Torne-se perito

Países do Sul da Europa estão a afastar-se cada vez mais dos países do Norte

Três anos depois de ter registado a pior recessão económica das últimas décadas, a zona euro vai voltar este ano a terreno negativo, com Portugal, Grécia, Espanha e Itália, os países que mais precisariam de crescer para reembolsar a dívida, a apresentar os piores resultados.

Segundo as previsões económicas intercalares ontem publicadas pela Comissão Europeia, a zona euro terá este ano um crescimento negativo de 0,3%, menos 8 décimas do que o previsto em Novembro passado, graças sobretudo aos efeitos da crise da dívida soberana. Ao nível dos 27 países da União Europeia (UE), o crescimento será nulo (0%), quando há apenas três meses se esperava uma progressão de 0,6%.

Olli Rehn, comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e financeiros, acredita que a recessão na zona euro será "moderada e temporária" graças a uma relativa acalmia na crise da dívida, o que pressupõe, no entanto, que "sejam tomadas e aplicadas as decisões e as políticas adequadas".

Entre os 17 países do euro, os quatro países do Sul - Portugal, Grécia, Espanha e Itália - que estão a realizar maiores esforços de consolidação orçamental são precisamente aqueles que enfrentam um panorama mais negro. Todos estarão este ano em recessão, o que já era esperado para Portugal e Grécia, que terão um crescimento de menos 3,3 e menos 4,4%, respectivamente. A surpresa surge em Espanha e Itália, cujo PIB sofrerá uma contracção de 1 e 1,3%, respectivamente, contra uma progressão de 0,7 e 0,1% esperada há três meses.

Ao contrário, a Alemanha e a França permanecerão em terreno positivo, embora devam sofrer uma degradação acentuada: a economia alemã crescerá apenas 0,6% (contra 3 % em 2011), e a francesa 0,4 % (contra 1,7%), o que, em ambos os casos, representa uma revisão em baixa de duas décimas face às previsões de Novembro. A excepção, a norte, acontecerá na Bélgica e na Holanda que, ao contrário das expectativas, estarão em recessão.

Esta dicotomia entre o Norte e Sul da Europa reforça os argumentos de todos os que têm criticado a estratégia europeia centrada na consolidação orçamental a todo o custo.

"Como está demonstrado pelas experiências da Grécia, Portugal e Espanha, esta estratégia leva a recessões profundas e agudas e agrava o endividamento público", considera Sony Kapoor, director do centro de reflexão económica Re-Define. "A focalização no crescimento, não na austeridade, é a resposta correcta para as dificuldades da Europa", defende.

O Governo espanhol tem, aliás, exercido uma forte pressão para obter de Bruxelas uma flexibilização da meta de 4,4% do PIB fixada para o défice orçamental deste ano, à luz do resultado muito pior do que o previsto em 2011 (8% do PIB em vez de 6%).

Segundo Rehn, no entanto, é essencial os países mais endividados cumprirem as metas e os calendários fixados para a consolidação orçamental, de modo a reforçar a confiança dos investidores. O problema, explicou, é que o ciclo entre a dívida, mercados financeiros frágeis e economia real em desaceleração ainda não está quebrado, o que se traduz numa situação ainda muito instável. Se a crise da dívida retomar, a actual recessão "moderada e temporária" tornar-se-á, "muito provavelmente", uma "recessão profunda e prolongada que não poupará sequer os países que se têm mostrado mais resilientes". Os Estados "mais sujeitos à vigilância dos mercados" têm de cumprir as metas, defendeu.

Apesar desta posição, Rehn admitiu que está a trabalhar com o Governo espanhol sobre uma possível flexibilização do seu calendário quando os resultados das contas públicas do ano passado forem apurados, em Março. "Nessa base, trabalharemos com as autoridades espanholas e tomaremos decisões quando tivermos um panorama completo", afirmou.

Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), reagiu contra esta eventualidade, avisando que provocará novas subidas nas taxas de juro da dívida espanhola. "Recuar nos objectivos orçamentais provocaria uma reacção imediata dos mercados. Os diferenciais [spreads face à dívida alemã] e o custo do crédito subiriam. Já passámos por isto", afirmou em entrevista ao Wall Street Journal citada pelo El Mundo. Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas

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