The Walkmen Músicapara encantaros vossosavós

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Os Walkmen comemoram 10 anos desde que começaram a editar. Leithouser diz-se "orgulhoso". No seu típico registo de auto-depreciação... "Pois, parece que lá conseguimos qualquer coisa"

O drama e os berros não fazem mais parte das canções dos Walkmen. Agora há doo-wop, dedicatórias a crianças e discursos sobre como ser razoável. Fica-lhes bem serem pouco rock"n"roll. Por João Bonifácio

Isto é como um americano sabe que venceu: depois de anos a batalhar na actividade da sua eleição é convidado, pela direcção da escola secundária onde estudou a dirigir-se aos actuais alunos de modo a guiá-los em direcção ao futuro. É a suprema legitimação: só é chamado para estas tarefas quem, além de ganhar dinheiro e o respeito dos pares, se tornou um exemplo para a comunidade. Tudo o resto é menor.

Mas não no caso de Hamilton Leithouser, o tipo com voz de dor abdominal que encabeça os The Walkmen - hoje no Primavera Sound. Apanhámo-lo ao telefone, estava ele "num comboio de Nova Iorque para Washington DC". Ia "falar num evento dedicado aos alunos" do liceu onde estudou em miúdo, mas isso, como a obra dos Walkmen permite entrever, não é suficiente para o deixar feliz. Arrancar-lhe mais que duas palavas sobre essa época da sua vida torna-se exercício pouco profícuo.

"Era uma escola de desporto", revela, no que parece mais um rosnar do que uma frase proferida para outros ouvirem. Depois acrescenta que "não era desportista" e quando lhe perguntamos: "Então como é que encaixava na escola?" não oferece mais que que um "Bem, sabes como é...". Diz que está nervoso. "Honestamente não sei que lhes diga. Que conselho é que posso dar-lhes?"

Isto até pode soar a falsa humildade, mas já falámos vezes suficientes com Leithouser para saber que basta uma pequena insegurança para ficar a remoer num assunto e que isso, nele, não é incompatível com a mais desbragada auto-confiança. Se fosse precisa alguma prova bastava a letra de We can"t be beat, a primeira canção de Heaven, o novo disco, em que Leithouser começa por cantar que era "the Duque of Earl" mas isso "couldn"t last" [não podia durar muito]. Era "The Pony Express" mas "run out of gas" [perdeu gás]. Ainda diz "Give me a life that needs correction" [dêem-me uma vida que precise de ser corrigida], atesta que "loneliness will run you through" e acaba afiançando que "we can"t be be beat" [nunca vamos ser vencidos].

We can"t be beat é um tratado - muito adulto - das contradições entre os sonhos que nos movem e o que alcançamos. A canção diz-nos que vamos perder os sonhos de miúdo, ser atravessados pela solidão e, se nos esforçarmos muito, alcançar algo de mínimo. E essa coisa mínima será uma vitória, e uma vez alcançada nada nos derrubará. Uma frase destaca-se, aquela em que Leithouser canta "It"s so long but I"ve made it through" [demorou mas consegui]. "Não tenho nada a dizer-lhes sobre como vencer na vida", repete ao telefone Leithouser, aparentemente sem se dar conta da contradição entre o seu discurso e a sua canção.

O imperfeito e o épico

E no entanto, tem razões para se sentir um vencedor: este ano os Walkmen comemoram 10 anos desde que começaram a editar. Leithouser diz que se sente "orgulhoso". No seu típico registo de auto-depreciação a dada altura acaba um monólogo com uma frase caricata: "Pois, parece que lá conseguimos qualquer coisa".

Adopta um discurso de futebolista e quase retira mérito à própria banda: "Sobreviver 10 anos é bom, mas não significa nada, excepto que é preciso esforço, muitas horas". Para o cantor de Another one goes by não há cá talento: a banda é "um emprego", e é precio "compor mesmo quando não se tem vontade". Quando diz que ser o vocalista dos Walkmen "em certo sentido não é diferente de trabalhar num banco" não podia encontrar imagem mais oposta aos "gloriosos sonhos" que do "começo". "Éramos miúdos, muito infantis e sonhávamos com fama".

Por um instante ponderamos a hipótese de estar a treinar uma nova letra dos Walkmen. É que Heaven é sobre como tudo, no fundo, é mais pequeno do que fazemos de conta que é, como tudo se reduz aos filhos e à sobrevivência, como o imperfeito e quebrado é melhor que o épico. Há canções dedicadas à filha de Leithouser (Song for Leigh), outras em que se aceitam os amantes da companheira (Southern Heart). Em Love is Luck ele canta: "After the fun (...) there is no swinging left on my charm". E em Heartbreaker - com We can"t be beat a canção que mais o orgulha - deixa claro que não é homem de partir corações. A personagem que compõe para este disco é a de um homem que aos 30 e muitos aprendeu que o mundo é assim e não há muito a fazer e mais vale aceitá-lo com as suas misérias.

Nada disto seria espantoso se não se desse o caso de até há pouco tempo tudo nos Walkmen ter sido acerca de um romantismo irredutível e improvável, de um último gesto teatral e irreprimível. Leithouser cantava como se estivesse farto de não ser ouvido. Tipo bonito e culto, quando abria a boca berrava como que lembrando que os bonitos também têm problemas. "Neste disco não queria berrar. Queria algo mais calmo, mais relaxado, mais suave". Quando lhe perguntamos porque é que não queria berrar mais, a primeira coisa que responde, seco, sarcástico e com uma nítida falta de vontade de conversar, atira: "Tenho uma filha pequena e não quero acordá-la".

Um pouco mais a sério confessa que no último par de anos "muita coisa mudou nos Walkmen". "É o primeiro disco que fazemos depois de termos filhos para cuidar e é o primeiro disco em que estamos todos em cidades diferentes". Não sabe dizer o que é que afectou o quê, mas tem a noção de que "queria acabar com aquela coisa de todas as canções serem tocadas com o pedal a fundo". "Fazer discos costumava ser um martírio", confessa o agora calmo vocalista. "Discutíamos imenso e o tempo no estúdio não era bem aproveitado. Agora é tudo mais solitário mas trabalho mais: sempre que chego ao meu estúdio penso que já que estou ali sozinho mais vale fazer alguma coisa. Porque hoje tenho menos tempo livre - pelo que quando posso tenho mesmo de trabalhar".

Tudo isto redunda num disco muito pouco rock"n"roll - um disco pré-rock"n"roll, para sermos exactos. Nada de guitarras a bradar, muito poucos arranjos e só um órgão teatral. Leithouser fica contente por dizermos que não há rock"n"roll em Heaven e por falarmos em doo-wop. "Essa é a música que nós gostamos. Há três ou quatro discos que queria fazer uma canção doo-wop e We can"t be beat foi a primeira que fizemos. Acho que no futuro vamos fazer mais canções assim. Esse é o caminho".

Perante isto era difícil evitar uma provocação: perguntar a Leithouser que sentido faz criar, na segunda década do século XXI, um som que é reminiscente dos anos 1950? A resposta não podia ser mais clara: "Não quero saber. É-me indiferente se é novo ou não. É a música que eu gosto. Por mim a audiência podia ser toda composta por velhinhos que já fossem avôs que eu não me importava".

Se estiverem hoje pelo Porto já sabem o que devem fazer: pegar na avó e no avô e levá-los ao Primavera. Caso não gostem do concerto não há problema: os velhotes vão gostar.

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