Torne-se perito

Garrafa de plástico ou água da torneira, eis o debate

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São necessárias 60 garrafas para cada reunião das 12 comissões rui gaudêncio

Se os deputados passarem a usar apenas o jarro de vidro, será preciso gastar 2800 euros/mês só para lavar e arrumar. Contas do Parlamento

Desta vez, aquilo que importa não é o que dizem os deputados das 12 comissões parlamentares, mas sim o que têm em cima da mesa: uma pequena garrafa de água mineral ou um jarro de vidro com água da torneira. Segundo as contas dos serviços da Assembleia da República (AR), conhecidas na última semana, o custo mensal de optar pelos jarros é dez vezes maior.

Os cálculos foram feitos com base num preço de 0,09 cêntimos por garrafa de água e na necessidade de ter 60 garrafas por reunião de cada uma das 12 comissões, que se reúnem quatro vezes por ano. Assim, o custo mensal das garrafas é de 259,20 euros.

A opção pelos jarros sai mais cara. Primeiro, há que comprar 360 jarros (um por deputado), a 13 euros cada, o que totaliza um investimento inicial de 4860 euros. Depois, todos os meses, os Serviços da Assembleia da República estimam que é necessário pagar 2730,24 euros para que os funcionários da empresa que já presta o serviço de refeições no Parlamento encham, limpem, coloquem e arrumem os jarros.

Mas a questão não morre aqui. "Enviei uma carta ao Conselho de Administração da Assembleia da República a pedir informações complementares", disse ao PÚBLICO Pedro Farmhouse, o deputado socialista autor de uma proposta para servir água da torneira aos 23 deputados da Comissão de Ambiente.

A carta já foi recebida pelo conselho de administração (CA), por isso o tema deverá ser debatido na próxima reunião, na quarta ou quinta-feira desta semana, confirmou José Luís Ferreira, membro daquele organismo e deputado de Os Verdes.

A questão da água entrou em São Bento há um ano e meio e ainda não está resolvida. Uma primeira tentativa, do PS, em 2010, recebeu um parecer desfavorável do CA. A decisão foi justificada com a falta de pessoal para fazer a manutenção dos jarros e por não estar assegurada a qualidade da água, ao contrário das 47.000 garrafas consumidas de Janeiro a Novembro de 2010.

Em Novembro de 2011, o PS apresentou nova proposta, para se servir água da torneira pelo menos nas reuniões da Comissão do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Poder Local. Mas a ideia foi chumbada pela maioria dos deputados na comissão, que solicitou, por proposta do PSD, uma avaliação custo/benefício de alternativas. Os cálculos foram conhecidos na semana passada.

Couto dos Santos (PSD), presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, considera que esta questão "é um absurdo populista que até custa a acreditar que venha de deputados". "Se isso é a resolução dos problemas do país? Temos tanto para nos ocupar", desabafa

Na última década, o consumo de água engarrafada em Portugal tem aumentado, segundo a Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais Naturais e de Nascente. Em 2001, consumiam-se 692 milhões de litros, enquanto em 2010 eram 937 milhões.

"As pessoas têm dúvidas quanto à qualidade da água da rede pública. Muitas vezes não gostam do sabor ou do aspecto mais turvo, mas que não têm impactos na saúde", sublinha Susana Fonseca, da associação ambientalista Quercus.

Jarros no Governo

Em Lisboa, a água é "de excelente qualidade, com percentagens de cumprimento de parâmetros sempre superior a 99%", garante a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), numa nota ao PÚBLICO. Desde 2005 que, no edifício da ERSAR, se bebe água da torneira. Se a opção continuasse a ser a água engarrafada, esta entidade diz que teria de pagar 7500 euros (10 cêntimos por garrafa de 0,25 litros), contra os 26 euros que paga pela água da torneira.

No Governo, existem outros exemplos da opção pela água da rede pública. "Em todo o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), a água é da torneira", diz o gabinete da ministra Assunção Cristas. Também no Conselho de Ministros há jarros em cima da mesa.

O debate que opõe a água engarrafada à da torneira também se fez noutros países. Na Noruega bebe-se água da torneira no Parlamento. Mas outros Parlamentos mantêm as garrafas, como o francês e o britânico. No Reino Unido, o debate aconteceu em 2008: a água da rede pública custava cinco vezes mais do que as 250.000 garrafas consumidas por ano no Parlamento.

Também em 2008, o mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, decidiu que a câmara deixaria de comprar garrafas de água. Tal como em Brooklyn foi essa a opção: "É um pouco hipócrita estar a comprar água engarrafada para a autarquia, ao mesmo tempo que incentivamos os nova-iorquinos a beber água da rede pública", dizia um dos autarcas locais, Simcha Felder, ao jornal The New York Times.

Resíduos de embalagens

No Parlamento português, Pedro Farmhouse alega razões ambientais para a promoção da água da torneira. "Seria uma prova de confiança no investimento do país na melhoria da qualidade da água ao longo dos anos. É preciso darmos o exemplo da vontade de reduzir a pegada ecológica o mais possível."

Rui Berkemeier, da Quercus, lembrou que o Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos (2009-2016) prevê a promoção do "consumo de água canalizada" para evitar a produção de resíduos de embalagens. "Não vemos razão para não se usar água da torneira." Se isso não for possível, considera, será melhor usar dispensadores de água, com copos não-descartáveis e garrafas de vidro.

Na reunião desta semana, o deputado José Luís Ferreira vai apresentar uma proposta: "Que se faça uma diligência junto da empresa fornecedora da água à AR para substituir as garrafas de plástico por outras de vidro reutilizado." Quando terminar o contrato, a 31 de Julho, está a ponderar uma solução mista, em que, pelo menos, metade da água seja servida em jarro e a outra em garrafas de vidro.

Para já, o CA considera que se deve manter o contrato com o fornecedor, mas no novo deve "prever-se o recurso a vasilhame de vidro, incluindo necessariamente a sua reutilização".

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