Cronenberg, Brandon infectou-se com Cronenberg, David

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A degeneração de Sid, interpretado por Caleb Landry Jones, vai ser o testemuho vivo dos últimos dias de uma estrela dr

Em território cronenberguiano tudo se contamina e infecta e por isso não haveria como escapar-lhe: com Antiviral, Cronenberg, Brandon, o filho, infectou-se com Cronenberg, David, o pai

O que falta saber, agora, é que tipo de patologia vai ser desenvolvida por este vírus. Mas para já tem que se dizer que, muito naturalmente, Brandon Cronenberg infectou-se com o cinema do pai, David Cronenberg - com quem começou, nos efeitos especiais de eXistenZ. Não haveria como escapar-lhe, não parece ser cópia ou oportunismo esta estreia na longa-metragem, depois de duas curtas: é uma espécie de refeição familiar, vampirismo à mesa deles (é como se Cronenberg, Brandon tivesse comido Cronenberg, David).

Aqui, em território Cronenberg, tudo se contamina e infecta, e evitar isso seria mais do que evitar uma estética, seria anular um mundo que se viu ser criado e pensado.

O que faz com que Antiviral (Un Certain Regard) seja como nos filmes de David, várias coisas sobrepostas: filme de género, neste caso thriller e filme de vampiros, olhar extasiado para as maravilhas da degeneração e ponto da situação das angústias e êxtases da cultura pop. Talvez uma diferença faça alguma diferença: ausente está a dimensão trágico-patética e ofegante das personagens de David, que pareceram ser sempre corredores olímpicos, o humor de algumas das odisseias da fase "terror biológico".O que pode ter a ver com o facto de esta ser a primeira longa de Brandon e de o jovem cineasta lidar com a intimidação querendo mostrar que a coisa é séria para ele.

Estranhos bistrots

Antiviral conta a história de um empregado de uma clínica que vende os vírus de celebridades doentes a fãs obsessivos e que transporta dentro do corpo amostras ilegais desses vírus para as traficar.

Neste futuro que é já ali, as células doentes de um ídolo são transformadas em comida para a fome dos fãs em bistrots especializados, embora os mais sofisticados, que desprezem manifestações de obsessão desse calibre, prefiram coisas mais aristocráticas, não tão plebeias, como enxertar na sua própria pele pedaços da pele das suas estrelas favoritas.

E às tantas é o próprio empregado que, infectado com a doença que matou uma star, se torna alvo de um complot que quer fazer dele um documento vivo que preencha a elipse narrativa que ficou na mente dos fãs: a degeneração de Sid (Caleb Landry Jones, que quando o filme começa já parece ter sido sujeito a uma sangria) vai ser o testemunho vivo dos últimos dias de uma estrela.

Numa altura em que o cinema de David tenta uma nova simbiose entre a imagem e a palavra, esperando-se que Cosmopolis (concurso) seja o "state of the art" desta nova fase ("Pensa-se muitas vezes no cinema como arte visual. Para mim vejo a essência do cinema como um rosto que fala", disse David ao diário francês Le Monde), vemos o filho colocar-se na história do pai. De uma forma muito cronenberguiana, portanto: comendo-o.

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