Regime bloqueia entrada de ajuda no arrasado bairro de Bab al-Amr

Foto
Síria exibe imagens de vítimas do regime num protesto em Istambul OSMAN ORSAL/REUTERS

ONU "alarmada" com descrições de "execuções sumárias" em Homs. Forças de Assad estão a cometer massacres, denunciam os activistas

Os combatentes da oposição decidiram abandonar o bairro de Bab al-Amr, em Homs, para que a ajuda pudesse por fim chegar aos civis que ali permanecem encurralados, um mês depois do início dos bombardeamentos do regime. No entanto, ontem as autoridades sírias, que reocuparam a zona ainda na quinta-feira, proibiram a entrada a uma coluna da Cruz Vermelha - sete viaturas com alimentos e material médico.

"É inaceitável que pessoas que precisam de assistência de emergência há semanas ainda não tenham recebido ajuda", afirmou num comunicado o presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Jakob Kellenberger. "Vamos ficar em Homs esta noite na esperança de poder entrar Bab al- -Amr em breve."

A situação na Síria é "inaceitável, intolerável", disse, por seu turno, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelando ao regime de Bashar al-Assad para "deixar entrar sem condições a ajuda". Essa "é a prioridade "número um"", sublinhou, "mas ao mesmo tempo a violência deve cessar".

Tanto a Cruz Vermelha como o Crescente Vermelho Sírio, com ambulâncias a postos para retirar feridos e doentes, puderam entrar na cidade de Homs, aproximando-se de Bab al-Amr, mas ambas as organizações foram impedidas de chegar ao bairro mais atingido pelos bombardeamentos.

De Bab al-Amr saíram entretanto os corpos dos jornalistas mortos num bombardeamento a 22 de Fevereiro: Marie Colvin e Rémi Ochlik. Activistas sírios tinham decidido enterrá-los numa cerimónia gravada em vídeo em que explicam não ter como guardar os corpos por causa da falta de electricidade. O regime entregou-os à Cruz Vermelha, que os levou para Damasco.

"A situação em Bab al-Amr é pior do que terrível", disse à Al-Jazira Bassel Fuad, um activista que fugiu do bairro há dois dias em direcção ao Líbano. Segundo Fuad, os soldados e as milícias do regime, as Shabiha, estão a fazer buscas casa a casa, rua a rua, e pior: "As Shabiha estão a entrar nas casas e a pegar-lhes fogo."

O gabinete de Direitos Humanos da ONU disse ter recebido notícias de 17 "execuções sumárias particularmente macabras", precisamente em Homs. "Estamos alarmados com as descrições que começam a sair de Bab al- -Amr desde que a zona foi tomada pelas forças governamentais", disse em Genebra o porta-voz Rupert Colville.

Segundo um activista contactado pela Reuters no interior da cidade, "o Exército estava a impedir a entrada dos carros [da Cruz Vermelha], porque quer antes limpar o que fez" em Bab al-Amr. "Todos os homens que permanecem na vizinhança com idades entre os 14 e os 50 anos foram presos. Tememos um massacre. Onde está o mundo?", interrogou-se outro activista. "Os massacres continuam. Eles estão a torturar e a matar [os detidos] um a um. Estão a executá-los por fornadas."

Um responsável do Ministério dos Negócios Estrangeiros sírio disse à Reuters que o Exército já "limpou Bab al-Amr dos terroristas armados e apoiados por estrangeiros".

Dois dias depois de ter deixado Homs e chegado a Beirute, o jornalista espanhol Javier Espinosa descreveu ontem o que viu na cidade arrasada. "Estamos a falar de cerca de 20 mil pessoas, na maioria mulheres, pessoas mais velhas, civis, encurralados num enclave muito pequeno sob ataques constantes durante o dia e a noite", disse o repórter do El Mundo.

"Era muito sistemático. Começavam a lançar bombas às seis da manhã, paravam às seis da tarde. Não há sítio para as pessoas se esconderem porque não há abrigos, só se pode esperar em casa e acreditar que não vão atingir a nossa casa", disse ainda.

Quando anunciaram a retirada de Bab al-Amr, os combatentes da oposição responsabilizaram o Governo pelo que viesse a acontecer aos civis que deixaram para trás - pelo menos quatro mil -, por sentirem que já não os podiam proteger. Também prometeram voltar e não desistir de derrubar o regime que há quase um ano reprime violentamente uma onda de contestação que começou por ser pacífica.

Rockets contra protestos

Ontem, manifestantes desafiaram uma vez mais Assad e tomaram as ruas depois das orações de sexta-feira em Homs, Hama, Deir Ezzor, Duma, Aleppo e em vários bairros de Damasco, a capital. Na página de Facebook "Revolução Síria 2011" tinha sido anunciada "a sexta-feira para armar o Exército Livre", o grupo formado por desertores e por alguns civis que têm tentado fazer frente ao regime.

"Deus te amaldiçoe Hafez por teres tido um filho assim", gritaram os manifestantes. Hafez, pai de Bashar, governou a Síria com mão-de-ferro de 1963 até à morte, em 2000, quando passou o poder ao filho. "O povo quer anunciar a jihad [guerra santa]", lia- -se em várias faixas.

Os soldados dispararam contra os manifestantes e feriram vários em Damasco e Aleppo. Um rocket atingiu uma manifestação em Rastan, na província de Homs, matando "pelo menos 13 pessoas, incluindo cinco crianças", informou o Observatório Sírio dos Direitos Humanos. Segundo os Comités de Coordenação Local, que organizam as manifestações, 56 pessoas morreram em todo o país, 32 delas em Homs e 16 em Rastan.

De acordo com as Nações Unidas, mais de 7500 pessoas foram mortas na Síria desde Março de 2011.

Sugerir correcção