Casa-Museu João da Silva em progressiva degradação

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As artes, a história e a pequena história, a literatura e a política revivem em casas-museus de Lisboa (e outros pontos do país) que, nesta quadra do ano, atraem muitos visitantes portugueses e estrangeiros. Todavia, nas casas-museus inscritas nos roteiros da cidade existe - pelo menos - uma, a Casa-Museu João da Silva, que se encontra encerrada há oito anos e sem os mais elementares requisitos de prevenção e segurança. Situada entre a Escola Politécnica e o Largo do Rato, numa moradia onde João da Silva (1880-1960) residiu e tinha atelier, possui um diversificado acervo, no qual se evidenciam peças notáveis de medalhística e numismática, que mobilizam a curiosidade, o interesse e o estudo de um público especial e cada vez mais numeroso.

Artista que se distinguiu, a nível nacional e internacional, na área da medalhística, João Silva era, fundamentalmente, um clássico que alcançara o apreço das academias e outros órgãos institucionais. Não admira, portanto, que, no auge da intervenção modernista, a ferocidade satírica de Almada Negreiros, no Manifesto Anti Dantas, também abrangesse João da Silva. Atingiu-o pela orientação estética e, sobretudo, por ter realizado uma peça de arte para homenagear Afonso Costa.

Para além do trabalho profissional, única fonte de rendimento, João da Silva foi, desde sempre, militante político: republicano para combater e extinguir a Monarquia; republicano, da ala mais avançada, na República; republicano indefectível durante a resistência à ditadura. Esta componente do seu percurso permitiu-lhe contactar, de perto, com grandes figuras da República e dos movimentos antifascistas. (Era cunhado de António Sérgio e frequentador assíduo da sua tertúlia.) Com muitos deles esteve preso nos cárceres da PIDE e desterrado no Castelo de Angra do Heroísmo. Daí, a casa-museu integrar na sua biblioteca cartas, fotografias, panfletos, imprensa clandestina e outros documentos políticos. Recorde-se que João da Silva fez ilustrações e cartazes para o MUD, para a campanha presidencial de Norton de Matos e outros acontecimentos da oposição democrática.

Por disposição testamentária, a Casa-Museu João da Silva pertence à Sociedade Nacional de Belas-Artes. Contudo, devido a um conjunto de circunstâncias insólitas, a Sociedade Nacional de Belas-Artes não chegou a tomar posse do legado. Existem processos pendentes em tribunais de Lisboa, que requerem urgente deferimento, antes que surja uma qualquer prescrição.

Com mais um Outono e mais outro Inverno, com os efeitos da chuva e da humidade, vai intensificar-se a progressiva degradação de uma casa fechada pelas autoridades judiciais. A situação tem sido várias vezes denunciada em instâncias oficiais. Insistimos no apelo lançado desde a Assembleia da República à Academia Nacional de Belas-Artes. Continuam em risco milhares de peças valiosíssimas - além de medalhas e moedas, jóias, porcelanas, pinturas, desenhos, gravuras e esculturas - e, ainda, milhares de livros e manuscritos de reconhecido interesse bibliográfico e histórico. Tudo isto sem alarmes contra o roubo e contra o fogo.

Apesar da profunda crise que vivemos, a Câmara Municipal de Lisboa manifestou, recentemente, empenho na valorização e redescoberta dos espaços museológicos. Se é decisiva a resolução judicial dos processos que se arrastam, há oito anos, para definir o futuro da Casa-Museu João da Silva, não menos significativo será o contributo da Câmara de Lisboa, que dispõe de recursos jurídicos, operacionais e financeiros, que faltam à Sociedade Nacional de Belas-Artes, para salvaguardar - enquanto é tempo... - um património de incontestável valor cultural e cívico.

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