A Europa do diktat da Alemanha

As exigências ontem apresentadas pelo par Merkozy fazem lembrar uma reparação de guerra

Tendo como cenário as bandeiras da Alemanha e da França a esconderem a quase totalidade da bandeira da União, o directório europeu apresentou os seus planos para a cimeira do final da semana que pretende salvar a moeda única. Se no dia anterior tínhamos visto uma ministra italiana a chorar pelos sacrifícios que pedia aos cidadãos, ontem, em Paris, assistimos ao diktat dos poderosos da Europa e à revelação dos seus interesses. Nada do que aflige os espanhóis, gregos, irlandeses, italianos ou portugueses foi, de facto, considerado e atendido. Com força suficiente para decretar que será o Conselho Europeu, e não a Comissão, a gerir a economia da Europa, com segurança para mudar as regras do processo de decisão do mecanismo de estabilidade que anteciparam para 2012, com sobranceria capaz de impor a inscrição nas constituições nacionais da regra de ouro do défice zero, a Alemanha prepara-se para germanizar a Europa. Nada de eurobonds que mutualizem parcialmente as dívidas, nada de BCE para aliviar os juros aos aflitos, nem uma palavra sobre a disposição da Alemanha em gastar mais para equilibrar o seu gigantesco superávite comercial (e os défices de quase todos os outros), zero sobre crescimento, futuro e esperança. Mesmo aceitando que é indispensável "reforçar e harmonizar" a integração fiscal e orçamental da zona euro, as exigências do par Merkozy fazem lembrar uma reparação de guerra. São exigências atrás de exigências aos perdedores e aflitos, mas nada que exija empenho, dinheiro e solidariedade. Será talvez por isso que, apesar da estabilização dos mercados, a Standard and Poor"s admitia ontem à noite baixar o rating de seis países, incluindo a Alemanha. Se o euro tem um valor, afinal, é o da parceria.

Jobs for the boys? Não digam à troika!

OGoverno está sempre a dizer que quer "ir mais longe" que o memorando com a troika. Mas isso é em matéria de austeridade. Se estivermos a falar em nomeações para a saúde, tudo fica virado do avesso. A troika recomendou que os presidentes e administradores dos hospitais "deverão ser, por lei, pessoas de reconhecido mérito na saúde". Mas aqui há uma outra lei que fala mais alto do que a da troika. É a doença incurável do regime, os jobs for the boys, ou seja a distribuição de cargos em função das pressões partidárias. Isso aconteceu em vários hospitais do país, como relatamos nesta edição do PÚBLICO, mas num outro sector da governação, as nomeações para o Instituto do Emprego e Formação Profissional afinaram pelo mesmo diapasão... Ora se o Governo quer manter a sua legitimidade, não pode querer ir mais longe do que a troika quando precisa de ir ao bolso do cidadão e ficar aquém da troika quando está em causa a distribuição dos lugares em função não do mérito mas das conveniências partidárias. Os sacrifícios são justificados por uma situação de urgência nacional. Não é aceitável que a eles não corresponda uma moralização do aparelho do Estado.

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