Críticas a políticos e liberdade de expressão

Foto

Felizmente vai crescendo uma corrente jurisprudencial que nos considera cidadãos maiores e não meninos mal comportados

Somos um país pequeno em que prezamos a mentalidade subserviente, a cumplicidade morna em que somos todos muito importantes e levamos a mal as criticas. Ofendemo-nos muito. Temos uma pele muito sensível e uma honra do tamanho do mundo. Não gostamos que brinquem connosco. Melhor, não admitimos! E recorremos aos tribunais, claro. E muitas vezes os tribunais dão razão às nossas mesquinhas queixas, à nossa inflacionada pequenez. Mas nem sempre. Felizmente, nos tribunais portugueses, vai crescendo uma corrente jurisprudencial que nos considera a todos cidadãos maiores e não meninos mal comportados a quem se tem de dar raspanetes.

A absolvição de João Carlos Gouveia, ex-líder do Partido Socialista na Madeira, no passado dia 14 de Fevereiro pelo Tribunal da Relação de Lisboa num processo que lhe foi movido por Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira, é particularmente relevante neste aspecto. O líder do PS, num ano eleitoral, referindo-se ao líder do PSD afirmou, entre muitas outras coisas, que este era "... um homem que fomenta a corrupção com o objectivo único de ganhar eleições".

O presidente do Governo Regional da Madeira, de imediato e como sempre, recorreu aos tribunais, sentindo-se injustiçado e levianamente acusado e pedindo € 35 000 de indemnização. Pretendia aquele político que o tribunal tendo em conta as expressões em causa condenasse o seu adversário político, coarctando-lhe a sua liberdade de expressão. Mas o Tribunal de 1.ª instância não foi na sua conversa e lembrou que "determinar se uma expressão é ou não ofensiva à honra e consideração é uma questão que tem de ser aferida no contexto em que foi proferida, do meio social envolvente, relações existentes, os valores do meio social em que se inserem...", salientando que "... na actividade política, a liberdade de expressão, na vertente de emissão de juízos de valor, embora lesivos do bom nome de terceiros, corresponde ao exercício de um direito, mesmo que decorram de factos não inteiramente verdadeiros, muito particularmente quando o visado é personalidade pública no domínio da política".

Ora, no caso em apreço, a crítica do líder da oposição inseria-se na luta política entre o PS-Madeira e o PSD-Madeira, não imputando a prática de actos concretos de corrupção ao líder local do PSD. Como sublinhou a sentença de 1.ª instância, "... todas as tentativas que foram efectuadas na Assembleia legislativa Regional da Madeira com vista a criar comissões para investigar casos de corrupção, ou para criar um regime de impedimentos e incompatibilidade semelhante ao existente na Assembleia da República, foram derrotadas pelo PSD-Madeira, cujo grupo parlamentar, na sequência da intervenção do réu (o líder do PS-Madeira) sobre a impunidade dos fenómenos de corrupção, pediu um exame às faculdades mentais do réu".

Parece desnecessário referir a forma violenta, contundente ou mesmo ordinária como o visado se refere aos seus adversários políticos, mas o tribunal não deixou de notar que o líder do PSD-Madeira apelidou os deputados da oposição de "bando de loucos", considerou uma dirigente nacional do PS uma "delinquente", afirmou que o então primeiro-ministro "roubava" a Madeira.

Tudo expressões que serão, eventualmente, excessivas mas que se têm de ter como aceitáveis no debate político, nomeadamente nos períodos eleitorais. E, por tudo isso, o líder do PS-Madeira foi absolvido, absolvição que veio a ser confirmada pelos juízes desembargadores Paulo Rijo Ferreira, Afonso Henrique e Rui Torres Vouga, que consideraram não existirem razões que tornassem "necessária numa sociedade democrática a limitação da liberdade de expressão do líder do PS-Madeira relativamente à actuação política do presidente do Governo Regional", acrescentando, que "... pelo contrário, tal exercício mostra-se concretamente adequado ao escrutínio dos agentes políticos garante de uma sociedade democrática".

Mas não é só quando estamos perante críticas a políticos que deve ser respeitada a liberdade de expressão, como resulta de um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães do passado dia 16 de Janeiro.

Um cidadão que tinha sido interpelado e detido por dois agentes da GNR escreveu uma queixa ao Comando Territorial daquela corporação em Braga, relatando os abusos de que se julgava vítima e acusando os agentes em causa de diversos comportamento incorrectos e violadores dos seus direitos. Os agentes sentiram-se ofendidos e queixaram-se. Na 1.ª instância, o cidadão foi condenado em pena de multa e a pagar indemnizações de € 1 000 euros a cada um dos agentes mas recorreu e, felizmente, num acórdão relatado pela juíza desembargadora Maria Augusta Moreira Fernandes, a sentença foi revogada e absolvido o cidadão em causa.

Para o Tribunal da Relação, as afirmações que tinham sido consideradas ofensivas tinham sido escritas pelo cidadão em causa numa "participação" em que o participante descrevia a sua versão dos factos, emitindo a sua opinião, em tom de protesto quanto à forma de actuação dos agentes da GNR no exercício de funções, que considerava incorrecta, mas sem lhes fazer qualquer ataque pessoal. Essas afirmações tinham sido produzidas "com o claro e legítimo intuito de denunciar comportamentos alegadamente incorrectos por parte dos agentes da autoridade, no exercício das suas funções, direito que numa sociedade democrática assiste a qualquer cidadão". Direito que, num país pequeno e que preza a subserviência, é muitas vezes esquecido ou negado. Advogado (ftmota@netcabo.pt)

P.S.: Declaração de interesses: fui o advogado do líder do PS-Madeira no processo judicial que o opôs ao presidente do Governo Regional da Madeira.

Sugerir correcção