Os últimos grandes desafios da exploração

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Atravessar a pé a Antárctida durante o Inverno. É esse o objectivo a que se propôs o britânico Ranulph Fiennes NUNO FERREIRA SANTOS

Conquistadas as montanhas mais altas, atravessados os grandes desertos, visitados os pólos, resta ainda algum grande objectivo para os exploradores? Há quem diga que não. Mas talvez estejamos a esquecer mais de dois terços do planeta: o fundo do mar é a próxima fronteira

O britânico Ranulph Fiennes anunciou esta semana a sua intenção de se lançar numa travessia a pé da Antárctida durante o Inverno. É um objectivo à altura do homem que é considerado o "maior aventureiro vivo" do planeta, mas será que ainda há espaço para lhe fazer concorrência? Há alguma coisa que ainda não tenha sido feita? Se a primeira tentação é aceitar esta dura lei do progresso tecnológico e dos limites da imaginação humana, vale a pena recordar que o austríaco Feliz Baumgartner deverá saltar do espaço em pára-quedas já no próximo mês de Outubro.

A ideia é tornar-se a primeira pessoa a ultrapassar a velocidade do som em queda livre. Baum-gartner, que detém vários recordes, incluindo o salto BASE com menor desnível, feito da estátua do Corcovado, no Rio de Janeiro, já fez dois saltos de ensaio (o último dos quais em Julho deste ano, desde os 29.460m de altitude). Ele pretende subir num balão de hélio até aos 36.600m e, equipado com um fato pressurizado, lançar-se em queda livre antes de accionar o seu pára-quedas para aterrar na zona de Roswell, EUA.

Durante a descida, o chamado "homem-pássaro" deverá acelerar até ultrapassar a barreira do som, qualquer coisa à volta dos 1236km/h, ou 1km a cada três segundos. Será um feito inédito. Mas quantos ainda haverá por aí à espera de quem se dispõe a qualquer sacrifício para ter um lugarzinho na história?

A BBC colocou-se esta questão e avança uma resposta indiscutível: está cada vez mais difícil. A argumentação é inequívoca. Vivemos na era dos satélites e da tecnologia. Dificilmente se encontra um cantinho do planeta que não seja visível e analisável do espaço - ou seja, mesmo os primeiros olhos humanos a contemplarem alguma paisagem "virgem" não serão os primeiros. Ao longo dos anos, e graças aos progressos da tecnologia, a barreira do "impossível" foi sendo empurrada até limites quase inimagináveis.

A aventura pessoal

Em termos absolutos, geograficamente, o planeta está no seu limite. Os homens já escalaram os picos mais altos, visitaram os abismos mais profundos, atravessaram desertos, cruzaram oceanos, nadaram em rios, voaram por todo o lado. "A exploração é uma arte moribunda", concluem os jornalistas da BBC. Até porque, hoje em dia, o que resta são pormenores, alíneas. E muitos desses novos recordes assentam mais na tecnologia do que na natureza humana (primeiro mergulho no pólo Norte, primeira travessia do canal da Mancha com uma mochila a jacto...).

Mas será mesmo assim? Estarão os aventureiros condenados à extinção? Apesar das provas aparentemente esmagadoras a apontar num sentido, as opiniões recolhidas pelo PÚBLICO vão exactamente no sentido contrário. "Há ainda bastantes coisas para fazer", diz Filipe Palma, o português que fez uma volta ao mundo (incluindo 10.000km de bicicleta) e se aventurou de caiaque nos mares da Antárctida. "Podem é ser coisas que não têm a mesma carga mediática... Mas o que interessa é continuar a ultrapassar os limites do ser humano."

É também nisso que pensa João Garcia, o alpinista português que escalou, sem oxigénio, todas as 14 montanhas do mundo com mais de 8000 metros ao lançar um desafio: "Correr a maratona em menos de duas horas!" É claro que o desporto é uma área privilegiada de desafio aos limites humanos, mas vamos centrar-nos mais no mundo da aventura. E, aí, a resposta quase não difere: "Há muita coisa para fazer. No alpinismo, especificamente, há tantas montanhas ainda virgens, muitas com mais de 7000m..."

Em qualquer dos casos, no entanto, estes portugueses de vastos horizontes fazem questão de diferenciar a exploração geográfica de algo completamente diferente e bem mais gratificante: a exploração pessoal. Em vez de um lugar na história, trata-se de alargar os horizontes pessoais. E, aí, o mundo continua ao dispor de quem se disponha a sair do sofá. "O que é preciso é tempo e maluquice", receita João Garcia.

Mesmo para quem já fez umas "flores", há sempre novos horizontes. Filipe Palma garante que há sempre objectivos diferentes e mais exigentes. Já fez uma volta ao mundo? "Então posso fazer outra, mas desta vez passando pelos picos mais altos de cada continente." E dá um exemplo bem actual: ele e outros windsurfistas (Miguel Dória, Nuno Braz de Oliveira e Armindo Furtado) estão a tentar uma proeza inédita, a de ligar todas as ilhas dos Açores em prancha à vela. Já concluíram algumas das ligações. Mas são escoltados por um barco de apoio. "Um dia, se o fizermos sem assistência, é logo outro desafio!"

Diga-se, de passagem, que, para concluírem o seu programa, eles terão de bater o recorde mundial da mais longa travessia oceânica em prancha à vela numa só etapa, pertença de outro português, o olímpico João Rodrigues, que ligou a Madeira às Desertas (160 milhas náuticas em doze horas). E, numa era em que a tecnologia e o dinheiro são cruciais na perseguição e obtenção de recordes, uma presença portuguesa nestas listas é qualquer coisa de excepcional.

Nem sempre foi assim. Na lista mundial de grandes exploradores compilada pela Wikipédia, aparecem vários portugueses, todos navegadores dos séculos XV, XVI e XVII, quando Portugal desempenhou o papel de potência mundial. A excepção é o jesuíta António de Andrade, o primeiro europeu a visitar o Tibete e a divulgar a sua cultura. Depois, é o vazio.

Novas fronteiras

Curiosamente, centenas de anos depois da saga dos Descobrimentos, o mar volta a estar na primeira linha da aventura humana no planeta. Desta vez, trata-se de explorar as suas profundezas. Os homens já foram à Lua, mas continuam a desconhecer quase por completo o universo dos oceanos, que ocupam mais de dois terços do seu próprio planeta. Juntamente com a exploração espacial (que nos últimos anos sofreu uma clara inflexão no sentido da aposta em veículos robotizados, em detrimento das viagens tripuladas), o mar é, realmente, a próxima fronteira.

Sinal dos tempos, as grandes movimentações têm sido protagonizadas por particulares. O realizador James Cameron realizou recentemente apenas a segunda descida ao ponto mais profundo da crosta terrestre, a fossa das Marianas (à volta dos -11.000m), no oceano Pacífico. E outro aventureiro, ainda mais "credenciado", o milionário Richard Branson (com grande currículo na vela e no balonismo, especialmente), pode estar prestes a abrir a porta para toda uma nova era de exploração subaquática.

O submarino Virgin Oceanic foi desenhado e construído para permitir a descida, sucessiva, a cada uma das maiores fossas dos cinco oceanos - o que constituiria matéria para o Livro Guinness dos Recordes - e mais um extenso programa de exploração subaquática e pesquisa científica. Ao contrário de outros veículos utilizados neste tipo de viagens extremas, ele pode ser pilotado, como uma espécie de pequeno avião, pairando sobre os fundos abissais ao longo de distâncias que podem chegar aos 10km.

E isto abre todo um novo mundo de possibilidades. Os dois únicos visitantes tripulados da fossa das Marianas até agora, o Trieste (1960) e o Deepsea Challenger (2012), não podiam mover-se horizontalmente. Esta limitação possibilita a obtenção de recordes de profundidade, mas inviabiliza grandes pretensões de exploração, num mundo estranho e remoto em que, incrivelmente, apesar da pressão esmagadora, há sinais de vida. Ouviremos falar bastante disto nos tempos mais próximos, porque a Virgin está em fase final de testes e há, pelo menos, outras duas companhias, a Triton Submarines e a DOER Marine, que já anunciaram planos nesse sentido.

A lista do "primeiro homem" a descer às diversas profundezas marinhas vai, certamente, alargar-se nos próximos tempos - o que não será difícil, dado que são muito menos os que desceram ao fundo do mar do que os que pisaram a Lua. Mas há mais, muito mais. O mar alberga as maiores cadeias montanhosas do planeta, dezenas de milhares de vulcões activos, as maiores planícies, uma diversidade de vida que não cessa de surpreender os cientistas. Na verdade, será como se explorássemos outro planeta.

Mas se as profundezas marinhas não são o seu forte, a lista de feitos inéditos de grande exposição mediática não acaba aqui. A travessia, sem oxigénio, do Lhotse e do Evereste ainda não foi conseguida. Restam cinco das montanhas com mais de 8000 metros que nunca foram escaladas no Inverno. Ninguém atravessou o Pacífico a nado. Nem nadou todo o percurso do Nilo. Haverá certamente grutas por descobrir e selvas para atravessar. Por exemplo.

Há candidatos? Se sim, convém apressarem-se. Algures no planeta, alguém já estará com os olhos postos nestas loucas missões por um cantinho na história.

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