Justin Hall

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Este homem foi blogger quando não sabíamos o que era um blogue. E os seus posts encorajaram outros a partilhar as suas vidas online. Por Alexandre Martins

Várias parceiras românticas (Primavera de 1992-Actualidade). Experiências com uma série de mulheres e com um homem, com o objectivo de adquirir conhecimentos sobre prazer físico e estimulação emocional. Sexo com penetração com um total de 26 pessoas, com idades entre os 16 e os 38 anos. Quinze destas trocas de experiências consistiram em penetrações que duraram apenas uma noite."

A discussão sobre quem é o autor do primeiro blogue publicado naquilo a que Tim Berners-Lee chamou a World Wide Web daria para alimentar mais blogues do que pequenos accionistas do Facebook, mas se limitarmos a definição de blogue a um conjunto de posts que deixariam os mais ousados concorrentes de reality shows a corar de vergonha, então esta história começa a ganhar forma há quase duas décadas.

Justin Hall, um jovem norte-americano nascido em Chicago que estava ainda a 11 meses de escapar são e salvo à adolescência, publicava a sua primeira página pessoal em Janeiro de 1994, apropriadamente intitulada Justin"s Home Page. O título da primeira experiência de Justin Hall com o hipertexto não fazia adivinhar o que aí vinha em termos de exposição da sua vida íntima, mas não deixava de ser rico em informação: "Bem-vindos à minha primeira experiência com o hipertexto."

As palavras escritas por Justin no seu computador portátil Powerbook 180, da Apple, saíam para o mundo a partir de um dormitório na Universidade de Swarthmore, no estado norte-americano da Pensilvânia.

A primeira metade da década de 1990 não era um mundo de smartphones, de apps, de Facebook, de Twitter. Na verdade, não era sequer um mundo de blogues - o termo weblog só iria ser criado em Dezembro de 1997, pelo norte-americano Jorn Barger, e mais tarde adaptado para blog por Peter Merholz, depois de um momento de inspiração o ter levado a incluir na barra do seu site uma nova categoria chamada "we blog".

Logo no primeiro dia de vida da Justin"s Home Page (mais tarde rebaptizada Justin"s Links, que ainda vive no endereço links.net), percebia-se que o mundo era um sítio pouco maior do que aqueles workshops que nos ensinam a fazer o que podemos aprender em casa, com um pouco menos de dinheiro e um pouco mais de paciência: "Estou a publicar isto e acho que vocês estão a ler para ver se percebem como é que isto se faz, não é?"

Passado o momento inicial de experiências com o hipertexto, Justin Hall mergulhou de cabeça nas experiências do seu mundo e do mundo das pessoas que o rodeavam. Não escapava nada nem ninguém. "O meu pai era um homem altivo, humano e sensível. Era também um cabrão intolerante e rancoroso", lê-se na página dedicada ao seu pai, que se suicidou quando Justin tinha oito anos.

São milhares de textos sobre os aspectos mais pessoais e íntimos da vida de Justin, da sua família, das suas namoradas - "Parece que a maioria das pessoas vem às minhas páginas por causa das coisas relacionadas com sexo."

Não seria preciso falar com ele para perceber o que o levou a querer contar tudo a toda a gente. Bastava ler o seu blogue: "Encontrei uma carta que o meu pai escreveu após o nascimento do meu irmão em que ele exaltava as virtudes de se criar os filhos com a ajuda de amas - "Só temos de ver a criança uma hora por dia, à hora das refeições.""

Numa troca de emails com a revista 2, Justin Hall, hoje com 38 anos, confirma as pistas deixadas nos primeiros posts. "Eu ansiava por atenção. Tinha sido acompanhado por um terapeuta durante muitos anos, principalmente depois da morte do meu pai. Estava acostumado a falar sobre mim. Assim que comecei a escrever online, descobri que podia chegar a uma audiência. Descobri que até podia ajudar outras pessoas que tinham histórias e momentos complicados", recorda. Além disso, havia também uma componente mais experimental: "Eu gosto de criar, por isso foi encorajador saber que podia ter leitores habituais utilizando a minha própria vida como matéria-prima."

A obsessão com que Justin alimentava a sua página pessoal não escapou à atenção do New York Times. Num artigo publicado em Dezembro de 2004, Jeffrey Rosen - professor universitário na Universidade George Wahington e um dos mais conceituados comentadores sobre assuntos jurídicos nos Estados Unidos - escreveu a frase que eliminou muita da concorrência que Justin Hall poderia ter na luta pelo título de pioneiro: "O pai dos blogues pessoais é, provavelmente, Justin Hall, que lançou o seu site, Links.net, há dez anos, quando estudava em Swarthmore."

Quando lhe lembramos a frase, Justin não esconde o orgulho. "Senti-me lisonjeado e excitado quando o New York Times disse que eu era provavelmente o fundador dos blogues pessoais, porque foi nesse jornal que eu li sobre o Mosaic, um dos primeiros browsers, em Dezembro de 1993."

Mas Justin não se esquece dos que o precederam e prefere salientar que a chave da sua notoriedade foi o "excesso de partilha". "Gosto de pensar em mim como um utilizador pioneiro da Internet. Houve pessoas que me inspiraram, pessoas que começaram antes de mim. A minha contribuição foi o excesso de partilha, foi escrever uma enorme quantidade de assuntos pessoais e de ligar tudo isso à estrutura das hiperligações. Fiz isso durante muitos anos e escrevi manuais para ensinar as outras pessoas a construir os seus próprios sites. O meu objectivo era encorajar mais pessoas a publicarem online e acho que tive algum sucesso nessa tarefa", conta-nos.

E como se explica a alguém que estamos a fazer algo para o qual ainda não existe nome? "No início, eu dizia "Tenho uma páginaWeb com um diário pessoal", "Tenho um diário pessoal na Internet" ou "Escrevo muito sobre a minha vida em páginas Web". Naquele tempo eu tinha de explicar a muita gente o que era a Web, o que é engraçado lembrar agora. Lembro-me de explicar a Internet aos meus avós como uma espécie de máquina de fotocópias que podia enviar cópias para muitos sítios sem precisar de papel", recorda Justin Hall.

Nascido numa família de advogados - a mãe, o pai, o padrasto, dois meios-irmãos e um cunhado -, Justin começou cedo a desenvolver o poder de argumentação que o levou a convencer os leitores da sua página a voltarem. "Ter juízes e advogados como companhia ao jantar habituou-me a ter diálogos de qualidade. Como diz a minha mãe, eu era um campeão na argumentação - tinha de aprender a ser mais advogado do que os advogados", lê-se na sua biografia.

Apesar de todo o poder de argumentação, Justin Hall não conseguiu convencer-se a ele próprio de que escrever sobre a vida pessoal podia vir a ser um atalho para encher a conta bancária. Quando começaram a aparecer os primeiros serviços de criação de blogues, como o OpenDiary, o LiveJournal ou o Blogger, já Justin levava meia década de posts sobre assuntos que muitos nem se atreviam a contar aos melhores amigos. "É difícil lembrar-me do que senti exactamente quando esses sites começaram a aparecer. Quando eu comecei a escrever, não tinha nenhum objectivo comercial, por isso acho que não pensei que poderia ou que deveria ter lançado esse tipo de serviços", explica Justin Hall.

"Tive a oportunidade de ser CEO de uma startup nos últimos anos e agora que sei o que é preciso para lançar um negócio com sucesso, tenho mais respeito pelas pessoas que chegam lá. É fácil dizer "Eu tive uma ideia". Uma pessoa que consegue transformar uma ideia em algo rentável para um pequeno grupo de pessoas tem um poder muito especial, que eu estou ainda a estudar e a tentar aprender", diz-nos. Quase uma década depois de ter começado a expor a sua vida na Internet, Justin reclama apenas uma vitória: "Fiz de mim um exemplo através da minha escrita e encorajei as pessoas a partilhar as suas vidas online, para que nos pudéssemos compreender melhor. Se tive algum sucesso nessa tarefa, a minha recompensa é termos um público cada vez mais diversificado e vivo na Internet."

Num dos posts mais recentes, com o título "Progresso ao longo da vida", Justin Hall faz um balanço do seu trajecto, à boa maneira a que tem habituado a sua audiência desde 1994: "O que alcancei: sobrevivi a um suicídio na família, a um falhanço empresarial e a um divórcio. Aprendi a ser um amante decente, hospitaleiro e cúmplice."

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