Phillip Zimbardo tem uma fábrica de heróis

O mal existe? O que é? E o heroísmo? Qual a sua natureza? Todos podemos ser heróis? É possível transformar pessoas vulgares em sádicos sem escrúpulos, diz Philip Zimbardo, especia-lista mundial da psicologia do mal. Mas também é possível treinar o herói que se esconde em nós

Eram 10 da noite, a última oportunidade de os presos irem à casa de banho. Depois, teriam de usar um balde na sua cela, algo que todos odiavam. E, para os guardas da prisão, era a última oportunidade de humilharem os presos. Enfiavam-lhes um saco na cabeça, acorrentavam-nos uns aos outros, empurravam-nos, gritavam-lhes, praguejavam. Era isso que os guardas faziam sempre às 10 da noite. O director da prisão observava a operação e ia tomando notas numa folha onde estava escrito: "22h00 - última ronda da casa de banho".

Quando a psicóloga da prisão - e namorada do director - chegou, ele mostrou-lhe o que estava a fazer. Ela, que tinha vindo avaliar a situação dos presos, olhou para a cena à sua volta e começou a chorar convulsivamente. "O que se passa?", perguntou ele, sem perceber. "Não consigo suportar isto", respondeu ela. E saiu porta fora. O director correu atrás dela: "Mas o que se passa contigo? É só a ronda da casa de banho das 10 da noite", gritou. "Como é que tu podes assistir a isto e não ficar perturbado?" respondeu-lhe ela. "Não sei quem tu és. Não és a pessoa por quem me apaixonei. Há um abismo entre nós. Se tu és essa pessoa, então adeus!"

O diálogo, que parece saído de uma telenovela, é real e aconteceu em 1971, segundo contou à 2 o psicólogo Philip Zimbardo durante uma longa conversa mantida há dias no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, em Lisboa, onde veio fazer uma conferência. O "director da prisão" era ele e a "prisão" não era senão uma encenação, que fazia parte de uma experiência ao vivo que decorria no departamento de Psicologia da Universidade de Stanford, sobre a banalidade do mal (para usar a famosa expressão da ensaísta Hannah Arendt).

A jovem psicóloga, porém (que acabaria por casar com o "director"), não estava a representar papel nenhum e o diálogo tinha sido absolutamente sincero. Tinha de facto sido convidada por Zimbardo, juntamente com outros especialistas, a visitar a "prisão", instalada numa cave do campus universitário, para avaliar o realismo da experiência. E tinha achado insuportável a violência, absolutamente autêntica, que acabara de presenciar.

"Acho que se isto se tivesse passado dentro da prisão, a nossa relação teria acabado aí", conta Zimbardo. "Mas estávamos a discutir à porta do edifício do Departamento de Psicologia e de repente caí em mim: "Meu Deus, tens toda a razão!", disse. E foi aí que decidi, já era quase meia-noite, que tínhamos de pôr fim ao estudo logo na manhã seguinte."

O estudo, conhecido como a "Experiência da Prisão de Stanford", tinha começado seis dias antes. O objectivo de Zimbardo e da sua equipa era saber o que aconteceria quando 24 estudantes, perfeitamente normais do ponto de vista psicológico, a quem tinha sido atribuído ao acaso o papel de "guarda" ou de "preso", passavam 15 dias mergulhados num universo prisional. Se os 12 guardas tivessem um poder absoluto sobre os 12 presos, tornar-se-iam sádicos? E os presos, rebelar-se-iam ou obedeceriam cegamente às ordens mais cruéis, desumanas e avassaladoras?

Zimbardo tinha-se inspirado numa célebre e chocante experiência sobre o "lado obscuro" do comportamento humano. Nessa experiência, realizada em 1963 por Stanley Milgram, psicólogo da Universidade de Yale, foram recrutados mil voluntários para participarem numa suposta experiência sobre a memória. Para isso, era-lhes atribuído o papel de "professor" e era-lhes dito que, de cada vez que o "aluno" (alguém que estava noutra sala e que o participante não via, mas que conseguia ouvir) respondesse erradamente a uma pergunta, devia aplicar-lhe um choque eléctrico. A partir dos 15 volts, podiam aumentar a potência da descarga eléctrica aplicada ao hipotético "aluno" (que era fictício e cujas "reacções" eram simuladas pelos cientistas durante a experiência).

"O que Milgram descobriu", explica Zimbardo, "foi que, para controlar o "aluno", dois terços dos participantes exerciam o seu poder até ao fim - até atingirem 450 volts, uma descarga potencialmente letal. Antes disso, a vítima já tinha dado um grito e tinha-se ouvido cair pesadamente um objecto na sala contígua - e... mais nada. Mas os participantes continuavam, apesar de tudo, a aumentar a voltagem. Um resultado que Zimbardo gosta de resumir com uma frase lapidar: "O mal começa aos 15 volts."

Zimbardo e Milgram tinham sido colegas de turma, no Bronx, o bairro de Nova Iorque onde ambos cresceram - o primeiro, filho de imigrantes sicilianos; o segundo, de família judia. Um bairro pobre e violento, onde alguns amigos de infância de Zimbardo chegaram a matar ou a ser mortos. "Na escola", diz Zimbardo, "Milgram e eu já falávamos destas coisas: por que é que alguns rapazes que conhecíamos faziam coisas tão estúpidas? Milgram era um rapazinho muito inteligente e perguntava-se se o Holocausto poderia ter acontecido na América. E toda a gente lhe dizia que não, que isso tinha sido na Alemanha, que os americanos não eram esse tipo de pessoas. Mas ele tinha a convicção de que, se tivessem feito a mesma pergunta aos alemães antes da chegada de Hitler, eles também teriam dito que não eram esse tipo de pessoas. E de facto, Milgram mostrou que não sabemos o que iremos fazer ou não fazer até nos encontrarmos numa dada situação. De fora, gostamos sempre de imaginar que somos boas pessoas e que teríamos tido uma atitude heróica."

Na sua experiência de Stanford, Zimbardo quis ir - e foi - mais longe. "No estudo de Milgram, ninguém foi magoado", explica-nos. "Tudo se passava na cabeça dos participantes e no fim o "aluno", que fazia parte da equipa, vinha cumprimentar o "professor". Mas, no nosso estudo, cinco pessoas tiveram um colapso mental." Outra diferença: o estudo de Milgram durava uma hora por participante, o de Stanford 24 horas por dia. E o pior, diz Zimbardo, é que os guardas iam para casa todos os dias, mas quando voltavam "ao trabalho" e vestiam a farda, punham uns óculos escuros e pegavam num pau, assumiam novamente o seu papel sem pestanejar.

O estudo de Stanford gerou muita controvérsia - e hoje seria impossível repeti-lo, devido a impedimentos éticos. Mas, na altura, foi aprovado pelo comité científico da Universidade. "Do ponto de vista deles, aquilo não passava de uns miúdos a brincar aos polícias e ladrões numa cave. O que é que poderia correr mal?", diz Zimbardo. Para mais, os participantes sabiam que bastava pedirem para abandonar a experiência e seriam imediatamente dispensados. Mas ninguém pediu.

De facto, tudo correu muito mal - ou seja, a experiência resultou tão bem que excedeu tanto as expectativas e foi preciso interrompê-la prematuramente. "Ao fim de cinco dias, os guardas maltratavam os presos e os presos não faziam nada. Eram como zombies", explica o investigador. A situação ficou descontrolada. Começou a haver abusos sexuais, com os guardas a mandar os presos fingirem que sodomizavam outros presos e os presos a obedecerem.

Correu tão mal - ou tão bem - que Zimbardo admite sem rodeios que ele próprio, mergulhado nesse universo concentracionário, se tornou cego ao sofrimento real e aos maus tratos reais a que seus "presos" estavam a ser submetidos.

Do ponto de vista psicológico, "o mal consiste em fazer mal aos outros intencionalmente - à força de preconceitos, de discriminação, de boatos, de bullying", explica Zimbardo. E ainda de tortura e maus tratos - e, na sua forma mais extrema, matando outras pessoas. Os crimes contra a Humanidade são a expressão mais extrema do mal.

Os psicólogos procuram, nos traços da personalidade humana, aberrações individuais que permitam explicar este tipo de comportamento. Mas o que dizer então da "prisão" de Stanford, onde todos os participantes tinham sido submetidos a uma bateria de testes da personalidade e psicológicos - e onde nada fazia prever o que aconteceu? Eram tudo bons rapazes, o mais normais que se possa imaginar, "mas em dias tornaram-se sádicos e começaram a gostar do que faziam. Era mais do que simplesmente fazerem o seu trabalho. Era crueldade", salienta Zimbardo.

Daí que o cientista não acredite no carácter puramente individual do mal, e defenda que é o grupo, o sistema, que cria o mal. "Vivemos rodeados de influentes agentes do mal, cujo trabalho é convencer-nos a fazer coisas por dinheiro. Os privilegiados não fazem coisas que não querem fazer por dinheiro, mas os pobres não têm escolha. E essas coisas são vender drogas, vender o corpo, roubar, entrar num gangue, num culto e, nos casos mais extremos, tornar-se num bombista suicida."

Claro que o mal espontâneo, individual, também existe. "Um por cento das pessoas no mundo são aquilo a que chamamos "psicopatas" e, devido a defeitos ao nível cerebral, são incapazes de sentir culpa ou vergonha", diz Zimbardo. "Fazem coisas más apenas pelo prazer que isso lhes dá: arrancar as asas a uma borboleta ou cortar a cauda a um gato - coisas que horrorizariam qualquer um não têm nenhum efeito sobre eles. Mas, em todos os estudos que temos feito sobre a psicologia do mal, pegámos em pessoas comuns, colocámo-las em situações invulgares - e o facto de conhecer os seus traços de personalidade não permitia prever como é que se iriam comportar", contrapõe. "O que nos empurra para o mal ou para o bem são as situações em que nos encontramos."

O mal, argumenta, tem sempre a ver com abuso de poder, com dominar os outros para adquirir mais poder. "A maior parte do mal não é perpetrado por indivíduos, mas pelos sistemas, pelos governos. Quando as pessoas estão organizadas num sistema, é aí que o mal é pior." Não é uma questão de "maçãs podres" que, quando colocadas numa cesta de maçãs sãs, corrompem a cesta toda. "A questão é saber quem fabrica a cesta - que é onde está o poder."

O seu livro, The Lucifer Effect: Understanding How Good People Turn Evil, publicado em 2007, é, segundo Zimbardo, o primeiro a abordar uma análise do mal a múltiplos níveis. "Temos mesmo de perceber o comportamento das pessoas no seu contexto - que está sempre inserido num sistema."

Ao longo de várias décadas, os resultados da experiência de Stanford ficaram na gaveta, incluindo 12 horas de gravações de vídeo. Até 2004, ano em que rebentou o escândalo da prisão de Abu Ghraib, no Iraque, onde militares norte-americanos submeteram presos a torturas psicológicas, físicas e sexuais.

Conta Zimbardo que, quando as primeiras imagens de Abu Ghraib foram divulgadas - de guardas a mandar os presos despirem-se, a enfiar-lhes sacos na cabeça e a obrigá-los a adoptar posições sexualmente humilhantes -, um dos seus antigos alunos, que trabalhava para a National Public Radio, contactou-o e disse-lhe: "Essas imagens são iguais às que você nos mostrava nas aulas!" E perguntou-lhe se achava que esses soldados eram "maçãs podres".

"De cada vez que um escândalo como este rebenta", diz Zimbardo, "o sistema - os políticos, os militares ou a polícia - dizem invariavelmente que a culpa é de um punhado de maçãs podres. Recorrem sempre a uma explicação disposicional e não a uma explicação sistémica. E eu respondi ao meu ex-aluno que achava que os soldados norte-americanos eram bons elementos, mas que alguém os tinha colocado numa cesta podre. Os media adoraram a metáfora."

Zimbardo foi entrevistado múltiplas vezes e, um dia, o advogado do sargento Ivan Frederick, um dos guardas acusados de torturar prisioneiros em Abu Ghraib, perguntou-lhe se estava disposto a testemunhar como perito da sua defesa. Zimbardo aceitou.

"Como testemunha de defesa, tive acesso à informação toda. Havia mil fotografias - muito piores do que tudo o que saiu a público - e 12 dossiers de investigação com 200 a 300 páginas cada. Sou o único a ter tido acesso ao dossier todo. Também passei um dia com o sargento e com a mulher, fiz-lhe testes psicológicos, falei com outros guardas que lá estavam e consegui perceber a situação."

A seguir ao julgamento, Zimbardo percebeu que tinha de escrever sobre a experiência da "prisão" de Stanford. "Com a ajuda de novos estudantes, voltei a analisar as 12 horas de vídeos registadas na altura da nossa experiência, há tantos anos, e estabelecemos paralelos directos entre Stanford e o que aconteceu em Abu Ghraib. E foi por isso que acabei por escrever The Lucifer Effect."

Por ironia do destino ou talvez não, Zimbardo, hoje com 79 anos, tem muitas parecenças com Vincent Price, o actor norte-americano conhecido pelos seus papéis diabólicos em filmes de terror dos anos 1960. Quando lhe perguntámos se cultiva esse aspecto deliberadamente (a barba, o fino bigode, o fato preto, a bengala à moda antiga e a gravata vistosa), ri-se e diz-nos simplesmente que não, que começou em jovem a deixar crescer a barba "para parecer mais adulto".

Seja como for, os tempos em que "criava o mal no laboratório" já lá vão, reflecte hoje Zimbardo. "Isso já sei fazer. Agora, a minha nova missão na vida tem a ver com o poder de gerar o bem" - e o cientista afirma que, tal como o mal pode ser banal e praticado por pessoas que nada têm de psicopatas, o mesmo acontece com o heroísmo. Existem heróis excepcionais - Nelson Mandela, Martin Luther King, Gandhi -, mas as pessoas vulgares também podem ter atitudes heróicas. E, tal como se pode transformar uma pessoa comum numa máquina de matar, também é possível treinar pessoas para serem heróis. "Mas é muito mais fácil tornar as pessoas comuns más do que torná-las boas", adverte.

Em particular, nos trabalhos de Milgram - que realizou uma série de outros estudos com base no modelo da sua experiência original -, houve sempre um punhado de participantes que resistia, que não obedecia às instruções, que se rebelava, achando que não estaria apenas "a fazer o seu trabalho" se acatasse as ordens, mas a transgredir os limites da humanidade. "O que o Milgram fez foi quantificar o mal", diz Zimbardo. E também no estudo de Stanford, acrescenta, um ou dois "guardas" recusaram-se liminarmente a utilizar a força e os vexames com os "presos". "Em todas as experiências, em todas as situações reais, há sempre uma pequena percentagem - uns 10% - que resiste", diz Zimbardo. "Mesmo nas piores circunstâncias. Mas nunca ninguém estudou quem são esses 10% que resistem ao apelo do mal."

A equipa de Zimbardo em Stanford está a tentar fazê-lo. Em particular, realizaram um estudo, que ainda não foi publicado, no qual entrevistaram jovens, homens e mulheres, que tinham pertencido a gangues violentos nos EUA. "Muitos dos entrevistados", salienta Zimbardo, "tinham matado pessoas, vendido heroína a famílias inteiras. Mas, a dada altura, passaram para o lado bom, impedindo que outras crianças fossem recrutadas por gangues ou esforçando-se para as tirar de lá. São heróis. Arriscaram a vida para fazer isso e os gangues querem matá-los."

Em colaboração com uma equipa israelita, os cientistas norte-americanos repetiram o estudo com israelitas e palestinianos que sofreram violências ou causaram sofrimento, mas que, em vez de vingança, procuram a reconciliação. "Neste momento, as coisas na região degradaram-se muito e estes jovens são heróis porque as suas famílias cortaram os laços com eles", diz Zimbardo. Antes de estar sequer concluído, o estudo foi transposto para o cinema pelo realizador israelita Yoav Shamir, com o título Os 10 por cento.

Há vários tipos de heróis, diz Zimbardo. Há os heróis instantâneos, impulsivos - o homem que salta para a via do metro para salvar alguém que caiu lá dentro, ou na água para impedir uma criança de se afogar. Mas há também heróis mais reflectidos, mais pró-activos: são aqueles que conseguem incitar outras pessoas a formar um grupo para agir para reparar um mal. Por outro lado, há heróis que praticam um único acto isolado de heroísmo e há heróis que o são sempre, que se opõem toda a vida a um sistema malévolo, seja ele o apartheid, a segregação racial nos Estados Unidos ou a dominação britânica na Índia. Nelson Mandela, Martin Luther King, Gandhi. Mas há também formas mais quotidianas de heroísmo - e é essa a mensagem que Zimbardo tenta fazer passar, em particular junto das crianças. "Tenho uma fábrica de heróis em São Francisco", lança.

É que, para tentar desenvolver esta ideia da "banalidade do bem", Zimbardo criou e dirige o Projecto da Imaginação Heróica (http://heroicimagination.org/). "Basicamente", explica, "o meu racional é que se ser um herói consiste em ajudar pessoas que precisam de ajuda ou em defender um princípio moral, qualquer um de nós pode vir a ser um herói. Mas, para isso, temos de nos imaginar como heróis - e o problema é que as crianças de hoje não têm os heróis certos. Têm super-heróis, como o Super-Homem ou o Homem-Aranha, que são lindas fantasias, mas que representam modelos de heroísmo inalcançáveis."

Com a sua equipa, Zimbardo começou a "treinar heróis" dando aulas em várias escolas. "Para fazer seja o que for, é preciso adquirir primeiro as competências necessárias." Isso nunca tinha sido feito. "O que nós estamos a fazer é muito modesto", diz o investigador. "Há dois anos, começámos a trabalhar em várias escolas secundárias e fomos até à universidade. E, agora, os estudantes do liceu já estão a treinar alunos mais jovens, a partir dos 12 anos."

E o que é que se ensina/aprende numa "aula" de heroísmo? A ser altruísta? Nada disso. "Para mim", diz Zimbardo, "o altruísmo é apenas algo que parece heroísmo mas não é: dá-se dinheiro à paróquia, por exemplo, mas isso não tem um custo real. No heroísmo, o custo potencial pode ser perder a vida, ser ferido, perder o emprego. As pessoas que denunciam a corrupção no seu lugar de trabalho quase nunca são promovidas ou são despedidas." E também não há recompensa, "faz-se o que é preciso e pronto".

Mas para ter alguma hipótese de tornar-se um herói de todos os dias, é preciso começar por perceber o pior mal de todos: a inacção. O chamado "efeito espectador" (bystander effect). "É quando acontece uma coisa terrível à nossa frente e não fazemos nada." No fundo, tal como lhe aconteceu a ele, numa cave de Stanford, há mais de 40 anos. Essa é a atitude habitual da esmagadora maioria das pessoas. "O pior mal do bullying nem é o que acontece às vítimas", diz Zimbardo. "É o que acontece a todos os outros, que ao estarem lá e não fazerem nada vão sentir vergonha o resto da vida." Porque sabem que podiam ter feito qualquer coisa e, em vez disso, ficaram de braços cruzados. A primeira coisa que se ensina aos "aprendizes de herói" nestas aulas é precisamente a reconhecer essa fraqueza humana universal, incluindo em si próprios.

Mas a aprendizagem não pára aí. Depois da teoria vem a prática. "Eu fui professor durante 50 anos, ensinei o efeito observador e tudo isso aos meus estudantes mas, a seguir, limitava-me a dar-lhes uma nota no exame final, o que não mudava nada. Agora, o que dizemos aos alunos é que os seus conhecimentos devem desembocar na acção social. E isso é novo."

Há estratégias para se ser um herói sábio e fazer o bem eficazmente, frisa Zimbardo. "A primeira coisa é procurarmos a ajuda de outras pessoas. Nunca devemos tentar ser um herói a solo. Perante um bully, tudo o que é preciso é fazer com que uma ou duas pessoas concordem connosco, achem que é inaceitável e estejam dispostas a opor-se ao mal que está a ser feito. Ninguém quer confrontar um bully sozinho, mas, se formos dois ou três, podemos dar-lhe uma tareia. Não temos de aceitar o bullying."

Num dos estudos de Milgram - "do qual, que eu saiba, ninguém jamais falou", diz Zimbardo - dizia-se aos participantes que teriam de esperar que o voluntário anterior acabasse de fazer a sua parte para começarem. Como as pessoas já tinham entrado na sala, ficavam portanto a observar a experiência. Ora, se o participante anterior puxasse a voltagem até ao máximo, em 90% dos casos o seguinte fazia a mesma coisa. Mas, se visse o seu antecessor a recusar-se a torturar o "aluno", em 90% dos casos o seguinte também se rebelava. "Quando vemos um acto de rebelião, seguimos pela mesma via", diz Zimbardo. "Tal como aconteceu no ano passado no Egipto, com os estudantes."

Outra coisa que se aprende na fábrica de heróis é que os heróis não devem ter medo de ser diferentes, que um herói é sempre alguém de atípico, um "desviante social positivo", diz Zimbardo. E, para se habituarem a essa condição apesar da pressão social no sentido do conformismo, pedem por exemplo aos alunos para, durante um dia, fazer algo que vá contra a sua imagem de si próprios. E sem explicar porquê, alegando que é apenas porque apeteceu. "Se formos uma pessoa que gosta de se vestir bem, vestimo-nos de qualquer maneira e vice-versa", salienta. "Se formos muito calados, temos de cantar. Ou ainda mais simples: pegar num marcador e desenhar um smiley na nossa testa. Ou fazer um risco diferente no cabelo. E temos de conseguir resistir durante um dia à pressão do nosso grupo de amigos e da nossa família para mudarmos de roupa ou apagarmos o desenho que temos na cara..."

Nem toda a gente poderá ser um grande herói e aceitar pagar o elevadíssimo preço que pagaram Luther King, Mandela ou Ghandi. Nem toda a gente poderá ser um Wesley Autrey, o homem que, em 2007, salvou in extremis um desconhecido que ia sendo esmagado pelo metro em Nova Iorque, arriscando a vida sem pensar duas vezes. Antes de mais, por falta de oportunidades. "Para sermos heróis, precisamos de uma oportunidade", explica Zimbardo. "E, para sermos um grande herói, precisamos de uma grande oportunidade: guerras, catástrofes, situações de urgência."

Mas há coisas que podemos fazer no dia-a-dia, salienta. "Somos todos poderosos agentes de influência social e quando somos vistos a fazer coisas más - passar um sinal vermelho, por exemplo - isso incentiva os outros a fazer o mesmo. Mas projectamos uma sombra positiva sobre quem nos vê a ajudar alguém ou a respeitar a lei."

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