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Tribunal absolveu arguidos mas pediu que Sócrates seja investigado

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Manuel Pedro e Charles Smith ontem no Tribunal do Barreiro: ilibados, declarou o colectivo de juízes Rui Gaudencio

A sentença foi a esperada: os arguidos não cometeram o crime de que foram acusados. Menos esperada era a decisão de pedir que Sócrates seja investigado. O seu advogado já disse que é "lamentável"

O colectivo de juízes que julgou o caso Freeport absolveu ontem, no Tribunal do Barreiro, os arguidos Manuel Pedro e Charles Smith da prática do crime de tentativa de extorsão contra os promotores do centro comercial Freeport. Simultaneamente, ordenou a extracção de uma certidão do processo com vista à investigação dos indícios, reforçados no julgamento, de que José Sócrates recebeu dinheiro para que o empreendimento fosse autorizado, quando era ministro do Ambiente.

De acordo com os juízes, este é um processo "sui generis", cheio de "peculiaridades" e no qual "nada é linear", tendo o tribunal sido confrontado com uma "situação anómala e invulgar". Ao longo das cerca de três horas que durou a leitura parcial do extenso acórdão - a um ritmo tão rápido que impediu a tomada de notas pormenorizadas por parte dos jornalistas -, o juiz presidente, Afonso Andrade, referiu-se várias vezes às "anomalias" deste processo e da sua investigação.

Para fundamentar esta leitura, sublinhou que "a esmagadora maioria dos factos apontados pelo Ministério Público é incontroversa" e que eles são dados como "verdadeiros" por todas as partes. O que está em causa é apenas "a interpretação a dar a factos incontroversos".

Já a investigação do Ministério Público foi alvo de severas críticas, ainda que indirectas, pelo juiz. Não só devido à demora verificada nas averiguações, que duraram cerca de sete anos, mas, sobretudo, devido ao facto de os indícios referentes ao papel que Sócrates teve no caso não terem sido aprofundados. Neste aspecto, visou claramente a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Cândida Almeida, por não ter autorizado os procuradores responsáveis pelo inquérito, Vitor Magalhães e Paes de Faria, a ouvir o ex-ministro do Ambiente e o seu secretário de Estado Silva Pereira. A directora "ignorou" o pedido, "foi como se não tivesse existido", frisam os juízes.

Analisando demoradamente os testemunhos prestados nas audiências e aferindo em detalhe a credibilidade que atribuiu a uns e a outros, o tribunal não teve dúvidas em concluir pela "total improcedência" da acusação do Ministério Público contra Manuel Pedro e Charles Smith.

No final, o juiz presidente disse mesmo que não só não foi provado que os arguidos tivessem tentado extorquir dinheiro aos promotores do Freeport, para quem trabalhavam como consultores através da sua empresa Smith & Pedro, como foi provado que não o fizeram. Da sentença ressalta a ideia de que o pedido de dois milhões de libras, dirigido à Freeport em Dezembro de 2001 para que fosse conseguida a aprovação do empreendimento, não foi da iniciativa dos arguidos, como sustentava a acusação, mas sim de alguém do escritório de advogados de Albertino Antunes.

Acusação "sem sentido"

Reportando-se globalmente ao processo, a decisão judicial sustenta que "a acusação do Ministério Público não faz qualquer sentido", do mesmo modo que não fazem qualquer sentido "as explicações dos arguidos" para muitas das dúvidas que continuam por esclarecer.

Entre estas avultam as que se prendem com o significado a atribuir a diversos e-mails trocados entre Smith e a Freeport e com a identidade de figuras como "Pinóquio", "Gordo" ou "Bernardo", ou com alguns movimentos das contas bancárias de Charles Smith. Em todo o caso, o tribunal deu como certo que "Pinóquio", o personagem a quem se destinariam pagamentos considerados suspeitos pelos investigadores, e que pelo menos uma testemunha disse ser Sócrates, não era o contabilista da Smith & Pedro, ao contrário do que sempre alegou o arguido escocês.

Grandes dúvidas ficaram também sobre o destino dos levantamentos em numerário, no valor total de 229 mil euros, efectuados nas contas deste, com saídas mensais de montantes redondos - como 3000, 4000 ou 5000 euros -, sobretudo no ano de 2002, o da aprovação do Ministério do Ambiente.

Pagamentos por esclarecer

Foi neste quadro, atendendo aos "fortes indícios", surgidos ou reforçados no julgamento, de que foram feitos pagamentos a pessoas com altas responsabilidades no Ministério do Ambiente, que os juízes decidiram remeter ao Ministério Público uma certidão para que esses pagamentos sejam investigados.

Depois de enunciar com abundantes detalhes os motivos que levaram o tribunal a credibilizar os testemunhos que referiram os pagamentos alegadamente feitos a Sócrates - entre eles o de Alan Perkins, ex-administrador do Freeport que não tinha sido ouvido pelo Ministério Público durante o inquérito, João Ferreira do Amaral, advogado e amigo de Manuel Pedro, e Mónica Mendes, antiga empregada da Smith & Pedro -, o acórdão justifica a iniciativa declarando "insustentável" que se mantenham por mais tempo "suspeitas" sobre uma pessoa que exerceu o cargo de primeiro-ministro de Portugal. O Ministério Público deverá agora apreciar o pedido dos juízes e decidir se manda abrir uma nova investigação visando Sócrates, ou se reabre o inquérito do DCIAP.

Em Julho de 2010, ao fim de quase sete anos de investigação, o Ministério Público arquivou as suspeitas de que os sete arguidos iniciais tivessem praticado os crimes de corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais ou financiamento partidário ilegal para conseguir a aprovação do Freeport, acusando apenas Charles Smith e Manuel Pedro de tentativa de extorsão. José Sócrates nunca foi constituído arguido nem ouvido no processo.

Reagindo ao pedido de investigação do ex-primeiro-ministro, o seu advogado, Proença de Carvalho, emitiu ontem uma nota onde "lamenta" a decisão dos juízes e afirma que já "tudo foi longamente investigado, mais do que uma vez, em Portugal e em Inglaterra". O texto acrescenta que "os processos não podem ser eternos, mantendo o bom nome das pessoas, indefinidamente, sob uma suspeição intolerável".

O advogado afirma que "todas as insinuações, suspeitas e acusações caluniosas lançadas contra o Eng. Sócrates foram arquivadas", frisando que "nada se apurou porque nada de ilícito havia para apurar, a não ser, como reconheceu em julgamento o próprio Ministério Público, a "gabarolice" das declarações infundadas de algumas pessoas, que deram lugar a rumores falsos e a maldosos e persistentes aproveitamentos políticos".

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