Lana Del Rey em partes

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Antes da sessão fotográfica para a "Q", Lana Del Rey enviou um e-mail com imagens de Sissy Spacek em "Carrie" e "stills" das "Virgens Suicidas", de Sofia Coppola, e escreveu: "As sessões fotográficas antigas são todas muito bonitas, mas de uma energia vazia"

É a nova personagem mais badalada do planeta pop. Mas com os seus lábios à Mick Jagger, curvas à Rita Hayworth e pestanas à Elizabeth Taylor (num figurino American Apparel...), será Lana Del Rey real? "Tenho uma ideia nítida de como não quero ser olhada: como alguém que faz o que os outros lhe mandam".

Fitando a câmara, Lana Del Rey dá ares de mulher demoníaca no seu vestidinho branco, a cabeça cingida pela coroa de rainha do baile, com sangue a escorrer pela fronte abaixo. O semblante oscila entre o ar enlutado e os olhos da Carrie de Brian De Palma, com vontade de esfaquear alguém. Tem fotogenia de modelo, e a câmara acentua a vertigem azul dos seus olhos e o beicinho dos lábios.

Numa pausa para a sessão fotográfica da "Q", no seu estúdio em Londres, Lana aproxima-se de um ecrã de computador que exibe cada uma das fotos já tiradas. Aponta com a suas unhas de extravagante comprimento para uma que mostra o seu rosto em grande plano, com a maquilhagem borrada e a coroa torta. "Esta", diz, vendo-se assim dorida e maltratada. "Esta é a minha vida".

Lana Del Rey era quase uma perfeita desconhecida até publicar, em Setembro do ano passado, o vídeo (rodado pela própria) de uma canção assombrada, "Video games". O álbum que gravara como Lizzy Grant em 2008, "Lana Del Rey", só chegou ao iTunes em 2010, mas não permaneceu por lá muito tempo.

Com material recolhido de vídeos caseiros e imagens da cantora queimada pelo sol, o teledisco foi o suficiente para fazer de Del Rey uma sensação. No momento em que escrevemos, já conta no YouTube com dez milhões de visualizações, dando azo a milhentas reinterpretações por parte dos seus utilizadores e a versões de gente tão diversa quanto Kasabian, Bombay Bicycle Club ou Jamie Callum.

Sugerindo que Lana vinha ocupar o lugar de moça doce deixado vago por Cat Power, "sites" influentes como a Pitchfork apressaram-se a louvá-la como nova rainha do indie-rock. Mas as coisas mudaram desde que em Setembro o sardónico blogue de música Hipster RunOff postou o texto "Lana Del Rey: Exposta", em que se insinuava que Lana se tratava de um produto moldado pela sua editora, a Interscope. Não se fizeram esperar as dúvidas sobre se Lana tinha de facto composto a canção e filmado o clip. Ao mesmo tempo, a menina vinda de uma família endinheirada intrigava a blogosfera, ao falar da sua vida "white trash" num parque de "roulottes". Seguiram-se alegações de cirurgias plásticas, a ponto de se questionar a veracidade dos seus lábios: em fotos de actuações dos tempos de Lizzy Grant, não pareciam tão carnudos.

Assim se tece a fama contemporânea para Lana: num momento considerada uma revelação meteórica, no outro debatendo-se com acusações de que não passa de fabricação alheia sofisticada.

Apesar da arte da invenção e da mitificação fazer parte da tessitura da música popular dos dias de hoje (cf. Lady Gaga), suspeita-se que Lana irritou os fazedores de gosto apenas pela sua imagem e por não se resumir de todo a uma segunda Cat Power.

Ferdy Unger-Hamilton, o presidente da Polydor Records no Reino Unido, desmonta a ideia de que Lana é um fantoche seu, frisando só a ter conhecido pouco tempo antes de Setembro, mês em que a contratou.

Como muito poucos artistas, Lana tem perfeita noção do que pretende, controlando cada vertente da sua carreira. Raramente encontramos com talento quer para compor quer para cantar, e ainda por cima com uma grande sensibilidade visual, mas ela é essa raridade - faz tudo.

Finais de Novembro, uma semana depois da sessão fotográfica, tomo café com Lana Del Rey no seu quarto de hotel. Hipnoticamente bela, vestida apenas com um top branco curtinho e jeans, descalça e quase sem indícios de maquilhagem no rosto, mostra-se esclarecida, cativante e sempre doce. Com maneirismos de uma dama da alta sociedade dos anos 20 saída de um romance de Edith Warton, tanto ri como uma miúda como solta a mais estridente gargalhada. O quarto encontra-se imaculadamente limpo, sem desordem, impessoal.

Lana Del Rey nasceu há 25 anos como Elizabeth Grant, em Lake Placid, um vilarejo com menos de três mil habitantes situado na parte rural do estado de Nova Iorque. Rob, o pai, é agente imobiliário; Pat, a mãe, trabalhou numa agência de publicidade. Tem dois irmãos, Caroline e Charlie. Teve o típico crescimento pacato dos sítios pequenos, cantando no coro da igreja e estudando no liceu local até completar 15 anos, idade em que se pirou para um colégio interno no Connecticut.

Tem ideia do que fez aderir as pessoas a "Video games"?

É uma belíssima canção e canto-a num tom baixo, coisa que a poderá distinguir das outras. Quando a compus, fartei-me de tocá-la [para a gente da indústria] e não foi bem aceite. Como muitos outros acontecimentos dos últimos sete anos, é mais um marco pessoal. Sou eu em formato canção.

Equiparou a intensidade gradual da sessão fotográfica para a "Q" à sua vida...

Porque o Simon [Emmet] não parava de tirar fotos e dizia-me: "Dá-me uma expressão de quem não entende o que se está a passar", o meu rosto caía e ele respondia " É isso mesmo!". Pois, não é muito difícil...

Qual é o seu normal estado de ânimo?

Contente... e de mente pacificada. Algo que almejei muito, mais nova, por ter muitos conflitos pessoais.

Do que se recorda melhor dos seus dias em Lake Placid?

De ir de férias para a Florida e de ficar deitada ao lado do meu pai, virada para o mar. Não me lembro de muito mais... Lake Placid era calmo. Estávamos no meio de um parque nacional, a seis horas da cidade. Vivia muito dentro da minha cabeça, sem saber de onde tínhamos vindo e para onde íamos. Fui uma criança muito cerebral. A minha mãe diz que eu me comportava como uma adulta, e que os seus amigos eram os meus.

Não quereria dizer "precoce"?

Bem, não quis dizer, mas era essa a palavra, sim.

Foi alguma vez a "rainha do baile"?

Não. Só fui a um baile de finalistas. Quando era caloira, aos 14 anos.

Porque não?

[Pausa de dez segundos] Não sei... [pausa de 15 segundos], nunca fui convidada.

E depois foi parar a um colégio interno.

Não fui de livre vontade. Os meus pais obrigaram-me. Fui um bocado rebelde em miúda. Gostava de ficar até altas horas na rua.

Metafísica e "roulottes"

Lana diz-nos que sempre adorou cantar, mas que só começou a compor aos 18 anos, quando se mudou para Nova Iorque. Em Lake Placid, o seu parco conhecimento da música popular traduzia-se no facto de ter visto o vídeo de "Heart shaped box", dos Nirvana, em casa de um amigo. "Depois daqueles três minutos, fiquei obcecada com o Kurt Cobain."

Em Nova Iorque, estudou Metafísica na universidade, aprendeu a tocar guitarra e descobriu o hip-hop. O género, diz, inspirou-a: "Pessoas que contam as suas vidas - isso deu-me liberdade para escrever sobre qualquer assunto e tocar o que me desse na real gana."

"Pawn shop blues" foi a sua primeira canção. Um tema acústico melancólico, cantado num tom reconhecivelmente triste e grave. Levou-o ao palco pela primeira vez numa "open-mic night" em Brooklyn e num concurso de talentos locais. Não venceu a competição, mas não saiu de mãos a abanar: um dos membros do júri era um recrutador de talentos de uma pequena editora. Ofereceu-lhe um adiantamento de dez mil dólares que a levaria a colaborar com David Kahne, produtor que antes tinha gravado os Strokes e Paul McCartney. O adiantamente serviu para pagar a renda de uma roulotte alugada num parque em Nova Jérsia. O disco gravado com Kahne foi quase de imediato posto de parte.

Parece complicada a Metafísica.

Nem por isso. Senti-me reconfortada por conhecer outros pensadores que se perguntaram porque estamos aqui. As origens do universo...

Obteve alguma resposta?

Hmmm...Chamam à Filosofia a ciência das perguntas sem resposta, mas encontrei a minha razão pessoal de ser, que é servir quem está à minha volta da melhor forma possível.

Como foi a mudança para Nova Iorque?

Imaginei-a exactamente como veio a comprovar-se: a coisa mais bela do mundo. Desde que cheguei, a minha vida dividiu-se em música e trabalho de serviço social, são esses os meus dois mundos. Gosto de sair e ver o que acontece, mas não "saio" à noite.

Que tipo de trabalho social?

Em parte, auxilio sem-abrigo a recuperarem os seus números de segurança social, para que possam a candidatar-se a novo emprego. Há outros aspectos, como partilhar estratégias que possam facilitar-lhes as vidas. É algo que faço com um pequeno grupo de pessoas que conheço desde os 18 anos.

O que sentiu quanto tocou pela primeira vez para um público?

O mesmo que agora: medo. Tinha 18 anos e fui com a minha guitarra até um sítio em Brooklyn, na Bedford Avenue. Toquei a única canção que tinha, saí, e dois rapazes seguiram-me até à rua. Disseram-me: "Tens jeito, vem abrir o nosso espectáculo". Logo aí percebi que me preparava para ter uma simples carreira em Brooklyn. Poderia fazer a primeira parte para quem quer que fosse... foi isso que fiz durante alguns anos.

As primeiras canções tinham sem dúvida a sua marca, mas pecavam por não estarem tingidas do negrume de "Video games" ou "Blue jeans".

Talvez lhe envie o meu disco de estreia. Ainda hoje me inspiro nas mesmas coisas... a minha vida, tudo o que é belo, sejam certas bandas-sonoras de filmes ou a velha arquitectura de Wall Street. Esta é apenas uma nova fase. Se mais negra, não sei bem.

A parte da "roulotte" atira-nos para o mundo gótico...

Não quero falar sobre isso. Sei que, para além da minha imagem, é um dos assuntos dos quais as pessoas gostam de falar. Em todo o caso, um jornalista descobriu uma entrevista de 2008 que eu dei no parque. Não tinha onde viver quando a minha primeira editora me deu dez mil dólares para a mão - não "glamourizo" a minha pobreza. Pagava 500 dólares por mês para ter a minha casa. Foi bom. Mas não esperava que as pessoas pegassem nisso e o integrassem na "História".

Um mundo pessoal

Estamos a 16 de Novembro, Lana prepara-se para dar o terceiro concerto da sua digressão pelo Reino Unido, com a lotação do londrino Scala completamente esgotada. Há mais de dois anos que Lana não tocava ao vivo.

Entra em palco, de calças brancas e expressão nervosa, acolhida por gritos de encorajamento.

O alinhamento apresenta apenas oito canções, mas isso não faz calar ou esmorecer as gargantas de quem pagou para a ver. Entretanto, Lana canta quase rente ao silêncio, parecendo parar o ar da sala. Uma mulher ao meu lado diz à amiga: "Não sou lésbica, mas ia com ela para a cama."

Quando se fala da sua imagem, pela forma como a olham, as reacções dos homens são óbvias. A surpresa vem do outro lado, em comentários "on-line" em que as mulheres confessam que você as faz questionar a sua sexualidade.

Ah, ah! Não esperava que você fosse por aí, querido. Ainda não o testemunhei.

Você sabe do fascínio que exerce: o lado de enigma?

Isso não tem nada a ver comigo. Não sou assim tão misteriosa e tudo o que disse é verdade. Escrevi as canções e realizei os vídeos. Nunca procurei o ângulo enigmático.

Segundo a Wikipédia, o seu nome de palco remete para a actriz de Hollywood Lana Turner e para o carro Ford Del Rey.

Merda da Wikipédia! Não faço ideia em que filmes entrou a Lana Turner. Escolhi Lana porque é bonito, tal como Del Rey. Não é uma "persona". Inicialmente fazia arte - fazia os meus vídeos ao som de música clássica. Apenas arranjei um nome para o mundo musical que estava a construir.

Os Strokes acham que chegaram na altura certa, pois então ninguém tinha imagens do seu passado em bandas terríveis e roupas pirosas.

Interessante. Sabe, hoje as editoras já não podem gastar dinheiro só numa pessoa. Fui contratada porque já tinha grande base de fãs. Eu formei-me como artista muito antes de me tornar conhecida.

Sempre em fuga

Outros factos sobre Lana Del Rey. Não gosta de viagens de avião. Nunca se lembra dos sonhos. Cheira bem, mas não usa perfume. Canta num susurro "coquette" uma versão de "Why don"t you do it right?", tornada famosa pela voz de Kathleen Turner como a animada "femme fatale" Jessica Rabbit em "Quem Tramou Roger Rabbit?".

Lembramo-nos de um momento visual em "Kind out luck": "Femme fatale, always on the run, diamonds on my wrist, whiskey on my tongue"...

Gosta? Nessa canção há outros versos que resumem melhor quem sou. Não sou "femme fatale" e já não bebo.

Está sempre em fuga, com diamantes no pulso?

Sim, aí acertou.

Deixou de beber. Que tipo de bêbada era?

Apenas bebia muito. Já não bebo desde os 18.

Quem lhe deu o seu primeiro desgosto de amor?

Alguém do liceu. Ele era lindo. Sempre que o via, ficava vermelha como um tomate.

Quem é o maior?

Elvis. Qualquer período. Primeiro pelo rosto, depois pela voz. Jeff Buckley. Kurt Cobain.

Acabaram todos mal...

Não é a tragédia que me seduz - gosto mesmo da música. Ouço-os quando estou em casa. Fazem-me sentir bem.

Tigres, sexo e morte

Na semana anterior à sessão fotográfica, Lana enviou-me um e-mail com imagens de Sissy Spacek em "Carrie" e "stills" das "Virgens Suicidas", de Sofia Coppola, em anexo.

Escreveu: "As sessões fotográficas antigas são todas muito bonitas, mas de uma energia vazia". Sugeriu o tom e o estado de espírito das fotos, de modo a que a reflectissem melhor quem ela acha ser.

Mais revelações sobre "Born To Die", álbum que acaba de lançar. O registo demorou 16 meses a ser gravado e contou com o dedo sugestivo de vários produtores, como Jeff Bhasker, colaborador de Kanye West. Lana escreveu-o passeando por Nova Iorque, gravando palavras cantadas e melodias no telemóvel, e sentada no estúdio com um produtor que a ajudou a fazer das palavras música.

Na sessão, acompanhada pelo seus dois agentes, relações públicas e estilista observam calados o que Lana diz, sem medo, gostar e não gostar. Logo se risca uma cenografia por ser "demasiado "Playboy"". Ao almoço mostra-me a versão final do vídeo da faixa-título do álbum - tigres, sexo, morte e o diabo a quatro. Diz que exigiu muito dela, mas não sabe porquê.

Na versão ao vivo de "Born to die", canta " Let me fuck you hard in the pouring rain...", que transformaram em "Kiss you".

"Fuck you hard" é melhor. Estou a cantar para o meu namorado e não sobre foder. Sobre... quando conhecemos alguém que nos faz muito felizes, como nunca nos tínhamos sentido antes.

O que acha que acontece, metafisicamente falando, quando morremos?

Aconselharam-me a não pensar nisso porque me preocupa. Não consigo funcionar quando tenho medo.

Escreva o próximo capítulo...

Gosto do disco. Do resto não tenho a certeza. Gostaria de regressar a Nova Iorque, e de continuar o trabalho que sempre fiz lá, fora da música.

Como quer que nós a olhemos, Lana Del Rey?

Tenho uma ideia mais nítida de como não quero ser olhada: alguém que faz o que os outros lhe mandam.

* Exclusivo PÚBLICO/IFA

Tradução de Bruno Sousa Villar

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