Torne-se perito

Procura-se: empresa disruptiva e capaz de actuar à escala global

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Soraya Gadit é uma de três fundadores da plataforma Inocrowd Rui Gaudêncio

Taxa de empresas com potencial de crescimento tem vindo a descer. Montar um simples café não ajuda o país a sair do colapso financeiro

Carlos Oliveira preferiu não ler o discurso que tinha preparado. A semana tinha sido intensa, dedicada ao empreendedorismo, em périplo pelo país. Numa sala da escola de gestão da Universidade Católica, onde cerca de 20 jovens com ideias de negócio o escutavam, foi directo ao assunto. "O nosso mercado interno é irrelevante. Não há negócios que possam ter impacto na economia e serem baseados apenas em empresas que trabalhem para o mercado interno", disse. Sim, as empresas de base local são necessárias, resolvem casos de "dimensão social", mas "do ponto de vista macroeconómico não resolvem o problema estrutural do país", sublinhou o secretário de Estado do Empreendedorismo e Inovação. Montar um café igual aos outros não ajuda o país a sair do colapso financeiro.

Nos últimos meses têm-se multiplicado iniciativas em que a palavra "empreendedorismo" tem presença obrigatória. Desde eventos onde pessoas com ideias se juntam durante 24 horas para montar um plano de negócio a sessões de formação em centros comerciais. Com a taxa de desemprego a atingir níveis históricos e a economia a contrair, emerge um aparente salva-vidas: criar uma empresa. Mas não pode ser qualquer uma.

"O empreendedorismo que traz mais valor é aquele que nasce das chamadas empresas-gazelas. As que crescem pelo menos 20% ao ano", durante três anos consecutivos, diz Francisco Veloso, professor na Católica e na americana Carnegie Mellon, que assumiu esta semana a direcção da escola de gestão. Criam mais emprego líquido, baseiam-se em conhecimento, oferecem novas soluções, surpreendem o mercado. De fora, ficam critérios como o baixo custo da mão-de-obra.

Entre 1992 e 2007 foi identificada pelo Ministério da Economia uma média de 320 empresas-gazelas por ano, cada uma com 90 trabalhadores. Francisco Veloso fez as contas: se todas crescessem 20% ao ano durante três anos, criavam-se 25 mil novos postos de trabalho. E se o número de gazelas duplicasse, seriam 50 mil novos empregos.

Contudo, os últimos dados mostram que o país não tem conseguido agarrar estas empresas. No universo das organizações com mais de dez trabalhadores, a taxa de gazelas caiu de pouco mais de 1,1% em 1992 para abaixo dos 0,7% em 2007. "São resultados pouco animadores" e confirmam a noção de que "o esforço e a actividade de inovação em Portugal são pouco profundos", afirma Francisco Veloso. O que Portugal precisa, diz o professor, é de permitir o crescimento destas empresas. E isso implica dar espaço à tentativa e ao erro. "É preciso criar instrumentos que possam facilitar às pessoas que estão a fazer investigação testar os seus conceitos e ver como o mercado reage", defende.

O que interessa ao país

No Minho, onde a partir da universidade nasceram 131 empresas com um volume de negócios global de 362 milhões de euros, o vice-reitor para a Inovação e Empreendedorismo, José Mendes, lembra que qualquer pessoa que monte um negócio pode ser classificada de empreendedor. Mas o empreendedorismo que interessa ao país "tem um perímetro mais exigente". "Pessoas que pretendem desenvolver projectos e empresas com forte incorporação de conhecimento, orientadas para o desenvolvimento de bens e serviços inovadores com potencial de sucesso em mercados alargados", diz. A tecnologia é a área com mais espaço para este tipo de retorno mas José Mendes garante que também há "grandes oportunidades" nas ciências sociais, artes, turismo e economia social.

Para mostrar que estas empresas não dependem apenas de conhecimento científico ou inovação tecnológica, José Mendes recorre a um exemplo clássico. Abrir um café é fazer empreendedorismo mas não requer grandes competências, "pelo que não é o tipo de empreendedorismo que me interessa". Contudo, se a ideia for criar um café com conceito próprio, aliando o design ao marketing,"como fez a Starbucks", então "esse é empreendedorismo inovador, do tipo que já me interessa".

Francisco Banha tem uma palavra para descrever estas empresas: disruptivas. "Temos de criar um ecossistema para potenciar o nascimento de outros exemplos como os da Critical Software, a ISA [Intelligent Sensing Anywhere] ou a Frulact. Temos dezenas, mas precisamos de centenas de empresas disruptivas e à escala global", diz o investidor e presidente da Federação Nacional das Associações de Business Angels.

A qualificação dos empresários está invariavelmente ligada aos negócios de implantação global e, de acordo com o Global Entrepreneurship Monitor, parece ter maior efeito na fase inicial da empresa, em países com contextos institucionais mais favoráveis. Outro estudo, do Eurostat, concluiu que a inovação de produtos aumenta consoante o nível de habilitações do empreendedor, mas isso não sucede na inovação conseguida ao nível de processos ou marketing. O perfil de empreendedor de que o país parece estar à procura encontra-se mais dentro das universidades e das empresas do que nos centros de emprego.

Soraya Gadit, Mário Lavado e João Moita conheceram-se no MBA que fizeram na AESE/IESE e nos dois anos de aulas e trabalhos desenvolveram uma ideia de negócio que conseguiu captar a atenção de duas sociedades de capital de risco (Inovcapital, detida maioritariamente pelo Estado, e a Naves Capital de Risco, da AESE). A plataforma Inocrowd arrancou em Junho do ano passado com um investimento inicial de cem mil euros e junta os problemas de clientes às soluções de investigadores. Por exemplo, uma empresa que recicla solventes orgânicos está à procura de uma forma de reduzir a quantidade de água presente nestes produtos. Colocou o desafio no site da Inocrowd e, agora, aguarda pelo contributo da multidão que está online, no mundo inteiro. No total, a plataforma tem 40 potenciais clientes que procuram determinada inovação (todos portugueses), e mil investigadores registados, 70% de origem nacional. Para participar, as empresas pagam uma taxa por desafio - 25% na fase inicial e o restante só se for encontrada a melhor solução. Até agora houve quatro casos de sucesso.

"O nosso negócio foi sempre focado na internacionalização. Com o parceiro certo, posso replicá-lo na Rússia e na China... em qualquer lado", diz Soraya Gadit, 40 anos, que trabalhava na indústria farmacêutica. Deixar o emprego certo, com BMW, telemóvel e um bom salário, foi possível graças ao apoio familiar. Nos últimos meses, toda a receita conseguida tem servido para reinvestir, mas Soraya Gadit já não se imagina a trabalhar numa empresa. "Ter um negócio é um desafio constante. Ao início não foi fácil, mas quando começamos a implementar o que foi pensado durante vários anos, e a ter sucesso, o facto de não haver papel na impressora ou telefone pago deixa de ter importância", resume.

A Inocrowd também foi pensada à medida da crise: está na incubadora DNA Cascais, os trabalhadores que emprega (sete) são pagos de forma variável de acordo com objectivos, e através da Internet (a página está em inglês) tem presença global. "É preciso ter muita resiliência. Passo 24 horas por dia ao telefone e 80% [das respostas] são "nãos". Mas os 20% de "sins" compensam tudo", diz Soraya Gadit.

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