Retrato do século XVIII

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Andreas Staeir deslumbrou, no seu melhor pedro cunha

O concerto de Páscoa da Orquestra Barroca da Casa da Música (OBCdM) escapou à tradição do repertório sacro, mas o importante é que não faltou Bach, desta vez com a assinatura de dois representantes do clã. Do patriarca Johann Sebastian (1685-1750) foram interpretados quatro contrapunctus e um canon de A Arte da Fuga BWV 1080; daquele que será o mais célebre dos seus filhos, Carl Philipp Emanuel (1714-1788), ouviram-se dois concertos para cravo e orquestra e uma sinfonia. O interessante programa completou-se com uma obra de Johann Gottlieb Graun (1703-1771), compositor e violinista que foi professor do primogénito de Johann Sebastian.

O espaço musical é inaugurado com o primeiro número de A Arte da Fuga - Contrapunctus I - interpretada pela orquestra num sereno mergulho no estilo de Bach que acusa, desde logo, o ponto fraco do concerto: uma afinação nem sempre segura. Em seguida, Andreas Staier sobe ao palco fazendo a música emergir de forma notável da partitura do Concerto para cravo e orquestra nº 3, em mi bemol maior, Wq 433. Às cordas juntam-se as trompas (também difíceis de afinar) nos andamentos extremos, substituídas por traversos no andamento central. É impossível não reparar na associação rápido/trompa-lento/traverso e no peso da cor na construção. Staier esteve no seu melhor, mas é também digno de nota o bom trabalho de conjunto nesta obra.

Contrapunctus V foi o caminho extraordinário pelo qual Staier prosseguiu a solo, deslumbrando. Depois, a tarefa de Daniel Sepec não seria muito fácil, não porque o Concerto para violino e orquestra, em lá maior - nº 78, de J. G. Graun, não seja uma partitura interessante, mas porque Staier é um intérprete extremamente criativo. O papel de Sepec seria ainda menos fácil, considerando o virtuosismo de algumas passagens, mas, não obstante flutuações na afinação exponenciadas pelo desempenho da própria orquestra, saiu-se bastante bem, criando momentos de grande beleza, por exemplo, na cadência.

Após o intervalo e o regresso das cordas com o Contrapunctus III, Staier oferece-nos mais um momento raro no Concerto para cravo e orquestra nº 4, em dó menor, Wq 434. Também aqui os traversos e as trompas dividem papéis, cabendo aos primeiros ocupar-se do segundo e às trompas ocupar-se do terceiro do quarto andamentos.

Talvez o melhor do evento tenha sido o episódio que se seguiu, no Canon à 10ª em contraponto à 5ª, com Staier a solo a descobrir a estrutura da peça com a máxima clareza.

Os músicos foram de tal modo aplaudidos e Staier gosta tanto de fazer música que pediu a um dos músicos que anunciasse, em português, que um último concerto para cravo e orquestra de C. P. E. Bach seria ainda apresentado, extra programa.

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