Portugal após o recuo do Governo na TSU

Com a economia a ruir, um corte no défice em 4% até 2014 é uma missão impossível em democracia

O Governo prepara-se para meter na gaveta as alterações à Taxa Social Única. Vai fazer o que podia fazer e o que tinha de fazer para salvar o que resta do consenso político e social e da sua própria legitimidade perante os cidadãos, que não se lembram de ter votado em nenhum programa com aquela carga ideológica. Vamos por isso admitir que a crispação das últimas semanas se vai esvanecer com o recuo do Governo, ou, numa apreciação mais favorável, com a sua predisposição democrática para ouvir a cidadania. Quanto tempo durará o apaziguamento? Resistirá ao debate do Orçamento do Estado, que, não tenhamos dúvidas, só terá o mínimo de possibilidade de satisfazer os objectivos do programa de ajustamento se introduzir novas e mais duras medidas de austeridade?

Bem se sabe que as mudanças na TSU, um erro político que figurará nos anais da Ciência Política, funcionaram como um rastilho para a explosão de um ressentimento larvar. Mas não tenhamos dúvidas que se não fosse há duas semanas pelo aumento das contribuições sociais dos trabalhadores em mais 7%, seria mais tarde por outra razão. Num equilíbrio precário entre a razão que indica não haver alternativas viáveis ao cumprimento do programa de ajustamento e o sentimento de que já se foi longe de mais nos sacrifícios que a troika exige, os portugueses dificilmente deixarão de continuar a sentir-se perdidos e injustiçados.

Quando Passos Coelho lembrou que foi apenas na quinta avaliação da troika que a Grécia entrou na fase mais aguda da sua crise, deixou no ar uma pista sobre esse sentimento e sobre os limites da tolerância dos cidadãos, e do próprio Estado democrático, a um ajustamento com a actual intensidade. O Estado grego pode ser mais frágil, incompetente ou volúvel a interesses do que o Estado português, mas as dificuldades dos gregos sujeitos à austeridade não hão-de ser muito diferentes das que hoje sentem os cidadãos nacionais. Portugal está há um ano e meio a aplicar com diligência um programa que não está a funcionar. Após todos os esforços, os cidadãos sentem que o futuro se lhes escapa. Suspeitam que o que aconteceu na Grécia se repetirá aqui, como o que se passa aqui é pressentido em Espanha como uma antecipação do que lhes acontecerá em 2013 caso entrem num programa violento de ajustamento. O futuro já não se parece com uma esperança, tornou-se uma condenação.

Com realismo, está na hora de o Governo e o país pensarem numa alternativa. Não se pede o fim da austeridade, nem dos sacrifícios. Não se questiona sequer o rumo de reformas que foram democraticamente sufragadas. Pede-se, isso sim, que não se leve o país à desesperança e ao desespero. Com a obrigação de reduzir um défice de 6,6% para 2,5% em dois anos, é isso que está em causa. Uma missão impossível em democracia.

Sugerir correcção