Evolução artificial imposta por decreto

O escopo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90), unificação e fortalecimento do prestígio internacional da Língua Portuguesa (L.P.), é quimérico. Uma alucinação. Só plausível no mundo ficcional das mentes mais ingénuas, crédulas e de apurado romantismo. Se por um lado é quixotesco acreditar na possibilidade de unificar as diferentes variantes da L.P. através de uma normatização ortográfica, por outro, o AO90 arrima-se em critérios e argumentos questionáveis, contraditórios, inconsistentes e ilógicos. Ao mesmo tempo que resulta de uma medida prepotente e antidemocrática do Governo português.

A Língua não é estanque. É viva e evolui moldando-se ao uso, espontâneo, dos seus falantes e escreventes. A evolução imposta pelo AO90 de natural nada tem. É uma evolução artificial, imposta por decreto, que o uso e o hábito ainda não consagraram. A firmação deste acordo revela falta, além de razão, coerência e visão, de bom senso. As diferentes variantes da L.P. distinguem-se não só pela grafia e fonética mas também pelo vocabulário e sintaxe frásica. Diferenças essas a que o AO90 não responde e que qualquer norma ortográfica jamais conseguirá colmatar. Sob a égide da utópica unificação linguística o AO90 mutila e desfigura a ortografia da L.P e, juntamente, todo o valor histórico, cultural e identitário que cada variante encerra.

Admitindo uma pluralidade de casos de dupla grafia, algumas delas inéditas para ambas as variantes, o acordo contraria o fim a que se propõe. Admitindo grafias facultativas o AO90 não unifica, apenas consagra a diferença. As consoantes mudas suprimidas influem no timbre das vogais precedentes, abrindo-as. Caso contrário, "recepção" e "recessão" ler-se-iam do mesmo modo. Por isso, a sua manutenção não se prende com a teimosia lusitana como é referido, ingenuamente, na "Nota Explicativa". A abolição, facultativa ou não, destas consoantes pode desencadear alterações fonéticas nestes vocábulos. Por outro lado, a sua abolição destrói a harmonia gráfica em morfemas lexicais, dificultando o reconhecimento lexical entre formas afins (Ex.: Egi(p)to, Egípcio). A supressão da acentuação entre formas verbais homógrafas do presente e do pretérito perfeito do indicativo aumenta a ambiguidade do texto escrito. As facultatividades e mutilações do AO90 admitem uma multiplicidade de fonéticas e de grafias dentro da mesma variante da Língua, dependente de juízos individuais. Estes fenómenos costuram uma babel na L.P., até então inexistente, que dificulta a sua aprendizagem.

Além dos avultados custos sociais e culturais, o AO90 acarreta também consideráveis custos económicos: substituição de milhões de livros, ferramentas informáticas, documentos, etc., que assim ficam obsoletos, e perda de posição das exportações de edição portuguesa para o mercado brasileiro.

Este acordo foi forjado nas costas dos portugueses, à revelia dos seus interesses. Antes da sua entrada em vigor não só foram ignorados, sistematicamente, os pareceres negativos de inúmeras personalidades da área como não foi requerido nenhum parecer técnico e científico no sentido de mensurar as (des)vantagens, à semelhança do que é feito em tantos outros projectos. Resultado de uma medida precipitada e irreflectida, a entrada em vigor do AO90 constitui uma irresponsabilidade social, política, geoestratégica e económica. Este acordo serve unicamente interesses de índole geopolítica e empresarial, ortogonais aos dos portugueses, pelos quais o nosso erário está a ser saqueado e a nossa Língua prostituída.

Dirijo ao leitor um convite. Convido-o a ler o documento do AO90 e a respectiva "Nota Explicativa". Se não for filólogo ou linguista não se amedronte. Também não o sou. Garanto-lhe que uma modesta dose de bom senso é mais do que suficiente para constatar a incoerência deste acordo. Um autêntico dislate que não assevera qualquer mais-valia.

O AO90 não é inevitável. Através de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos é possível libertarmo-nos dos seus grilhões. Saiba mais em: www.ilcao.cedilha.net.

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