Um desportivo à moda antiga por menos de 40 mil euros

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Não é o mais rápido, o mais potente ou o mais económico, mas transmite sensações ímpares - o Toyota GT86 é um carro para pilotar e não para conduzir, que faz lembrar os desportivos puros e duros do século passado, com um comportamento brilhante em curva.João Palma (texto) e Enric Vives-Rubio (fotos)

O número 86 é central na concepção deste desportivo de características únicas da Toyota, só equiparável ao "irmão" Subaru BRZ, que partilha a mesma mecânica, performances e design, distinguindo-se apenas em pormenores. Ambos se baseiam no protótipo FT-86 e inspiram-se em modelos como os Toyota 2000GT, Sports 800 e Corolla Levin AE86. De 86mm é também o diâmetro e curso dos 4 cilindros opostos horizontalmente do motor atmosférico de 2.0 litros e até o diâmetro interno das duas ponteiras de escape.

É preciso ter mão nas rédeas para controlar os 200cv que comem "fava super" (gasolina 98), mas a direcção, muito precisa, responde com prontidão a quaisquer toques no volante. A caixa manual de 6 velocidades tem relações curtas como convém a um desportivo. Em opção, por 42.810€, o GT86 pode ter uma caixa automática com 6 relações mais longas, médias de consumo e emissões mais baixas (respectivamente, 7,1 l/100 km e 164 g/km de CO2 e performances inferiores: 210 km/h de velocidade máxima e 8,2s dos 0 aos 100 km/h). Refira-se que a versão com caixa automática é a Sport, a mais bem equipada, e o GT86 Sport com caixa manual custa 41.145€.

O principal responsável pela concepção deste carro é Tetsuya Tada, engenheiro-chefe da Toyota, que, contra ventos e marés (e até certa relutância inicial da Subaru, que a princípio só se dispôs a fornecer o motor), insistiu que o GT86 deveria ter tracção traseira, motor atmosférico capaz de ultrapassar as 7000 rotações sem recurso a turbo e pneus normais sem ser os enormes "sapatos" de um típico desportivo -os Michelin Primacy 215/45 R17 do GT86 também equipam o Prius!

Este elegante coupé de 2+2 lugares tem um design marcadamente desportivo com um certo ar retro, a lembrar carros do século passado. Os dois lugares da frente são confortáveis e os bancos sujeitam bem o corpo numa condução desportiva em curva. Os lugares de trás, embora disponham de fixações Isofix, são nominais: se o condutor tiver mais de 1,75m de altura tem de encostar o seu banco ao traseiro e o banco do pendura terá de se chegar muito à frente, para que alguém possa caber atrás. Os responsáveis da Toyota sugerem mesmo que o espaço traseiro possa servir para armazenar um jogo de pneus especiais se se quiser participar num track-day. A mala tem formato regular, mas a abertura não permite a entrada de objectos de maiores dimensões. Lamentável é que, sob o seu fundo, em clara contradição com a pureza do espírito revivalista deste modelo, se aloje um kit de "reparação" de pneus...

Os pedais em alumínio e o visual do habitáculo indicam que estamos em presença de um desportivo e, ao pisar o acelerador, o ronco agradável e característico também não deixa dúvidas. O Toyota GT86 não é o carro mais rápido nem o mais potente e é preciso fazer subir as rotações para se desfrutar de todas as potencialidades do motor. Porém, em curvas lentas e circuitos sinuosos tem um comportamento brilhante, graças não só à direcção muito precisa e de resposta pronta mas também a um diferencial traseiro autoblocante que melhora a tração e a aderência numa condução mais exigente. Baixo peso, baixo centro de gravidade e um coeficiente aerodinâmico (Cx) de apenas 0,27 completam os atributos deste veículo.

A suspensão é dura mas não é seca, pelo que, mesmo em pisos irregulares não é muito desconfortável. E embora não disponha de sensores de estacionamento, não sendo muito comprido ou largo e tendo o condutor boa visibilidade, não é difícil estacionar na cidade. Outro ponto positivo é a distância ao solo do pára-choques dianteiro e da carroçaria, que reduz a probabilidade de estes roçaram nos passeios ou no chão de algumas rampas pronunciadas existentes em parques de estacionamento.

Em estrada normal ou em auto-estrada, dentro dos limites de velocidade, até se podem fazer médias de 7,0 l/100 km, mas é em estradas com curvas apertadas (onde o consumo necessariamente sobe com o entusiasmo do condutor) que se pode desfrutar totalmente este veículo que sem comparação com outros modelos existentes no mercado.

Um mar de contradições

Este carro não pode ser avaliado pelos padrões normais de qualidade comuns a outros modelos. Por exemplo, nos acabamentos, o revestimento do tablier é macio e de tacto agradável, mas há também à mistura materiais de qualidade inferior, como é o caso do da tampa do fundo da bagageira, que é pior do que se encontra em muitos carros baratos. Também não há comandos no volante, à excepção da manete do controlo de estabilidade, mas em contrapartida dispõe de um ecrã táctil, em posição central e fácil de manusear, para aceder às funções de som, telefone e, em opção, a um sistema de navegação.

Um carro para pilotar

O Toyota GT86 é um carro para quem gosta de conduzir e sentir que tem de dominar o carro em vez de ser o carro a controlar o condutor. Os controlos de tracção (até 50 km/h) e de estabilidade podem ser desligados (no caso do controlo de estabilidade há uma posição VSC Sport em que o sistema só intervém mais tarde), para um condução desportiva, tanto em estradas sinuosas como em circuito, os seus habitats por excelência: o emblema distintivo do GT86 é um pistão com o número 86 estilizado, que também representa as 4 rodas do carro em derrapagem controlada.

Puro e duro

O Toyota GT86 (e o seu irmão Subaru BRZ) usa o motor com 1998cc de 4 cilindros opostos horizontalmente da Subaru a que se juntou a tecnologia D4-S da Toyota que efectua tanto injecção directa como a convencional indirecta ou a combinação das 2, dependendo da rotação do motor. Ao conceber este carro, Tetsuya Tsada, engenheiro-chefe da Toyota, estabeleceu premissas únicas: teria de ter tracção traseira e um motor desportivo atmosférico que pudesse ser colocado numa posição baixa (para melhorar o centro de gravidade), com 100cv de potência por litro e que atingisse altas rotações (vai até às 7400 rpm...) sem auxílio de um turbocompressor. Isso foi conseguido com este propulsor de tipo boxer, "quadrado", com 86mm de diâmetro e 86mm de curso dos pistões.

Uma "modernice" dispensável

Num modelo que procura ser fiel ao espírito desportivo puro dos carros que o inspiraram, como os Toyota Sports 800 e 2000GT, é uma desilusão abrir a tampa da bagageira e, ao levantar a cobertura do fundo (em material baratucho e de fraca qualidade), encontrarmos no espaço para o pneu sobressalente uma modernice lamentável - um kit de "reparação" de pneus. Os carros em que o GT86 se inspirou tinham pneu sobresselente e essa seria uma boa tradição a manter.

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