Torne-se perito

Os bons equipamentos não escondem o insucesso e o abandono escolares

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Secundária de Lagoa, concebida para dar bom ambiente e espaço a alunos, professores e funcionários Rui Soares

Em 30 anos de autonomia a rede escolar da região registou progressos invejáveis. Mas há quem pense que a qualidade do ensino ainda deixa muito a desejar

Tudo é vasto e arejado na Secundária de Lagoa. Do recreio exterior ao átrio do edifício, dos corredores amplos às salas luminosas, o imóvel foi concebido para dar espaço e bom ambiente a alunos, professores e pessoal auxiliar desta escola de S. Miguel. Construída há mais de uma década e a necessitar, segundo alguns professores, de obras de reabilitação, esta nem sequer é uma das melhores ou mais modernas unidades do parque escolar. Mas é um espaço agradável e acolhedor que muitas comunidades do continente não desdenhariam ter.

A qualidade das infra-estruturas e equipamentos escolares é uma imagem de marca da região. Desde a institucionalização da autonomia, foram feitos investimentos substanciais numa rede de qualidade, tanto em edifícios como em cobertura geográfica. O resultado está à vista.

"Um dos pontos fortes da educação nos Açores tem a ver com a evolução quantitativa dos níveis de escolaridade no ensino básico", diz Ana Cristina Palos, professora do Departamento da Educação da Universidade dos Açores (UAç), que se dedica desde os anos 90 ao estudo da escolarização na região. A generalização só acontece a partir de 1976, com a taxa de analfabetismo a ser ainda de 22,6%, em 1981. Hoje, a escolaridade no ensino básico ronda os 100% e o mesmo se verifica com a pré-escolarização aos 5 anos. Ambos os valores são superiores aos nacionais.

Quando se fala da qualidade do ensino na região, o caso muda de figura. "A educação em Portugal é péssima, dado que temos os piores indicadores da União Europeia, abaixo dos países do Leste europeu. A situação dos Açores é catastrófica porque é muito pior do que a média nacional", diz Fernando Diogo, sociólogo e professor da UAç. Concorda que a situação na região melhorou muito desde o 25 de Abril de 1974, mas lembra que as opções autonómicas foram dirigidas para as estradas e aeroportos, deixando de lado o sistema de ensino: "O grande problema dos Açores é a qualificação e a formação. É isso que tem verdadeiro impacto no desenvolvimento. Infelizmente, há pouca sensibilidade para a situação ao nível regional e isso é transversal aos políticos, empresários, jornalistas ou analistas. O Governo regional começou a preocupar-se porque agora aparecem pessoas de 30 anos nos centros de emprego que não distinguem uma letra de outra".

Os principais problemas estão claramente identificados. Ana Cristina Palos refere as elevadas taxas de reprovação e desistência do ensino básico, superiores às do continente (em 2005, três em cada 10 alunos açorianos não conseguiam ter sucesso); as baixas taxas de escolarização no secundário, inferiores às de Portugal continental (na última década, apenas cinco em cada 10 o faziam); e o abandono precoce da educação e informação, que considera muito elevado - segundo dados do Instituto Nacional de Estatística relativos a 2010, afectou 55% dos açorianos e 34,3% das açorianas (31,6% e 24,1% no continente).

Fabíola Cardoso, professora de Português da Escola Secundária de Lagoa e ex-directora regional de Educação, destaca os problemas dos resultados. "As escolas dos Açores ficam sempre abaixo da média nacional e situam-se invariavelmente na metade inferior do ranking. Há razões históricas para isso ser assim, mas não explicam tudo." Refere ainda a carga de trabalho burocrático a que os professores da região continuam sujeitos.

Para Ana Cristina Palos, a realidade explica-se por uma conjugação de factores. Um deles é "a desafeição e o desinteresse com que muitos jovens olham o universo escolar". Outro diz respeito aos "contextos sociais e familiares em que não se percepciona a importância da escolarização e do diploma na construção de projectos de vida futura". Finalmente, menciona "os contextos escolares que ainda não encontraram formas coerentes de lidar com a diversidade social dos públicos que chegam às escolas". Em termos práticos, o que sucede é que "as escolas evitam atacar os resultados como cerne da acção educativa", diz Fabíola Cardoso. "Do professor na sala de aula à liderança de escola, toda a gente se acomodou à ideia de que os problemas sociais envolventes justificam o insucesso escolar." A docente defende que "temos de lidar com isso e perceber que o professor e a escola podem fazer a diferença na vida do aluno". Mas a verdade, acrescenta, "é que poucos são os que reflectem sobre o que há a mudar na escola". No limite, conclui, "há que perguntar se ela serve para alguma coisa".

Uma resposta possível é a que dá Álamo Meneses, antigo secretário regional da Educação: "Com uma população em rápida queda devido à evolução demográfica das últimas décadas, um excelente corpo docente e uma boa rede escolar, os Açores têm todas as condições para aproveitarem este tempo de crise para melhorarem o desempenho das suas escolas, o que afinal não custa um cêntimo".

Para Jorge Costa Pereira, deputado regional e porta-voz do PSD para o sector da Educação, o "grande e decisivo desafio" que se coloca é outro: "Harmonizar a inclusão dos alunos na escolaridade obrigatória de 12 anos com a necessidade de exigência e de qualidade das aprendizagens no funcionamento da escola".

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