Flora-On, da Sociedade para a sociedade

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Debate Biodiversidade

A preservação da natureza é um dos valores culturais da sociedade europeia. Mas, na actual crise económica e com a constante ameaça das mudanças climáticas ao bem-estar humano, é menorizada e por muitos ignorada. Por outro lado, as paisagens europeias não são inspiradoras, nem tão-pouco dinamizadoras de opinião pública, como as tropicais. Isso não significa que a zona mediterrânica, e em particular a Península Ibérica, não seja um verdadeiro reduto de biodiversidade. Em 1997, Médail e Quézel mostraram-no e em 2000 a publicação de Myers mereceu capa da Nature, alertando para o problema da perda de diversidade e suas consequências. Também eu, neste jornal (21 de Maio 2010), chamei a atenção para a falta de políticas estratégicas, a nível nacional, de conservação da biodiversidade, particularmente da nossa flora.

Em 2010 a Convenção para a Biodiversidade adequou novas metas, a atingir até 2020, aos objectivos da Estratégia Global da Conservação das Plantas (EGCP). O primeiro objetivo, "documentar e reconhecer a diversidade vegetal", tem, como primeira meta, a publicação de uma flora online. Em Portugal, a disponibilização de informação sobre a flora - a Flora-On - irá ser lançada hoje, dia 25 de Fevereiro, no Jardim Botânico da Universidade de Lisboa. A Flora-On é o resultado de um trabalho iniciado há mais de seis anos dentro da Universidade de Lisboa. Nasceu tão rápido que quase ia ficando pelo caminho, desanimada, sem apoios financeiros e estruturantes. Mas o projeto soçobrou graças à perseverança dos seus mentores e da Sociedade Portuguesa de Botânica, através da qual conseguiram manter um corpo coeso. Profunda abnegação, disciplina, amor à flora e ao nosso património natural serviram de mote. Financiamento certo não houve, a não ser maioritariamente o deles próprios; voluntariado houve muito e de qualidade. O mundo empresarial não acreditou neste projeto como oportunidade de negócio. A Fundação para a Ciência e Tecnologia não o considerou "verdadeiramente científico" para merecer financiamento. No entanto, a primeira meta da EGCP está aí, lançada pela Sociedade Portuguesa de Botânica, aberta à sociedade e para seu usufruto.

De posse desta Flora-On, acessível a todos, Portugal pode assumir mais facilmente outras metas da EGCP, ligadas ao estabelecimento e implementação de medidas de conservação. Mas este é ainda um produto inacabado. Necessita de muito mais informação, de maior número de voluntários que conheçam a flora, que a saibam procurar e identificar. Mas a não formação em taxonomia é uma das lacunas das nossas universidades. Os estudantes interessam-se mais pela "biologia de bata" e esquecem a beleza do campo e a diversidade que ele encerra. A biologia molecular sobrepõe-se ao conhecimento da forma, do indivíduo, da sua adaptação ao ambiente. E a Universidade satisfaz os novos interesses esquecendo a importância de promover o ensino em áreas que possam ser consideradas menos interessantes e de menor impacto científico actual, como a sistemática e a taxonomia. Há que saber reinventar estas disciplinas para poderem sobreviver e florescer. Tal como a Flora-On pretende mostrar, as informações sobre as espécies necessitam de estar acessíveis, com a mesma disponibilidade que as sequências de genes e as bases de dados moleculares. E cabe aos professores estabelecer este equilíbrio e tornar mais apelativas áreas do saber menos em voga. Nem tudo são genes, nem moléculas; mas estes devem ser estudados e usados para ajudar a interpretar, compreender e identificar a diversidade de formas que a natureza encerra. (a pedido da autora, este texto respeita as normas do acordo ortográfico)

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