O Verão é sempre que um moço quiser

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Começaram todos a ouvir música graças à colecção de discos dos pais, e graças a isso acabaram por encontrar um universo comum: guitarras pop secção indie dos anos 1980, baixo e bateria em oscilação funk branco, voz melodiosa, muito cuidado nos arranjos

Nem todas as canções de Verão apelam à euforia. As dos Capitães da Areia podem ser ouvidasem Janeiro, quando a nostalgia dos dias de sol regressa. João Bonifácio

Estávamos sentados na esplanada do Frutalmeidas na Avenida de Roma na cahahapital do Império quando de repente se deu uma aparição que fez todo o sentido. Vindo de lado nenhum materializou-se à nossa frente Rui Pregal da Cunha, o antigo vocalista dos Heróis do Mar, que, com a tranquilidade dos guerreiros em descanso, distribuiu apertos de mão. Abençoou os quatro rapazes e depois foi à sua vida.

Foi uma espécie de passagem de testemunho simbólica. Os Heróis do Mar foram dos primeiros símbolos recuperados pelos Lacraus de Tiago Cavaco e pel"Os Golpes de Manuel Fúria. E agora os Capitães de Areia, uma espécie de segunda geração da Amor Fúria, editora criada por Fúria, recebiam a benção do guru.

Os Capitães da Areia são a mais recente encarnação da pop portuguesa tal como sonhada por Manuel Fúria. "Verão Eterno", o disco de estreia, recorda Orange Juice e Radar Kadafi no balanço tépido de canções que mais que de Verão são "daquela hora da tarde em que deitas na toalha a ler um livro com um solinho bom e depois adormeces", no dizer de Capitão Pedro, o moço da voz.

Também há guitarras africanas herdadas da colecção de discos do pai de Capitão Tiago, o rapaz das seis cordas, que era da Marinha, linhas de baixo saídas da pop britânica dos anos 1980 e uma luz crepuscular nos refrões, uma luz como aquela que brilhava no rabo do protagonista do primeiro single dos Smiths, influência notória destes rapazes.

Ao contrário do que estipulam os manuais pop, este quarteto não é composto por uma data de amigos de infância que se uniram em torno da música para vencer as vicissitudes da vida num bairro miserável.

"Eu sou de Coimbra e vim para Lisboa com 19 anos, para estudar", conta Capitão Pedro, enquanto beberrica um sumo de kiwi. "Uma das coisas que queria fazer quando viesse para cá era formar uma banda pop. A pessoa com quem vim viver era membro d"Os Golpes e um dia apareceu lá em casa o Manuel Fúria que sugeriu que eu avançasse e editasse pela Amor Fúria. Depois fui procurar as pessoas indicadas - bastava dizer que sim para entrarem porque as pessoas normais diriam logo que não. Foi assim que nos conhecemos. Só depois é que nos tornámos amigos".

O único dos Capitães d"Areia que Pedro já conhecia era o baixista Vasco, que, nas palavras do próprio, representa "a facção mais rock do pouco rock que os Capitães têm". Aparentemente Vasco costuma levar para os ensaios discos dos AC/DC mas os parceiros não ficam deslumbrados. "Ele leva AC/DC e diz "Olhem bem esta malha". E é sempre igual", conta Tiago, reportando-se à principal divisão sonora dentro da banda.

"Eu tinha conhecido o Vasco num esquema de corrupção", continua o homem das vozes. "Fizemos parte do mesmo campo de férias, e eu era o animador do grupo dele. Num jogo beneficiei a equipa dele, porque eram os piores mas eram os mais simpáticos. Combinámos fazer qualquer coisa quando eu viesse para Lisboa, uma empresa, uma fábrica de bolos".

A empresa e a fábrica de bolos ficaram para segundas núpcias quando Fúria picou Capitão Pedro para formar uma banda. "Só precisávamos de um moço para tocar tambores e outro para tocar seis cordas. Queríamos um loiro. Chegámos a ter um loiro, que era o capitão Fred, mas quando começámos a trabalhar mais na coisa pop o loiro foi estudar arquitectura para Roma".

O método para recrutar os restantes elementos está algures entre o punk e a boys band. "Quando falei da banda com o Fúria deixei a coisa andar. Mas uns meses mais tarde ele perguntou-me se já tinha avançado. Percebi que ele estava a falar a sério, por isso marquei logo um ensaio para uma semana depois. E tive de arranjar as pessoas. Não havia hipótese de experimentar - eram aquelas ou nenhumas. O único passaporte para entrar na banda era dizer que sim".

Se é para dançar

é para dançar

Contudo, têm gostos em comum bem como histórias de melomania parecidas - começaram todos a ouvir música graças à colecção de discos dos pais, por exemplo. Graças a isso acabaram por encontrar um universo comum: guitarras pop secção indie dos anos 1980, baixo e bateria em oscilação funk branco, voz melodiosa, muito cuidado nos arranjos.

E há todo um imaginário de nostalgia da adolescência ao redor da banda - o que tem uma certa graça se pensarmos que o mais velho, Capitão Pedro, tem 23 anos, e os mais novos, Vasco e António (tambores), têm apenas 19.

"Aquilo que as pessoas chamam o nosso imaginário somos nós sem máscaras", diz Pedro, contrariando a nossa ideia inicial, de que eles teriam pensado ao milímetro cada aspecto da imagem (roupas, vídeos, libreto do disco). "Simplesmente assumimo-nos como somos".

Olhando para a roupa pode dizer-se que sim: Pedro veste as mesmas calças azuis bebé e o mesmo casaco de marinheiro que usa no libreto do disco, Tiago as mesmas calças vermelhas. Todos levam os mesmos ténis de pano branco. Não custa imaginar que se vestem assim todos os dias.

Segundo Tiago o disco chama-se "Verão Eterno" porque "a ideia não é estas canções fazerem sentido só no Verão, é fazerem sentido sempre". "Quem ouve o disco", completa, "acaba por perceber que nós não pensamos só em praia".

Ainda assim o vídeo para o primeiro single saído do disco põe rapaziada a perseguir de carro um segundo carro repleto de miúdas de aspecto bem nutrido (que antes lhes haviam roubado a roupa). É uma adolescência idealizada, mas eles dizem que "foi o vídeo possível: soubemos no dia anterior às seis da tarde que íamos gravar no dia seguinte às nove da manhã. Foi a ideia que arranjámos nesse intervalo" (Pedro).

Mesmo admitindo que estas canções não foram feitas apenas para serem apreciadas no Verão elas foram feitas com um objectivo que é obrigatório num êxito de Verão: fazer dançar. "Trabalhamos muito o baixo e a bateria", diz Tiago. "Damos muita importância ao ritmo, mudamos muito de ritmo na mesma canção". Pondo as coisas de forma mais simples (cortesia de Capitão António, homem dos tambores): "Se é para dançar é para dançar". (O moço das vozes, no entanto, admite que se as pessoas "estalarem os dedos ou baterem o pé ou abanarem a anca" eles já ficam satisfeitos).

Quando dois pares de garotos se juntam para fazer música pop por norma esperam tomar o mundo. Os Capitães da Areia não. "O nosso plano não é dominar o mundo", diz Capitão Pedro. "É dominar os PALOP". E têm guitarras para isso.

Ver crítica de discos págs. 30 e segs.

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