Na Graham"s, a hora é de Porto Tawny

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A Graham"s, uma das marcas históricas do vinho do Porto, deve muito do seu prestígio ao Porto Vintage. Mas nas caves da empresa há milhares de cascos com tawnies velhos formidáveis que começam agora a ser lançados no mercado.

Peter Symington, o "senhor nariz", uma lenda viva na arte do blending no vinho do Porto (elaboração de um vinho a partir de lotes diferentes), fez uma pausa na reforma e regressou no passado dia 26 a Gaia para, ao lado do filho e sucessor, Charles Symington, participar numa exaltante e didáctica prova de tawnies velhos da Graham"s. Foi um encontro de gerações que mostrou a importância do tempo no mundo do vinho do Porto, a importância de saber esperar pela evolução dos vinhos e de os adaptar a cada contexto histórico.

Um vinho que nasce apenas como uma boa promessa pode vir a revelar-se ao fim de muitos anos como algo de grandioso e único e tornar-se num objecto apetecível e caro. O extraordinário Porto Colheita 1952 que a Graham"s lançou recentemente para assinalar a celebração das bodas de diamante da rainha de Inglaterra, Isabel II, é um desses vinhos raros, capaz de fazer mais pela imagem do vinho do Porto no Reino Unido do que muitas campanhas de publicidade juntas. Cada garrafa custa 330 euros, mas todas as gotas valem bem o que custam.

Para além da sua qualidade intrínseca, manter armazenado durante tanto tempo um vinho destes tem custos elevados, associados não só à sua guarda e acompanhamento mas também às perdas por evaporação que vai sofrendo, a chamada quota dos anjos. Só para se ter uma ideia do que estamos a falar, um Tawny 40 anos sofre perdas de 64% até ser engarrafado.

Agora imagine-se o que custa guardar um vinho como o Graham"s 1882, que também foi dado a provar e do qual ainda existem três pipas em cave. Um vinho desta idade já não é bem um vinho, é mais essência, licor, xarope, uma base extraordinária para dar espessura e complexidade a vinhos mais novos. Tem uma enorme riqueza e concentração, mas já lhe falta frescura, essa irreverência acidulada que se encontra, por exemplo, no Graham"s 1952 ou no igualmente soberbo Colheita 1969, que também acaba de ser lançado (220 euros).

Desde que, em 1970, compraram a Graham"s, empresa fundada em 1820 pelos irmãos William e John Graham, os Symington só colocaram no mercado três Porto Colheita: 1952, 1962 e 1969. Peter Symington lembra-se bem deste último vinho. Elaborado na vindima anterior, vislumbrou-lhe nos anos seguintes qualidades especiais que levaram a empresa a colocá-lo num lote para guarda. Ao prová-lo de novo tantos anos depois, Peter viveu a emoção própria de quem se dispõe a esperar décadas pela evolução de um vinho. "Vale a pena continuar a fazer vinhos destes para serem bebidos daqui a muitos anos", disse, reafirmando a sua confiança no futuro do vinho do Porto.

Embora o sector tenha registado perdas de 10% na última década, o equivalente a uma diminuição de receita da ordem dos 140 milhões de euros, os Symington continuam a investir, contrariando a conjuntura económica. Recentemente, o grupo comprou mais uma propriedade no Douro, a Quinta do Síbio, perto do Tua, com 19 hectares de vinha e 29 hectares de olival. Com esta compra, a família Symington passa a ser proprietária de 27 quintas no Douro e de perto de mil hectares de vinha.

A arte do lote

A Quinta do Síbio é contígua à Quinta dos Malvedos, um dos berços da Graham"s, empresa que procura agora relançar os seus Porto Tawny com um perfil mais adequado às tendências actuais de consumo, penalizadores para os vinhos muito alcoólicos. Charles Symington está a procurar fazer tawnies com mais acidez, para os tornar mais frescos, apelativos e fáceis de beber.

A renovação da gama tawny da Graham"s anda a par com a remodelação das caves da empresa em Gaia, onde repousam cerca de 3500 pipas e tonéis com vinhos velhos (1,93 milhões de litros). As obras em curso incluem a construção de uma nova recepção, de um museu, de salas de projecção de vídeos e de provas e de um restaurante com uma vista prodigiosa sobre o Douro e o centro histórico do Porto e de Gaia. O espaço está a ser renovado para acolher ainda mais visitantes do que os actuais 50 mil turistas que já passam anualmente por lá, embora a principal função das caves seja o envelhecimento dos vinhos.

Seguir a sua evolução e decidir o destino a dar a cada um deles é a grande tarefa que está reservada a Charles Symington, o mestre provador do grupo. Ao contrário de um Porto Vintage, que é feito na vinha e depois no lagar, continuando, ao final do segundo ano, a sua evolução em garrafa sem qualquer intervenção humana, o Porto Tawny é um vinho "com assinatura", como sublinhava Paul Symington. É um vinho que evolui em casco mas que é "feito" na sala de provas, onde é realizado o lote final. A arte do lote é a grande arte do vinho do Porto. Na Symington, o mérito sobre os vinhos que acabam no mercado é também atribuído ao chefe de armazém e aos tanoeiros (que reparam os velhos e insubstituíveis tonéis e pipas onde são guardados os vinhos), os quais assinam também a nova colecção de vinhos Tawny da Graham"s: The Tawny, 10 anos, 20 anos, 30 anos e 40 anos. Mesmo já reformado, Peter Symington ainda assina o Tawny 40 anos (105 euros), que começou a ser criado por si. Um vinho enorme, com um grande aroma e uma prova de boca admirável, seca e fresca, e onde sobressai o toque de vinagrinho tão típico dos vinhos velhos.

Os restantes contam já com o dedo e o nariz do filho e são igualmente notáveis, em especial o 30 anos. Perfumado, concentrado e rico, é a mais pura expressão de um tawny, com as suas características notas de frutos secos, doçura de mel e final de boca longo e vibrante. Um bom exemplo dos efeitos da madeira na evolução do vinho do Porto. Um Porto Vintage, como o fantástico Graham"s 1966 que se provou ao almoço, pode levar-nos às nuvens. Mas os grandes vinhos do Porto, os que nos deixam memórias inapagáveis, são, pelo menos para nós, aqueles que envelhecem lentamente na sombra e na fresquidão das caves em pipas e tonéis já avinhados por muitos vinhos, na mais antiga tradição duriense.

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