicionais de fazer agricultura como das novas tecnologias.

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