Rafael, tardio e genial, chega hoje ao Museu do Prado

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A Visão de Ezequiel (1516-17) e o retrato de Bindo Altovitti (1516-18) são duas das telas presentes na exposição, que vai até 16 de Setembro DR

A exposição no Museu do Prado é uma oportunidade única para ver obras da última fase da vida do pintor, dos anos em que trabalhou em Roma e se tornou um dos nomes grandes do Renascimento

El último Rafael, o nome da exposição que hoje se inaugura no Museu do Prado, em Madrid (onde pode ser vista até 16 de Setembro), poderia levar-nos a pensar que se trata de uma mostra das últimas obras de uma fase já tardia, em que Rafael, um dos maiores pintores do Renascimento italiano, teria uma idade avançada e um estilo marcado por isso. Mas não poderíamos estar mais equivocados. A exposição cobre, de facto, o último período do trabalho de Rafael (1483-1520), mas o pintor morreu aos 37 anos, em Roma, no auge da sua criatividade.

Morreu, diz-se, de excesso de sexo, vítima de febre que surgiu depois de uma noite com a sua amante, "La Fornarina". Mas esta pode ser apenas mais uma leitura exageradamente romântica da vida de Rafael. Como a história contada por Antonio Forcellino na biografia Rafael: Uma vida feliz, e agora recordada no jornal El País, segundo a qual, na altura da morte do pintor, abriu-se uma brecha no Vaticano, cujas salas ele pintara.

Não há dúvidas de que Rafael era muito admirado e há até quem veja no momento da sua morte o início do fim do Renascimento. Mas estamos longe da imagem do artista pobre e atormentado ao estilo de Caravaggio. "É um pintor cortesão, que vive num grande palácio, ganha rios de dinheiro e tem amigos entre a elite", explica Joaquim Caetano, conservador do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa.

A sua ascensão foi muito rápida. A exposição do Prado debruça-se precisamente sobre os últimos sete anos da vida do artista, que morreu em Roma, a sua cidade adoptiva, em 1520. Natural de Urbino, Rafael já se tinha distinguido na sua cidade natal pela qualidade do seu trabalho. Terá sido isso, aliás, que despertou a atenção do Papa Júlio II, numa altura em que o Vaticano procurava jovens talentos em várias zonas de Itália e até do Norte da Europa.

Rafael chegou a Roma com os outros artistas, e foi-lhe confiada a sala de leitura do Papa, a Stanza della Segnatura, contam no catálogo os dois comissários da exposição, os historiadores de arte Tom Henry e Paul Joannides. "Em relativamente pouco tempo, ele estabeleceu a sua superioridade em relação aos outros pintores". O Papa ficou tão impressionado com o trabalho na Stanza della Segnatura que, "um após o outro, os seus rivais e colaboradores foram afastados, muito do que eles tinham feito foi destruído e Rafael continuou praticamente sem ajudas".

Rival de Miguel Ângelo?

Enquanto Rafael trabalhava na Stanza, Miguel Ângelo finalizava o tecto da Capela Sistina, o que terá influenciado o trabalho posterior do pintor de Urbino nas outras salas do palácio papal. Mas parece haver também mais de mito do que de realidade na suposta rivalidade entre os dois.

De Júlio II, Rafael pintou um célebre retrato que os dois comissários descrevem como "excepcionalmente inovador" - uma imagem que é ao mesmo tempo, nas palavras de Joaquim Caetano, "a do poder numa cadeira e da cadeira do poder". O conservador do MNAA recorda outro retrato, do Papa que sucedeu a Júlio II, Leão X (Giovanni de Medici), em que este é representado com dois cardeais, e que, com "perfídia", nos leva a ver "a corte como intriga".

Rafael chegou a recear que Leão X o afastasse, favorecendo artistas da sua terra natal, Florença, nomeadamente Miguel Ângelo. Mas, contam ainda Henry e Joannides, "Leão achava difícil lidar com Miguel Ângelo", e por isso deu todo o seu apoio a Rafael, que teve com ele uma liberdade de criação como nunca tivera antes.

A exposição no Prado, patrocinada pela Fundação AXA e organizada em parceria com o Museu do Louvre (onde será exibida entre Outubro deste ano e Janeiro de 2013), reúne 40 pinturas e 30 desenhos e, sublinha o El País, é "uma ocasião única para contemplar um grande número de jóias provenientes de duas das melhores colecções do artista existentes no mundo". É também uma oportunidade para olhar com atenção para os tais "últimos anos" de Rafael, que foram vistos com alguma desconfiança, sobretudo pelos estudiosos do século XIX, que achavam que o artista aceitava comissões a mais, "traindo os ideais do princípio da sua carreira", explica o El País, e entregando a execução das obras às mãos dos colaboradores do seu atelier. Na altura da sua morte, este atelier empregava já cerca de 50 pessoas, entre as quais alguns nomes que se viriam a destacar, como Giulio Romano e Gianfrancesco Penni.

As obras mostradas no Prado incluem pinturas de altar, representações da Sagrada Família, Madonnas e outros retratos. Mas é impossível mostrar em Madrid os seus trabalhos mais importantes - os frescos, sobretudo os do Vaticano.

Também não está na capital espanhola A Transfiguração, que Rafael estava a pintar quando morreu. "A contemplação desta obra leva-nos a perguntar o que teria acontecido se Rafael tivesse vivido mais 40 anos", diz Miguel Falomir, o coordenador científico da exposição, citado pela agência espanhola Efe.

Mas, afinal, o que distinguia Rafael de outros grandes génios contemporâneos, como Miguel Ângelo ou Leonardo? Para Joaquim Caetano, há um aspecto essencial na arte de Rafael: ele "cria o princípio do belo ideal", ou seja, "a ideia de que a beleza pode ser um conceito abstracto, que pode existir independente da natureza".

O corpo de Rafael está no Panteão de Roma. Sobre o túmulo, tem o seu último quadro, A Transfiguração, e uma frase do poeta Pietro Bembo: "Quando era vivo, a natureza temia ser vencida por ele, e quando morreu, ela temeu morrer com ele".

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