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A história e histórias de discriminação das mulheres na política portuguesa

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Com a lei da paridade melhorou o equilíbrio entre mulheres e homens na Assembleia, mas neste estudo, Maria de Belém Roseira, Ofélia Moleiro e Heloísa Apolónia falam de situações de discriminação pedro cunha

São depoimentos de dezoito deputadas e deputados e servem para estabelecer o perfil de como ainda é forte o sexismo na política. Um estudo sobre o que é a paridade e como ela está na política portuguesa

A deputada do PS Maria de Belém Roseira confessa que "só se sentiu discriminada depois de ter entrado na política", no seu depoimento feito para a tese de doutoramento de Maria Helena Santos, agora publicada sob o título Do défice de cidadania à paridade política e lançada pelas Edições Afrontamento.

Nesse testemunho, Maria de Belém Roseira, hoje ainda deputada e também presidente do PS, lembra as suas passagens pelos governos de António Guterres como ministra da Igualdade e como ministra da Saúde para sustentar que "a visibilidade de uma mulher na política serve para ela ser mais questionada do que qualquer homem no mesmo lugar". E defende que "são frequentes os episódios em que, se houver determinadas afirmações produzidas por um homem, não acontece nada, mesmo do ponto de vista do escrutínio da comunicação social, mas se forem produzidas por uma mulher, aqui d"el rei que é uma desgraça". Para concluir que "as pessoas pensam que só há um modelo para entrar e para se fazer política", quando "há vários modelos, tantos quanto as pessoas que os desempenham" (p.173).

Maria de Belém Roseira é uma das dezoito deputadas e deputados que Maria Helena Santos ouviu, em longos depoimentos que abrangem diversos planos de abordagem do que é a desigualdade por sexos na sociedade e na política portuguesa. Isto, além de falarem também da sua experiência pessoal na política.

Com prefácio de Lígia Amâncio, este estudo elaborado depois da entrada em vigor da lei da paridade, aprovada em 2006, que impõe quotas de 33 por cento para as mulheres nas listas eleitorais.

Pondo o acento tónico no muito que há para fazer sobre igualdade entre mulheres e homens na sociedade portuguesa, Lígia Amancio afirma: "Num país onde (...) a igualdade se considera assunto arrumado desde que, alguém por elas, a verteu na lei, fez caminho a ideia de que elas lá chegarão, como a todo o lado, por mérito próprio e graças às suas qualificações." Isto, para concluir: "Curiosa exigência suplementar que se lhes aplica sem pudor, esquecendo além disso que (...) o juízo do mérito não está imune às representações e género" (p. 11-12).

Nesta obra surge de forma sistematizada e de fácil leitura o percurso histórico do que tem sido, a nível mundial, a luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens, em particular a luta pela paridade. E explica também de forma acessível o que tem sido a assunção de medidas de discriminação positiva para combater a desigualdade entre sexos na política.

Além de Maria de Belém Roseira, o livro recolhe depoimentos de Ana Catarina Mendonça Mendes, Ana Manso, António José Seguro, Fernando Negrão, Francisco Louçã, Francisco Madeira Lopes, Helena Pinto, Heloísa Apolónia, João Oliveira, José Manuel Ribeiro, Luísa Mesquita, Maria Ofélia Moleiro, Maria do Rosário Carneiro, Mariana Aiveca, Miguel Tiago, Teresa Caeiro e Vítor Ramalho.

Em relação à hipótese de alguma vez se terem sentido pessoalmente discriminadas ou discriminados, nenhum deputado respondeu afirmativamente e das mulheres apenas quatro o fizeram: Maria de Belém Roseira, do PS, Maria Ofélia Moleiro, do PSD, Helena Pinto, do BE, e Heloísa Apolónia, de Os Verdes.

Maria Ofélia Moleiro, deputada pelo PSD entre 1999 e 2009, afirma que, "apesar de nunca ter sido discriminada directa e individualmente, considera que já foi discriminada a nível social, porque pensa que se fosse homem, provavelmente, teria sido diferente". Sustenta que "vê homens no seu distrito [Leiria], por exemplo, que considera muito menos cultos e com muito menos capacidades do que ela, a exercerem actividades muito mais importantes, ou, então, a exercerem-nas antes dela". E conclui que "uma mulher, para ter um cargo qualquer, tem que demonstrar que é superinteligente e superculta, mas um homem, em qualquer terra, é facilmente convidado (p.184).

Já a deputada do Verdes Heloísa Apolónia conta uma história passada consigo que é paradigmática do muito que há a fazer na política portuguesa e de como a existência de uma lei da paridade é apenas um degrau numa longa subida. Neste domínio, Heloísa Apolónia começa por afirmar que, "discriminada por ser mulher só se sentiu em razão das suas necessidades da maternidade". Relatando, de seguida, uma situação de discriminação sexista por si vivida no Parlamento e no seio de uma reunião de uma comissão parlamentar. "Uma vez numa comissão, [aconteceu-me] ter que ir buscar os miúdos à escola e de a comissão se prolongar", conta Maria Helena dos Santos sobre Heloísa Apolónia, para, prosseguindo o relato, acrescentar: "E, então, sabendo que não estava a pedir nada de absurdo, até porque já vira essa prática noutras comissões, e tendo já deixado expressa a posição do seu grupo parlamentar sobre a proposta em discussão, pediu ao presidente da comissão para lhe permitir que o seu voto ficasse firmado na altura, antes de sair. Desta forma, só não estaria presente no momento da votação. Todas as pessoas aceitaram menos o presidente."

A investigadora conta de seguida que Heloísa Apolónia se lembra "perfeitamente de ter ficado irritadíssima e de ter decidido que iria buscar os filhos à escola, iria deixá-los no gabinete e voltaria a correr, esperando ainda chegar a tempo da votação". E que a deputada se recorda que "o que se seguiu foi digno de um filme de Hollywood". Rematando: "Quando voltou à comissão, estava o presidente a dizer "quem vota contra?" E levantou a mão na Assembleia ainda a entrar a porta. E só ouvia dizer "mas que grande sorte!"" (p.126).

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