A insustentável megalomania do político português

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O Expresso de há duas semanas dedicou, no suplemento de economia, uma página inteira ao empresário da construção e turismo Carlos Saraiva. O PÚBLICO de ontem fez capa com um litígio em curso entre o antigo piloto de Fórmula 1 Tiago Monteiro e o Estado. Duas histórias que à primeira vista não podem ser mais diferentes. Um, o empresário Carlos Saraiva, deve, segundo aquele jornal, 1116 milhões a bancos e fornecedores, dívida contraída na construção do seu império de hotéis de luxo um pouco por todo o país (o grupo CS). Outro, o piloto, reclama 6 milhões de euros ao Estado por uma campanha também excêntrica: a participação da equipa de Tiago Monteiro numa prova de automóveis, que visava promover o autódromo do Algarve.

Podemos imaginar agora o cruzamento entre estes dois episódios. Para começar, como é que Carlos Saraiva pôde erguer em curtíssimo tempo, de norte a sul, o seu vasto poder no sector do turismo, hoje em sério risco de falência? Não teve apenas a torneira dos bancos a escorrer que, depois das facilidades, já começaram a exigir o seu dinheiro de volta. O empresário cedo percebeu que precisava de juntar a sua ambição à ambição dos autarcas que queriam mostrar aos seus "clientes" eleitorais obras e investimentos de peso. Além disso, tinha ainda o novo mundo dos célebres projectos PIN com que se facilitaram muitos licenciamentos em áreas sensíveis.

Em Mesão Frio, o grupo CS convenceu o Presidente da Câmara sobre a importância de um hotel de cinco estrelas rente ao Douro, com um campo de golfe de 18 buracos. O hotel fechou em Janeiro levando para o desemprego meia centena de trabalhadores. Em 2007, o ex-Presidente do PSD e Presidente da Câmara de Gaia, Luís Filipe Menezes, viajou em romaria eleitoral para os Açores no jacto privado de Carlos Saraiva. Claro que a oferta era apenas um gesto amável do empresário que, apesar disso, também tinha interesses no centro histórico de Gaia avaliados em 55 milhões de euros. Em 2010, em cerimónia pomposa o edil e o empresário prometiam a construção de mais um hotel de 5 estrelas para o centro histórico de Gaia, mais uma obra luxuosa a inaugurar em 2012. Nessa altura Menezes destacava o "desenvolvimento anticiclo" gerado pelo projecto. Em Outubro de 2012 o mesmo Menezes andava a "vender" o projecto do hotel a uma comitiva de chineses.

Autarquias, construtoras e bancos usaram a "fúria" expansionista do empresário para deleite da sua própria megalomania, sem que por instantes ninguém perguntasse se todos aqueles investimentos eram sustentáveis. No caso de Tiago Monteiro, foi a mesma lógica que, a coberto da irresistível propensão para a propaganda do Governo anterior (que também se repete noutros), quis aparentemente financiar o piloto com uma verba de dois milhões de euros anuais para aparecer em meia dúzia de provas no Algarve. Porquê e para quê? A intriga é só esta e sabemos que os responsáveis da época a desmentem. Num caso e noutro, tem sido esta a incurável megalomania do político português, e não apenas do político, que, com a sua especial apetência pelo certame e pela "obra", abriu a porta a hotéis abandonados, estradas vazias, financiamentos pretensamente prometidos para espectáculos de automobilismo apoiados por milhões do Estado. Era tão bom Portugal, não era?

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