Colete Encarnado completa 80 anos de homenagem ao campino

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Outro motivo das festas são os 30 anos do monumento ao campino, de Soares Branco PEDRO CUNHA

Os toiros são as vedetas incontornáveis - ou de preferência contornáveis - nas festas de Vila Franca, mas não se esgotam aqui. As tradições do campo, em que a figura de proa é o campino, são o grande mote

A maior festa tradicional de Vila Franca de Xira completa 80 anos de existência e, de ontem até domingo, aguardam-se mais de cem mil visitantes nesta cidade ribeirinha do Tejo. As esperas (entradas de toiros conduzidos por campinos nas ruas da cidade), as largadas, as corridas de toiros e a oferta de cerca de 2500 quilos de sardinha assada são as principais imagens de marca do Colete Encarnado, uma festa lançada em 1932 para ajudar os bombeiros locais que se transformou rapidamente num emblema de Vila Franca. A dureza das largadas de toiros, que chegavam a provocar colhidas mortais, correu mundo.

Hoje, a festa é bastante mais segura, ainda origina casos de ferimentos com alguma gravidade, mas já há vários anos que não ocorrem colhidas mortais. E a festa do Colete Encarnado é bastante mais do que isso, centrada nas tradições do campo e na etnografia regional, com destaque para a figura do campino (homem que guarda o gado na Lezíria a cavalo), que é anualmente homenageado. As tertúlias tauromáquicas (41 espalhadas por todos os cantos da cidade) são outra das faces originais da festa. São casas ligadas às tradições taurinas da região, normalmente com importantes espólios culturais reunidos ao longo dos anos, que nestes dias abrem as portas aos visitantes e, para além, do convívio, oferecem-lhes uma sardinha assada e um copo.

Estes 80 anos do Colete Encarnado ficam, também, marcados por outras duas efemérides importantes, porque o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca completa também em 2012 os seus 80 anos. E o monumento ao campino, talvez o mais emblemático da cidade, criado pelo escultor Soares Branco, completa igualmente neste mês de Julho os seus 30 anos de existência. Por tudo isto, a Câmara de Vila Franca de Xira, entidade organizadora, resolveu, apesar da crise, não reduzir os gastos, que serão superiores a 300 mil euros, considerando que o investimento tem retorno em termos de imagem da cidade e do concelho e no aumento das vendas do comércio local.

"Todos sabemos que as dificuldades são grandes e mesmo para aqueles municípios, como Vila Franca, que não têm dívidas, essas regras (limitação de despesas) são impostas", diz a presidente da câmara, Maria da Luz Rosinha, frisando que, mesmo assim, o município entendeu manter este Colete Encarnado com um programa "em tudo semelhante" aos dos anos anteriores. "Praticamente não cortámos nenhuma despesa e o Colete Encarnado vai ter o mesmo brilho. Sendo a nossa festa maior, merece o investimento. Seguramente, vai ser uma grande festa", sustenta.

Campino teme futuro

Anualmente desfilam no Colete Encarnado cerca de 50 campinos, que participam também nas provas de destreza e demonstrações realizadas na praça de toiros. Desta vez, o homenageado será Vítor Guerreiro da Silva, um campino de 64 anos, natural de Benavente, que trabalha na Companhia das Lezírias. Vincando que se considera um campino "à moda antiga" que gosta de fazer tudo a "preceito", Vítor "Japão", como é conhecido, reconhece que são já poucos os que guardam gado a cavalo na Lezíria e que a grande maioria já só trabalha nos tractores e veste, depois, o colete encarnado e o barrete verde para participar em festas como a de Vila Franca.

"Os campinos que temos agora aí, a maior parte já não são campinos. A andar no dia-a-dia a cavalo como eu já são poucos. Acabando esta geração de campinos mais velhos, isto é capaz de morrer um bocado. A vida vai ser diferente", avisa.

Já os vila-franquenses continuam a apreciar a festa e esta "entrada" do campo na cidade. Chega a haver quem defenda alguma modernização e até a instalação de ecrãs gigantes para que as pessoas vejam melhor as largadas de toiros, mas a maioria parece preferir o modelo tradicional. "Acho que o que tem de bom a tradição deve ser preservado. E deveriam voltar até às tradições mais antigas, como as charretes, a condução de cabrestos e os jogos de campinos", defende Nélson Lima, da tertúlia "O Aficionado". Também Ricardo Castelo, cabo (líder) do Grupo de Forcados de Vila Franca, entende que o Colete Encarnado está bem assim. "É uma tradição para continuar. É uma festa que não pode acabar, uma festa bonita onde as pessoas têm o direito de se divertirem. Acho que este modelo, apesar de ser antigo, adapta-se bem às modernidades de hoje em dia", afirma.

No mesmo sentido vai a opinião de João Borges, maestro reformado e fadista amador que canta na festa há décadas. Defende apenas mais algum relevo para os fadistas locais porque, de resto, acha que a festa tem evoluído. Mudanças só, talvez, com melhoria dos espaços das largadas de toiros. Já Tânia Teixeira, jovem cabeleireira, de 25 anos, assume a paixão pelo Colete Encarnado e só lamenta que, nos últimos anos, a câmara tenha imposto regras para limitar o horário da festa até às 2h da manhã. "A polícia obriga a fechar tudo. As pessoas revoltam-se com isso, acho que deviam deixar as tertúlias abertas pelo menos até às 4h", sustenta.

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