O vison americano não serve só para fazer casacos, também ameaça a lontra e o toirão

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Muito procurado para casacos, é uma ameaça para recursos marinhos Wayne Lynch/All Canada Photos/Corbis

Terá sido a indústria que produz animais para a utilização das suas peles a responsável pela introdução "acidental", em Portugal, de uma espécie exótica que está a colocar em risco recursos marinhos e a sobrevivência de animais que já tinham o estatuto de espécie ameaçada. Há mais de duas décadas que o vison americano, uma espécie invasora oriunda da América do Norte, prolifera em território nacional sem qualquer tipo de controlo.

Alguns biólogos portugueses já estudaram este pequeno carnívoro (mustela vison), mas só no ano passado arrancou o projecto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia que tem por objectivo a caracterização da espécie e da forma como vive em Portugal. O estudo decorre até 2012, a cargo do Centro de Biologia Ambiental da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A coordenadora, Margarida Santos Reis, apesar do trabalho em curso, considera que "há muito que se deveria ter começado a actuar, até porque a situação estava muito confinada ao canto Noroeste do país".

Acredita-se que o vison americano (ou visão-americano, como também é denominado) foi introduzido em Portugal no final da década de 1980. Segundo biólogos espanhóis (Vidal Figueroa & Delibes, 1987), terá ocorrido de forma acidental, com os animais a fugirem de uma quinta de criação em Valença. Os primeiros visons americanos em liberdade foram detectados no rio Minho, na fronteira com a Galiza.

"É um animal muito cobiçado, por causa da sua pele", explica o zoólogo Hugo Costa. Foi para dar resposta à procura intensa de casacos de pele de vison pela indústria da moda, que o vison americano foi introduzido na Europa. Espalhou-se por diversos países, com maior incidência em Espanha, Rússia, e países bálticos, colocando em risco espécies endógenas e até recursos marinhos (o que, nos próximos anos, poderá ter impacto nas pescas). O animal, com hábitos semi-aquáticos, que vive em ambientes de água doce ou salgada, já foi detectado no litoral do Grande Porto, no Gerês e no Tua.

"Nós até lhes temos um certo carinho", confessa o pescador Vasco Presa, que convive diariamente com o vison americano no portinho de Vila Praia de Âncora. O animal foi detectado pela primeira vez há cerca de três anos e por ali tem andado graciosamente, procriando e convivendo com a população. Esta aparente ausência de receio do vison americano perante o ser humano é explicada por Francisco Álvares, biólogo do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, com o facto de o bicho nunca ter sido perseguido em território nacional. "O visão-americano é um animal que a maioria dos portugueses não conhece. Mesmo quando o vêem, olham para ele e não sabem o que é."

Vasco Presa sabe que é com a pele do vison americano, com um pêlo escuro e brilhante, que se fazem casacos, mas nada disso lhe interessa. O animal não lhe perturba a vida. "Apenas caça uns camarões no portinho e come alguns ratos", conta o pescador. Nada que incomode os homens do mar. Por enquanto.

Hugo Costa explica que o vison americano compete com espécies nativas, algumas já ameaçadas, mesmo antes da entrada deste animal exótico ter sido introduzido no seu habitat. O toirão e a lontra, que disputam o mesmo território do vison e que têm características físicas muito semelhantes, são as que se encontram na situação de maior risco. "Em termos de consumo de recursos alimentares, de anfíbios e de pequenos mamíferos, o vison americano acaba por ser um predador adicional à nossa fauna, que vai acabar por comer aqueles pequenos animais todos", sublinha o zoólogo, que classifica esta situação como verdadeiramente "problemática". "Se a população de visons americanos crescer muito, pode diminuir a de algumas comunidades de anfíbios e de micro-mamíferos", argumenta.

Outro risco passa pela hibridação (cruzamento entre espécies diferentes), com a lontra e o toirão, o que levaria a perder-se "o património genético de uma espécie ameaçada", alerta Francisco Álvares.

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