Livro juvenil brasileiro vence edição polémica do prémio Jabuti

Escolha de "A Mocinha do Mercado Central", de Stella Maris Rezende, pode ter resultado da polémica que envolveu o romance "Nihonjin", teoricamente favorito

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O prémio é polémico e esta edição não foi excepção Manuel Roberto

Com mais de meio século de existência, os Jabuti, atribuídos pela Câmara Brasileira do Livro, são um dos prémios literários mais prestigiados no Brasil, e possivelmente os mais polémicos. Também a edição deste ano não fugiu à regra e provocou acaloradas discussões e trocas de acusações nos jornais, sobretudo por causa da actuação de um jurado – o crítico literário Rodrigo Gurgel –, acusado de ter viciado a votação para garantir a vitória de Nihonjin, do estreante Oscar Naksato, na categoria de Romance. Não é mesmo de excluir que a escolha do livro de Stella Maris Rezende para o prémio principal tenha sido um modo de o júri censurar a alegada batota de Gurgel, vetando o seu predilecto Nihonjin, que, tendo vencido na categoria de Romance, era o mais bem colocado na corrida para o Livro do Ano de Ficção.

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Com mais de meio século de existência, os Jabuti, atribuídos pela Câmara Brasileira do Livro, são um dos prémios literários mais prestigiados no Brasil, e possivelmente os mais polémicos. Também a edição deste ano não fugiu à regra e provocou acaloradas discussões e trocas de acusações nos jornais, sobretudo por causa da actuação de um jurado – o crítico literário Rodrigo Gurgel –, acusado de ter viciado a votação para garantir a vitória de Nihonjin, do estreante Oscar Naksato, na categoria de Romance. Não é mesmo de excluir que a escolha do livro de Stella Maris Rezende para o prémio principal tenha sido um modo de o júri censurar a alegada batota de Gurgel, vetando o seu predilecto Nihonjin, que, tendo vencido na categoria de Romance, era o mais bem colocado na corrida para o Livro do Ano de Ficção.

Para se perceber melhor, é preciso explicar como funcionam os Jabuti, que, além de prestigiados e polémicos, são também deveras complexos, com dezenas de categorias, diversas etapas de votação, coexistência de júris restritos e alargados, e regulamentos que mudam quase todos os anos.

O crescente aumento de categorias levou a que, este ano, tivessem sido atribuídos nada menos do que 29 prémios sectoriais, da literatura infantil aos livros de gastronomia e da tradução às obras de psicologia ou psicanálise. Acresce que, em todas as categorias, os júris escolhem, além do vencedor, os segundo e terceiro lugares, que funcionam como menções honrosas, sem contrapartida financeira. Já os vencedores de cada categoria recebem 3500 reais (cerca de 1280 euros), candidatando-se automaticamente (bem, nem todos, mas seria demasiado moroso explicar porquê) a um dos dois Jabuti ditos “dourados”, o de Ficção (disputado pelos vencedores nas categorias de Romance, Contos e Crónicas, Infantil, Juvenil e Poesia) e o de Não Ficção, ao qual concorrem os vencedores de 19 categorias (há cinco categorias que não direito a passar à fase seguinte).

Os vencedores dos dois prémios principais – ao contrário dos sectoriais, atribuídos por júris especializados, os Jabuti “dourados” são escolhidos por associados de várias instituições do sector do livro, num total de cerca de 500 votantes – recebem 35 mil reais (cerca de 12800 euros). O prémio de Livro do Ano de Não Ficção foi este ano atribuído a Saga Brasileira – A Longa Luta de um Povo por Sua Moeda, da jornalista Miriam Leitão.

As duas obras premiadas foram divulgadas na quarta-feira à noite (dia 28), numa gala em São Paulo. O curador dos prêmios Jabuti, José Luiz Goldfarb, reconheceu à revista Veja que o facto de o prémio de Ficção ter sido atribuído a um livro de literatura juvenil “foi uma surpresa”, mas tudo indica que não lhe terá desagradado ver preterido o livro de Oscar Naksato, que vencera a categoria de Romance. Não por ter nada contra o autor ou a obra, mas por ter ficado irritado com a actuação de um dos jurados, Rodrigo Gurgel, que acusou publicamente de “abuso de poder aritmético”, embora reconheça que este agiu “dentro da legalidade”.

Uma das alterações introduzidas este ano foi a de permitir que os jurados nas várias categorias dessem notas de zero a  dez. Até aqui, só podiam, por estranho que pareça, atribuir a cada livro as classificações oito, nove ou dez. A “habilidade” de Gurgel consistiu em dar zeros aos principais rivais do romance que pretendia que ganhasse, estratagema tornado bastante óbvio pelo facto de o mesmo jurado, numa fase anterior da votação, destinada a eleger a uma lista de finalistas, ter dado notas acima de oito às obras que depois castigou com zero. Como os prémios sectoriais foram atribuídos no passado dia 18, é possível que a polémica que entretanto estalou na imprensa tenha acabado por condicionar os jurados dos prémios principais, levando-os a preterir o livro de Naksato.

Goldfarb já avisou que tenciona voltar a mudar o regulamento para evitar que se repitam situações semelhantes. Mas, se não fora o comportamento de Gurgel, o curador até teria provavelmente apreciado que o prémio Livro do Ano fosse atribuído a um romance de estreia de um autor desconhecido. É que, em anos anteriores, os Jabuti tinham sido fortemente criticados por, alegadamente, privilegiarem figuras mediáticas. O caso mais notório ocorreu em 2010, quando Chico Buarque ganhou o prémio principal de Ficção com Leite Derramado, que o júri do prémio de Romance colocara apenas em segundo lugar, atrás de Se Eu Fechar os Olhos, de Edney Silvestre. Uma polémica que levou a organização do Jabuti a decidir que só os vencedores de cada categoria podiam candidatar-se aos prémios de Livro do Ano.