Sempre bons, agora maiores

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Em meia hora de Broda, os Gala Drop inventam três temas de funk espacial, com Ben Chasny na guitarra. Lá atrás, nas congas, um ícone da música negra.

As coisas, no mundo dos Gala Drop, correm sempre tão bem que até parece fácil. Ao primeiro e homónimo disco, lançado no final de 2008, provocaram em quem os ouviu um efeito físico difícil de alcançar: fazer o queixo cair. O êxito saltou a fronteira e acabaram em digressão com os Religious Knives, enquanto luminárias como Panda Bear (dos Animal Collective) davam a sua benção. Estreias assim acarretam expectativas altas, mas três anos e pico depois o regresso, com Broda, é simplesmente extasiante.

Broda é um mini-LP com apenas três temas que em conjunto se atiram à meia-hora. Diz bem do cartel que os Gala Drop angariaram o facto de com apenas três novos temas terem já marcada uma digressão de duas semanas pela Europa: começa dia 13, no Salão Brazil, em Coimbra, e acaba dia 31 em Guimarães, no Centro Cultural Vila Flor, com passagens por Espanha, França, Bélgica, Holanda e Alemanha. No dia 30 organizam uma festa no Lux, em Lisboa, com Hype Williams e Tropa Macaca a abrir - a seguir Brian DeGraw (dos Gang Gang Dance) será o rei dos pratos.

Outro dado reforça a ideia de que os Gala Drop já não são só mais um projecto de amigos: a presença de um músico da dimensão de Ben Chasny - o mentor dos Six Organs of Admittance que nos Comets On Fire trocava a guitarra acústica pelo poder de fogo da eléctrica - como compositor de Broda.

Em parte a colaboração é possível porque os Gala Drop representam hoje um novo tipo de músico, que se envolve em todas as vertentes da sua arte. Nélson Gomes, quando não está a tratar das teclas nos Gala Drop, trabalha como promotor (na Filho Único), tendo trazido várias vezes a Portugal Chasny, de quem se tornou amigo. Essa atenção a tudo o que acontece é transportada para a música dos Gala Drop, que funciona como símbolo de uma Lisboa urbana, nocturna, dançante, onde as mais diversas culturas colidem.

"O Chasny adorou ver-nos ao vivo", conta Nélson, reportando-se à digressão conjunta entre os Six Organs of Admittance e os Gala Drop, em 2009. "E no fim da digressão mandou-nos um e-mail a dizer que queria fazer um disco connosco, para fundir o que ambos fazíamos. No ano passado veio a Portugal e ficou uma semana. Ficou tudo feito aí".

Em Broda, Chasny é "responsável pelos momentos guitar-hero", definição (bem-humorada e um tudo nada irónica) providenciada por Afonso Simões, o homem da tarola e do bombo, em conversa recente numa esplanada do Príncipe Real, em Lisboa.

Na realidade, o que Chasny parece fazer é pegar no peculiar cruzamento entre krautrock, dub e música ambiental que caracterizava os Gala Drop e atirá-lo para o espaço. O resultado, por vezes, parece Fela Kuti para o século XXI - sem a voz e com valentes doses de Valium. Não é comparação que lhes desagrade, esta, em particular no caso de Afonso: "Para mim, que sou baterista, ouvir o Tony Allen [baterista de Fela Kuti] mudou-me a vida. Ele simplesmente criou um ritmo. Se pudesse tocar como ele tocava - mas não consigo". Ainda assim, Allen está lá.

Cada um dos três temas parece assentar nisto: uma linha de baixo funky e repetitiva, percussão aos tropeções, uma das guitarras a fazer riff imaculado, a outra a funcionar como força centrífuga e os órgãos a darem camadas de alienação. Faixa após faixa a percentagem de delírio vai aumentando - e no entanto o prazer está sempre presente, a melodia está sempre presente.

Meias canções

A vida dos Gala Drop podia não ter corrido tão bem. A saída de Tiago Miranda, já depois do primeiro disco, fez pairar algumas nuvens negras. Mas a banda, quando não está ocupada a ser boa, está ocupada a crescer: se ao príncipio era aquilo a se chama "um projecto", para mais com alta vertente improvisatória, agora os Gala Drop são cinco (sem contar com a presença de Chasny) e, diz Afonso, "uma banda no sentido total do termo, com as discussões e as trips todas". Nélson acrescenta, sem ponta de ironia, que imagina "a longo-prazo a banda a tornar-se um ensemble": "Mais gente, mais harmonias, mais complexidade, mas cada um a fazer menos individualmente".

Uma das novas aquisições é Jerrald James, também conhecido por Jerry The Cat. Jerr é um ícone do underground dançável: tocou com os Parliament e os Funkadelic, com CJ & Company (tarefa para hoje: ir ao YouTube e ouvir o super-disco-sound de Devil"s gun), com James Cleveland e com o pastor TL Barnett. O restante currículo inclui Carl Craig e Moodyman, entre outros. Este homem - que viu tudo e fez tudo - consegue maravilhas com as suas congas em Broda. O simples facto de o terem convencido a fazer parte da banda diz muito do respeito que estes moços têm hoje.

"Conhecemo-lo no Capela, às três da manha", conta Afonso. "Começou a dizer que era músico e tinha tocado funk com os maiores, gospel com os maiores, que tinha tocado em êxitos disco-sound, que tinha visto nascer o tecno, que tinha tocado com o John Lee Hooker". Nélson completa o relato: "O Tiago não podia tocar, por isso convidámos o Jerry. Ele gostou e ficou".

Como todas as boas histórias, a coisa não fica por aqui: a ensaiar, contam, descobriram que o homem "tem um vozeirão do caralho". Pelo que já no primeiro concerto vai haver voz, cortesia de Jerry The Cat. E o futuro, segundo Afonso, passa por aí: "A ideia é fazer coisas com estrutura mais próxima da canção e com letras".

Descansem os puristas: eles não querem fazer um disco de canções. Só "meio disco de canções". Coisa para durar hora, hora e meia - e uma viagenzinha pelo espaço.

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