Torne-se perito

Mediadores culturais nos hospitais com funções suspensas porque acabou o financiamento comunitário

Alberto Fragoso não sabe só falar crioulo guineense e cabo-verdiano, romeno, francês, inglês e italiano. Este mediador intercultural também "traduz" crenças e costumes, explicando, por exemplo, aos médicos por que é que muitos doentes oriundos de países africanos de língua portuguesa baixam os olhos quando entram na consulta. "Não é por falta de respeito", pelo contrário, "desviam o olhar porque os vêem como alguém superior. Encarar o médico de frente é visto como falta de respeito". Este mediador intercultural trabalhou até ao final de Dezembro no mais multicultural hospital do país, o Amadora-Sintra, mas ele e mais sete estão no desemprego porque acabaram os fundos europeus que lhes pagavam os ordenados.

O Projecto Mediadores Interculturais em Serviços Públicos, do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) arrancou em Junho de 2009 com 28 agentes de mediação abrangendo 25 serviços públicos em áreas distintas: 13 na Saúde, dois na habitação, sete nas autarquias, um na Segurança Social, um na Educação e um nas Forças de Segurança.

Até Dezembro de 2011, saíram "por opção pessoal" 11 agentes de mediação. Ficaram 17: 11 na Saúde, quatro em autarquias e um na Segurança Social. O ACIDI informa que nove daqueles obtiveram avaliação positiva e estes transitarão para uma nova fase, explica o ACIDI por email, mas que ainda não tem data marcada.

O ACIDI diz que está em fase de concretização uma nova candidatura a fundos comunitários (Fundo Europeu para Integração de Nacionais em Países Terceiros), "a qual se prevê que venha a ter início no final do primeiro trimestre e no qual participarão 20 agentes de mediação".

Aos dois mediadores do Hospital Amadora-Sintra que agora estão no desemprego tem cabido muito mais do que tradução. António Silva, médico e presidente da Associação de Jovens Promotores da Amadora Saudável (um dos parceiros do projecto), explica que, por exemplo, um doente africano a quem é diagnosticado cancro naquela unidade de saúde e a quem é aconselhada a cirurgia, na maior parte das vezes não volta tão cedo. A razão é porque "vai ao país de origem aconselhar-se com um "médico" tradicional para saber se deve ser operado".

E depois há comportamentos que afastam os imigrantes dos serviços, exemplifica Alberto Fragoso. Um doente dos PALOP a quem um médico peça "para baixar as calças para ser observado pode nunca mais voltar ao hospital", isto porque muitos carregam no cós das calças um amuleto que julgam protegê-los de maus olhados, explica o mediador guineense. Isto resolve-se levando a que o mediador fale tanto com o doente como com o médico para que ambos se percebam, diz. "O imigrante, quando vem, traz tudo, incluindo bagagem cultural".

No workshop Saúde e Multiculturalidade, que decorreu recentemente no Hospital da Amadora, foram discutidos os vários obstáculos dos imigrantes no acesso à saúde. Teresa Portugal, responsável pelo serviço de admissão e apoio a doentes, diz que a suspensão de funções dos dois mediadores cria um vazio. "Investiu-se imenso na sua formação", disse.

Sugerir correcção