Fanny Ardant vai arder numa fogueira de dois dias na Gulbenkian

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A Fanny Ardant interessou a humanidade de Joana d"Arc

Hoje e amanhã, a actriz representa o papel titular de Jeanne d"Arc au bûcher, obra de Arthur Honneger

Apesar de ter uma produção relativamente extensa e diversificada, o compositor Arthur Honneger (1892- -1955) ficou conhecido sobretudo por duas obras: Pacific 231 (1923), imagem orquestral de uma locomotiva em movimento na sequência da corrente futurista, e Jeanne d"Arc au bûcher (1935), oratória dramática, sobre um texto de Paul Claudel inspirado nos mistérios católicos medievais. Nesta última peça, que será apresentada hoje às 21h e amanhã às 19h na Gulbenkian, sob a direcção de Simone Young, a heroína nacional francesa é confiada a uma actriz e não a uma cantora, como era habitual neste género musical. Fanny Ardant, que esteve para fazer este mesmo papel no Teatro de São Carlos em 2003 num espectáculo encenado por Luís Miguel Cintra, acabaria por ser substituída nessa ocasião por Isabelle Hupert, mas desta vez o público português poderá assistir à sua recriação da lendária donzela que definiu o curso da História, revertendo a vitória da Guerra dos Cem Anos (1337-1453) em favor do seu país.

A morte e os medos

Numa entrevista à revista Red Bulletin, Fanny Ardant explica que o seu interesse por Joana d"Arc tem menos que ver com a figura histórica do que com a dimensão humana da personagem, alguém que à beira da morte admite os seus medos.

Depois de ter conduzido o exército francês em importantes vitórias, Joana d"Arc foi acusada de heresia, julgada e condenada à fogueira, mas um quarto de século após a execução foi considerada inocente e declarada mártir. A oratória de Honneger solicita um grande efectivo vocal e instrumental. Na Gulbenkian, Fanny Ardant partilhará o palco com os actores Jean-Philippe Lafont, William Nadylam e Vladislav Galard, com os cantores Ana Maria Pinto, Joana Seara, Deborah Humble, Gilles Ragon e Philippe Kahn, com o Coro e a Orquestra Gulbenkian e o Coro Infantil da Universidade de Lisboa.

Entre as várias obras artísticas e literárias inspiradas por Joana d"Arc, a oratória de Honegger e Claudel destaca-se pela sua qualidade musical e dramatúrgica. Pertencente ao chamado Grupo dos Seis activo em Paris nas primeiras décadas do século XX (composto por Milhaud, Poulenc, Auric, Tailleferre e Durey), Arthur Honneger estabeleceu colaborações com expoentes da cultura literária francesa como Apollinaire, Cocteau, Valéry, Rostand e Claudel. A ideia de tratar a história de Joana d"Arc numa oratória partiu da bailarina e actriz Ida Rubinstein, que viria a fazer a estreia em 1938, em Basileia.

O projecto teve como fonte de inspiração o estilo dos dramas litúrgicos medievais, o que implicava papéis falados, diálogos cantados em estilo responsorial e alguma movimentação dramática. Em vez de seguir uma narrativa cronológica de acontecimentos, o libreto de Claudel apresenta uma série de visões simbólicas que Joana experimenta enquanto está atada à estaca da fogueira. Aos papéis falados cabe a dimensão narrativa e às partes cantadas as secções de delírio visionário. A orquestração distingue-se pelo seu amplo colorido, incluindo dois pianos, saxofones em vez de trompas, um grande conjunto de percussões e ondas Martenot, um dos primeiros instrumentos electrónicos, inventado em 1928. O estilo musical percorre também um grande espectro, incluindo num todo coerente elementos tão díspares como influências jazzísticas e o canto gregoriano. Em 1944, os autores acrescentaram um prólogo à obra, inspirado nas experiências vividas durante a II Guerra Mundial.

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