Rússia classifica ONG como "agentes estrangeiros"

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A câmara baixa do Parlamento russo aprovou ontem a nova lei SERGEI KARPUKHIN/REUTERS

Nova legislação usa linguagem e estratégias da era soviética para controlar acção das organizações não governamentais

A câmara baixa do Parlamento russo deu ontem luz verde a uma controversa lei que fecha o cerco sobre as organizações não governamentais (ONG) que desenvolvem actividades políticas com fundos oriundos do estrangeiro: obriga-as a identificarem-se como "agentes estrangeiros". A medida é classificada pela oposição e activistas como evocativa dos métodos usados pela polícia secreta soviética.

Aprovada em segunda leitura com 374 votos, apenas três contra e uma abstenção, a nova lei tinha regressado à câmara após uma série de emendas submetidas pelo Presidente, Vladimir Putin, para criar algumas excepções. Desde logo, as organizações religiosas, incluindo a Igreja Ortodoxa russa, expressa apoiante do regime, e ainda as ONG a elas ligadas, assim como as empresas estatais e os organismos nacionais e municipais financiados pelo Estado.

Com esta nova lei, as ONG com actividade política e financiamento exterior ficam obrigadas a apresentar relatórios bianuais e a ser objecto de auditorias todos os anos, sob pena de multa até 300 mil rublos (cerca de 9000 euros) e ainda penas de quatro anos de prisão para os seus dirigentes. Passam também a ter de se registar como "agentes estrangeiros" no Ministério da Justiça e a apresentarem-se dessa forma em todas as suas comunicações, incluindo cartas e panfletos.

"A expressão é a que era usada contra os dissidentes na era soviética. E é também usada por outros regimes autoritários contra quem tem opiniões diferentes. É uma forma de expulsar as pessoas e as ideias que [as autoridades] não querem. A etiqueta de "agente estrangeiro" é quanto basta para os calar", criticou o secretário-geral do Conselho da Europa, Thorbjorn Jagland, à agência noticiosa russa Ria Novosti.

Além dos previstos votos a favor do Rússia Unida, que tem maioria absoluta na câmara, com 238 dos 450 assentos, a lei foi ainda aprovada pelo Partido Liberal Democrata (populista) e pelo Partido Comunista - que está na oposição ao Kremlin mas que, aqui, alinhou em sintonia, declarando-se contra "toda a ingerência" estrangeira.

"É mais uma iniciativa que visa desacreditar a sociedade civil e virar os cidadãos uns contra os outros", denunciou o deputado Ilia Ponomarev, do partido Rússia Justa (centro-esquerda), que votou contra a legislação. O próprio Conselho de Direitos Humanos do Kremlin "chumbou" esta lei. Para a oposição, esta legislação - a par do agravamento das penas de difamação de figuras de Estado, também ontem aprovado - tem o objectivo de "suprimir a dissidência, todo o tipo de opiniões diferentes do regime".

E a mais antiga organização de direitos humanos russa, o moscovita Grupo de Helsínquia, presidido pela influente activista Liudmila Alexeieva, avisou já que preferia fechar os seus escritórios a manter-se em funcionamento sob a nova legislação.

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