Torne-se perito

Câmara de Cascais recusa-se a fechar museu com obras de uma pintora do mundo

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A entrada na Casa das Histórias é gratuita, mas a sua administração admite cobrá-la a preços baixos NUNO FERREIRA SANTOS

As fundações D. Luís I e Paula Rego, em Cascais, gerem o centro cultural da vila e a Casa das Histórias construída pelo arquitecto Souto de Moura. Autarcas avisam o Governo que se podem perder apoios privados com uma economia cega

O presidente da Câmara de Cascais manifestou-se ontem contra a extinção de duas fundações no município. O social-democrata Carlos Carreiras considera que a medida, no caso da Fundação Paula Rego, "resultaria numa perda significativa de prestígio internacional e da própria idoneidade do Estado português". O seu antecessor no cargo, António Capucho, salienta que as duas instituições beneficiam de verbas do jogo do Estoril e classifica o processo de avaliação às fundações como mais "um show-off do Governo".

O também social-democrata António Capucho entende que "este Governo fez duas coisas mal": "Avaliou as fundações sem ter alguém da área cultural e publicitou os resultados antes de as entidades se pronunciarem". O actual presidente da Fundação D. Luís I, que renunciou à presidência da autarquia por motivos de saúde, explica que estas duas fundações de Cascais recebem contrapartidas da zona de jogo do Estoril, para fins exclusivamente turísticos e culturais. "O Turismo de Portugal ou o Orçamento do Estado funcionam como meros depositários dessas verbas". A D. Luís I recebeu entre 2008 e 2010 apoios públicos no total de 1,872 milhões de euros. O ex-conselheiro de Estado lamenta que o Governo se esqueça de avaliar "os observatórios e os institutos públicos" e demonstre que "gosta de fazer as coisas em cima do joelho".

"Fazer menos e pior"

O presidente da autarquia, Carlos Carreiras, já deu conta ao Governo da sua "total discordância" na extinção das duas fundações, pois nunca beneficiaram de isenções fiscais ou do Orçamento do Estado. Em comunicado, o autarca frisa que os "apoios públicos decorrem da circunstância de Cascais beneficiar dos efeitos da criação e da extensão da zona de jogo do Estoril". A extinção da D. Luís I, apoiada por mecenato, retira ao município "importantes fluxos de investimento privado na economia da cultura e do património". Se o fim da Fundação Paula Rego afectaria a imagem do país, a extinção das duas fundações, em vez de diminuir o investimento municipal, aumentaria a despesa para "fazer menos e pior" na cultura.

Helena de Freitas, directora da Casa das Histórias, acredita que o Governo vai reconsiderar na extinção da fundação que sustenta o museu de Cascais. "Esta proposta de extinção é grave e põe em causa o compromisso que o Estado assumiu com a artista e com o país. Não podemos dizer, passados três anos, que afinal já não queremos um museu Paula Rego", diz. "Se a fundação desaparecer, o museu fica seriamente em risco e o contrato com a pintora, nomeadamente o de comodato [empréstimo], que serve de base à imagem internacional do museu, corre o risco de cair", explica Helena de Freitas.

Criada em 2009, a Casa das Histórias Paula Rego tem na sua colecção um conjunto de 535 gravuras e desenhos doados pela pintora. A esta doação junta-se, a título de empréstimo, um outro acervo, composto por 206 desenhos e estudos preparatórios de obras executadas nas décadas de 1980 e 90; 15 óleos de Victor Willing, pintor e marido da artista; e, o mais importante, 52 pinturas de Paula Rego, algumas delas obras emblemáticas.

Nesta fase, a directora prefere não referir os custos deste museu, mas garante que gere uma casa com poucas pessoas, em que "todas as gorduras" foram cortadas: "No início, o museu tinha 30 funcionários, hoje tem 14 e um orçamento anual de funcionamento que não chega a um milhão de euros", explica, acrescentando que parte da programação é garantida por parcerias com privados.

Segundo a avaliação da Inspecção-Geral de Finanças, nos três anos a fundação recebeu perto de 1,2 milhões de euros de financiamentos públicos. O seu património (as obras doadas pela pintora) está avaliado em 3,4 milhões. A sua nota é negativa - 40,8% - e a sua dependência de dinheiros públicos chega aos 73,5%. Mas uma fonte municipal aponta para "um erro material" na avaliação da Fundação Paula Rego, no capítulo do "fundamento para manutenção dos apoios financeiros públicos", que parece não ser levado em conta na ponderação de eficácia (30% da avaliação).

Para minimizar os custos de funcionamento da Casa das Histórias, uma das soluções poderia ser cobrar bilhetes, possibilidade que Helena de Freitas não afasta. "Acho que, se os preços não fossem muito elevados, as pessoas aceitariam sem problemas. Sobretudo se isso ajudar a manter o museu aberto."

O PÚBLICO tentou contactar a pintora, através da sua galeria em Londres, sem sucesso. Em Janeiro, Paula Rego, citada pela Lusa, alertava em Paris para "a falta de dinheiro para manter o museu como deve ser", mas mostrava-se contente com a Casa das Histórias. A Secretaria de Estado da Cultura (SEC), através do adjunto para a comunicação, escusa-se a comentar "caso a caso as fundações enquanto decorre a avaliação", mas confirma que nunca contribuiu "financeiramente para a fundação [Paula Rego] e que a mesma não se inclui na lista das fundações que têm a SEC como tutela", embora integre o conselho de fundadores.

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