Bairro de S. Victor, de Siza Vieira, pode acolher laboratório da habitação

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Três das casas que Álvaro Siza Vieira projectou para o Bairro de S. Victor nunca foram habitadas e pertencem à Câmara do Porto FOTos: adriano miranda

Projecto da Escola Superior Artística do Porto pretende reabilitar três casas em ruínas, que nunca chegaram a ser habitadas, para testar soluções de construção acessíveis, replicáveis em bairros e ilhas

Escondido entre as ruas de São Victor e das Fontainhas, em pleno centro do Porto, o Bairro de S. Victor, um conjunto de 12 casas desenhadas no pós-25 de Abril por Álvaro Siza Vieira, no âmbito do Serviço de Apoio Ambulatório Local, continua a marcar a paisagem do interior do quarteirão. Mas, tal como aconteceu no Bairro da Bouça, do mesmo arquitecto, o projecto primitivo nunca foi concluído. Ao fundo da rua, já na confluência da Praça da Alegria, foram levantadas três casas que nunca chegaram a ser usadas. É aí que a Escola Superior Artística do Porto (ESAP) quer instalar um laboratório onde se possam experimentar soluções que valorizem a chamada habitação básica, a dos bairros e ilhas do Porto.

Há anos que, na ESAP, a partir da cadeira de Antropologia do Espaço, leccionada por Fernando Matos Rodrigues, se olha para as ilhas que marcaram, e muito, a forma de habitar de classes populares no Porto como espaços a reabilitar, e a valorizar, arquitectónica e socialmente. Muitos estudos, teses e trabalhos de campo depois, a oportunidade de dar corpo a esse projecto, abrindo um espaço onde se possam testar soluções construtivas e materiais, por exemplo, parece mais próxima.

Segundo Matos Rodrigues e o arquitecto Michele Cannatà, também da ESAP, a Câmara do Porto viu com bons olhos a ideia de transformar as três casas devolutas do Bairro de S. Victor nesse Laboratório da Habitação. Michele Cannatà explicou ontem ao PÚBLICO que falta definir alguns aspectos burocráticos sobre os moldes em que será efectuada a cedência. Matos Rodrigues adianta que o Instituto de Serviço Social do Porto, que tem estudado, do ponto de vista social, a realidade dos bairros e das ilhas, vai participar no projecto. Que terá, garantem, o envolvimento do próprio Siza Vieira e uma forte componente de participação das comunidades a que se dirige.

Depois de terem guiado o PÚBLICO por esse bairro, agora pintado de verde e à volta do qual a Câmara do Porto levou a cabo uma operação de requalificação, ao final da tarde, Cannatà e Matos Rodrigues participaram num debate, na ESAP, sobre patrimonialização das ilhas do Porto. Esse foi o tema da tese de doutoramento de Aline Cunha, investigadora brasileira, também convidada para a discussão de ontem. Na sua dissertação, Aline Cunha defende que a reabilitação urbana - entregue, do ponto de vista público, à SRU Porto Vivo - não deve deixar de fora estes "espaços vivos". Mas, por outro lado, alerta para os riscos de substituição dos actuais moradores por outros com mais posses (o fenómeno sociológico conhecido por gentrification, no inglês), se a opção, nestes casos, for semelhante à que tem sido seguida no casario do centro histórico.

Num lado, como no outro, e tal como vem sendo defendido na ESAP, pede-se que as intervenções sejam feitas com, e para, os moradores destas casas. Gente que, com a industrialização da cidade, encontrou no interior de muitos quarteirões a habitação a preços acessíveis que a rua não lhe dava. Uma habitação que, garantidas as condições de salubridade, acaba por incorporar vantagens do ponto de vista da vida urbana, lembram Michele Cannatà e Matos Rodrigues.

Para lá das relações de convivialidade, a proximidade ao centro da cidade da maior parte das muitas ilhas, privadas, que ainda existem no Porto, permite deslocações a pé, diminuindo a necessidade de automóvel. E fomenta o comércio nas redondezas. Não espanta por isso que, como contaram os arquitectos ao PÚBLICO, os donos de uma destas ilhas, perto da Batalha, estejam a pensar transformá-la em residência low-cost para estudantes.

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