Douro, anos oitenta

Foto
Quinta da Eira Velha, Alto Douro, Setembro de 1989

Foi guiado por Miguel Torga que Georges Dussaud conheceu o Douro. As fotografias com que o artista francês registou o quotidiano das gentes e o ciclo dos trabalhos da vinha e do vinho estão agora em exposição em Lamego, a assinalar os dez anos da classificação da região como Património da Humanidade

Há uma fotografia de Miguel Torga (1907-1995) tirada num dia chuvoso da Primavera de 1985 em terras do Douro, em que se vê o escritor de perfil, sob o guarda-chuva, inscrever-se naturalmente na rudeza da paisagem envolta na neblina. O autor dessa fotografia é o francês Georges Dussaud (n. Bretanha, 1934), e é ela que abre a exposição Douro, actualmente patente no Museu Diocesano de Lamego. No dia 15 de Novembro, a exposição vai chegar ao Museu do Douro, na Régua, e no próximo ano vai percorrer muitos outros museus e galerias do território duriense, a pretexto do 10.º aniversário da classificação do Douro como Património da Humanidade.

Não é ao acaso que esta selecção de 63 imagens abre com o autor de Contos da Montanha - por sua vez, a mesma fotografia fecha o alinhamento do catálogo que acompanha a exposição, numa edição conjunta do Museu do Douro e da Afrontamento. "Foi com Miguel Torga que eu conheci o Douro", explica à revista 2 Georges Dussaud, recordando as circunstâncias que o levaram ao encontro do escritor português. No início dos anos 1980, já depois de ter visitado Portugal pela primeira vez, e de ter ficado impressionado e especialmente agradado com o "lado arcaico" e quase "fora do mundo" das Terras do Barroso, em Trás-os-Montes, o fotógrafo da agência Rapho foi aconselhado por um amigo livreiro a ler Miguel Torga, o que faria através do Diário (que na tradução francesa se chamou En Franchise Intérieure). Gostou tanto, que logo se decidiu a escrever ao médico-escritor. E mais surpreendido ficou quando, na volta do correio, Torga o convidou a visitá-lo em Coimbra. "Ele disse-me que tinha visto e gostado muito das minhas fotografias de Trás-os-Montes, e que queria conhecer-me. Viemos logo, eu, a minha mulher [Christine] e a sua tradutora francesa, Claire Cayron." Foi o início de uma bela amizade, que teria Trás-os-Montes e o Douro como cenários principais. "Torga convidou-nos a passar uma semana na sua terra natal, S. Martinho de Anta, e encorajou-me a fotografar o Douro." Simultaneamente, aceitou escrever o texto que acompanharia o primeiro dos vários livros de fotografia que Georges Dussaud dedicaria depois ao nosso país, Trás-os-Montes (Assírio & Alvim, 1984).

Nos anos seguintes, Georges e Christine Dussaud passaram a visitar Portugal todos os anos e a registar na sua inseparável câmara Leica, sempre a preto e branco, as imagens de um país interior e humano, que cada vez mais parecia desaparecer na voragem do progresso e do passar do tempo - trabalho que deu origem a uma grande retrospectiva, Crónicas Portuguesas (também publicada em álbum, de novo pela Assírio & Alvim), em 2007, no Centro Português de Fotografia, no Porto.

A exposição Douro vem completar esse ciclo de relação de Georges Dussaud com a região. Reúne maioritariamente trabalhos da década de 80 (1984-89), acrescentados de algumas paisagens panorâmicas que o fotógrafo realizou em 2004 - "era algo que eu não fazia na altura, e que depois decidi começar a fazer", justifica o autor, que este ano regressou, uma vez mais, ao Douro, e experimentou mesmo a cor e a câmara digital. "Desafiaram-me a fotografar o Douro actual, e é provável que eu integre os novos trabalhos na exposição", quando ela passar para outras terras. Mas não é ainda seguro que Dussaud acrescente à exposição fotografias a cores, já que é com a sua velha Leica a preto e branco que o fotógrafo mais gosta de se aproximar das gentes, que continuam a ser a matéria essencial da sua obra.

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