Al-Jazira Como a "CNN árabe" mudou o Médio Oriente

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À esquerda, um apoiante da oposição egípcia ergue um portátil que mostra imagens captadas pela Al-Jazira das comemorações na Praça Tahrir após a demissão de Hosni Mubarak Dylan Martinez/reuters

Em 2000, ao visitar a sede da Al-Jazira, no Qatar, o então Presidente egípcio, Hosni Mubarak, ficou atónito e terá comentado: "Todo este ruído vem de uma pequena caixa de fósforos?" A completar este mês 15 anos de existência, o canal que deu a conhecer aos árabes o rosto e a narrativa do "inimigo" israelita transmite em directo as revoluções no Médio Oriente a 220 milhões de casas em pelo menos 100 países. É agora uma cadeia global, mas não está isenta de críticas, porque estará a ser implacável com ditadores, como o sírio Assad, mas complacente com outros déspotas, como o emir do Bahrein.

Apouco mais de 30 minutos do aeroporto, depois dos desafios das rotundas sem semáforos, uma placa verde tem escrito, em árabe e em inglês, "rotunda da televisão". O nome anuncia a chegada à sede da Al-Jazira em Doha, capital do emirado do Qatar. Pelo caminho, ficam os carros de alta cilindrada e os prédios altos e modernos, alinhados ao longo da costa e iluminados de cima a baixo assim que o dia escurece.

Três edifícios de betão pintados de bege, de vidros e telhados azuis, constituem o essencial da sede: a redacção em árabe (Al-Jazira Channel), a redacção em inglês (Al-Jazira English) e o escritório do director-geral que ocupa um edifício inteiro. Como em qualquer outro lugar na cidade, o calor húmido que ainda se sente numa tarde de Novembro contrasta com o ar condicionado dos edifícios.

Dentro da Al-Jazira English, um corredor separa o hall de entrada e a redacção, dando para espreitar para os gabinetes envidraçados onde se reúnem fotógrafos, operadores de câmara, jornalistas e editores. A porta da redacção está aberta e os jornalistas ocupam grupos de mesas compridas, rodeados por vários ecrãs. Em todos se vê a emissão em directo, a ser gravada naquele instante na mesma sala e que chega a mais de 220 milhões de casas em pelo menos 100 países.

Atrás das câmaras, e apenas a uns metros, preparam-se as emissões e os conteúdos do site em inglês, no meio do ambiente habitual de uma redacção: jornais empilhados, copos de café, telefones a tocar e discussões sobre os temas a incluir ou as melhores abordagens. No piso de cima, instala-se um grupo mais pequeno de jornalistas encarregado diariamente da elaboração da agenda.

As conversas fazem-se em inglês, tanto nos corredores como no bar à entrada, onde se vêem afixadas fotografias de repórteres a cobrir alguns dos momentos mais marcantes da estação. É aqui que acontece uma parte do que chega da Al-Jazira aos países ocidentais: conteúdos em inglês, num canal com estúdios em quatro cantos do mundo e mais de 65 delegações com correspondentes.

Criado em 2006 pelo anterior director-geral, Wadah Khanfar, o canal em inglês foi parte da aposta na expansão e projecção internacional da estação. Dele fazem hoje parte grandes nomes de jornalistas como David Frost, Stephen Cole ou Darren Jordon, que abandonaram a televisão britânica BBC a convite da Al-Jazira. Outros como Rizwan Khan, Rob Reynolds e Sami Zeidan, que saíram da CNN, ou Barbara Serra da Sky News, destacam-se entre as contratações em que a Al-Jazira investiu desde a abertura do canal. Contratações justificadas pela qualidade e pelo profissionalismo dos jornalistas, segundo disse à Pública Mostefa Souag, director do canal árabe, também ele um antigo jornalista da BBC Arabic. Paralelamente, as contratações dos grandes jornalistas evidenciam também a competitividade que existe pelas audiências.

A história da Al-Jazira está, porém, enraizada no edifício ao lado, o da redacção do canal em árabe, que foi para o ar pela primeira vez em Novembro de 1996 e que por isso comemora este mês o 15.º aniversário. Nele se centram as maiores controvérsias da cobertura jornalística feita para o mundo árabe, a partir do Médio Oriente. É dele que saem as principais críticas que transformaram a Al-Jazira num alvo de ameaças e ataques nos últimos anos. Foi durante uma visita à redacção que o anterior Presidente do Egipto, Hosni Mubarak, ainda distante da queda do seu regime, a descreveu como "uma caixa de fósforos".

A antiga sala continua hoje a ser utilizada, contrastando no entanto com um espaço mais recente e semelhante à redacção do canal em inglês. Os dois canais operam independentemente em termos de decisões editoriais, optando por abordagens e temas diferentes, dirigidos a dois tipos de audiências distintas. As diferenças encontram-se também nos corredores do canal árabe: pelas caras das estrelas da televisão e as fotografias dos jornalistas que fundaram a estação ou que fizeram parte do canal nos últimos 15 anos.

Há ainda três quadros afixados em homenagem a três repórteres que morreram em trabalho: histórias que para quem percorre diariamente esses corredores são bem mais do que apenas nomes. Um deles é o de Rashid Wali, um assistente de câmara iraquiano que morreu em Maio de 2004, em Karbala, no Iraque, enquanto cobria um confronto entre o exército norte-americano e uma milícia iraquiana. Rashid trabalhava com Laith Mushtaq, repórter de imagem, que ainda hoje recorda o momento preciso em que o amigo foi atingido mortalmente.

Filmar a guerra

A história de Mushtaq é, aliás, contada com pormenores vividos, de quem encara o trabalho para a Al-Jazira como "um início e um fim". O início deu-se em 2003, quando um jornalista no Iraque lhe perguntou se quereria juntar-se ao canal árabe. Ainda que a prática como repórter de imagem fosse muito curta, uns dias depois Laith iniciava a primeira semana à experiência. O jornalista com quem tinha falado e que acompanharia os seus primeiros trabalhos era, afinal, Wadah Khanfar, que chefiou a delegação do canal em Bagdad, três anos antes de assumir o cargo de director-geral da Al-Jazira. De mãe e pai iraquianos, Laith nasceu em Badgad e assistiu ao começo da guerra. A semana de experiência passou depressa e, um mês depois, estava a ser detido pela primeira vez, durante uma noite, pelo exército norte-americano.

De um momento para o outro, Laith Mushtaq via-se a filmar a guerra no país onde nasceu, a mesma guerra que um tempo antes tinha causado a morte da irmã, com pouco mais de 20 anos. "Um míssil americano atingiu a nossa casa e matou-a. Quando entrei em casa e a procurei, não consegui encontrar o corpo dela, nem uma mão." Só mais tarde receberia, num saco, o que seria encontrado nos destroços. "Alguma coisa mudou em mim desde então. Sentir o topo da dor acho que relativiza o resto", disse à Pública.

Nos meses seguintes, Laith cobriu os confrontos nas ruas onde as pessoas, a língua e os sítios lhe eram familiares. "Um dia, Wadah ligou-me a gritar, perguntou-me o que é que me tinha passado pela cabeça para ter filmado as imagens que lhe tinha enviado. Não percebi o problema. Dias antes eu tinha visto um homem entrar num carro para levar o filho ao hospital, mas os iraquianos em geral não sabiam interpretar os sinais dos soldados americanos nos checkpoint. Ele não parou e foi atingido na testa. Eu fui lá e filmei-o em detalhe", conta. "Só um tempo depois dei conta do que tinha feito e do que se passava comigo."

Durante a primeira batalha de Fallujah, Laith Mushtaq aproximava-se daquilo de que todos fugiam, como Ahmed Mansour, jornalista que cobria a guerra com o repórter de imagem, escreveu no livro Inside Fallujah: the Unembedded Story. Mas Laith diz lembrar-se hoje das imagens e dos cheiros, os mesmos que o perseguiam desde a morte da irmã.

Quando o inquirimos se é possível fazer uma cobertura imparcial de uma guerra que lhe é tão próxima, Laith garante que sim. "Não sou iraquiano, ou muçulmano, ou sunita, ou xiita, quando seguro a câmara. Não é fácil, mas não sou. E se me perguntarem se é possível direi: sim, é." Durante um tempo, Laith esteve embedded, a acompanhar os soldados norte-americanos num helicóptero Black Hawk. "Íamos conversando normalmente. Mas um dia estávamos sentados para almoçar e um dos americanos disse-me que tinha saudades da família. Mostrou as fotografias, disse o nome das filhas e da mulher. Nesse momento, tive de lhe perguntar o que é que faria se alguém as atacasse. Disse-me que sacrificaria a vida dele e eu contei-lhe da minha irmã. Ele pediu desculpa pela morte de civis no Iraque e voltámos ao trabalho."

Por várias vezes, ser repórter da Al-Jazira trouxe problemas a Laith, fosse com o exército, fosse até com os iraquianos, que "não sabiam como lidar com os media e eram levados a acreditar que a Al-Jazira era um perigo". Vários ataques físicos, mas também aos carros e à delegação, marcaram o seu primeiro ano de trabalho. Seria Laith quem filmaria pela última vez a delegação de Badgad que foi destruída e, em Agosto de 2004, deixaria o Iraque para ir para a sede do canal no Qatar. Foi a última vez que viu Badgad.

Em Novembro, Laith Mushtaq partiu para cobrir as eleições no Afeganistão, onde esteve seis meses e acabou por fazer um documentário sobre a produção de droga. "Nos últimos oito anos de trabalho, a Al-Jazira deu-me imenso e tive oportunidade de me testar a mim mesmo. A redacção funciona como uma espécie de família, criticamos o trabalho uns dos outros e a maior parte das pessoas acredita naquilo que faz", conta. "Se algum dia deixar a Al-Jazira, será porque escolhi fazer outra coisa na vida."

De canal a cadeia

As histórias dentro da estação multiplicam-se, sobretudo nos últimos cinco anos, em que a Al-Jazira se expandiu. Foi lançado na semana passada o canal e o site Al-Jazira Balcãs, com sede em Sarajevo, e está anunciada a abertura de um canal em turco e outro em suaíli, para se juntar aos já existentes: um canal de documentários, um de desporto e um com emissões exclusivamente em directo (a Al-Jazira Mubashir), todos em árabe, para além de um centro de formação em jornalismo e um centro de estudos dedicado a investigação académica. Por ocasião do aniversário, o centro de estudos organizou uma conferência em Doha que juntou académicos, analistas, jornalistas e os principais responsáveis pela estação.

Durante dois dias e com transmissão em directo, em árabe, discutiu-se o papel da Al-Jazira nas revoluções, o impacto das redes sociais e dos novos media, a ligação com o Qatar e o caminho futuro da estação. Se este ano se comemora a história e crescimento da Al-Jazira, celebra-se também a Primavera Árabe e a liberdade, disse na conferência Mostefa Souag, que assumiu o cargo de director do canal árabe ainda este mês. "A Al-Jazira foi criada para cobrir as notícias de uma forma profissional, trazendo à luz a verdade, os factos como eles são e apresentando todas as opiniões e perspectivas", disse Souag à Pública.

Em 1996, quando foi lançado, com os jornalistas do serviço árabe da BBC então extinto, o canal veio "preencher um vácuo", disse durante a conferência Ibrahim Helal, director de notícias. Até então, a cobertura dos países árabes era feita por canais de informação como a BBC ou a CNN, com uma abordagem aos olhos do Ocidente. A Al-Jazira surge como o primeiro canal com notícias 24 horas por dia, vista como a "CNN do mundo árabe". Começou a desvendar e criticar a corrupção, o autoritarismo e repressão, o desemprego e as condições sociais, políticas e económicas de países como a Tunísia, o Egipto ou a Líbia. Para Adel Iskandar, académico e co-autor de uma das principais obras de referência sobre a Al-Jazira (Al Jazeera: How the Free Arab News Network Scooped the World and Changed the Middle East), a estação veio mudar o panorama dos media árabes. "A emergência da televisão de satélite descentralizou o monopólio que os meios de comunicação estatais tinham na informação", disse à Pública. "Normalizou-se a dissidência e aquilo que eram apenas perspectivas alternativas passaram a ser expectativas."

A Al-Jazira também optou por trazer apoiantes e opositores dos governos para debates, "mostrando como é possível discutir de forma civilizada, mesmo entre oponentes", lembra Souag. Um exemplo é um tipo de abordagem até então inexistente do conflito entre Israel e a Palestina, pondo no ar entrevistas a líderes e responsáveis políticos israelitas, "um absoluto tabu de acordo com os padrões dos media árabes", considera Iskandar. Para Souag, convidar os líderes israelitas para o debate não foi, em si, uma das mudanças que a Al-Jazira trouxe. "Isso foi apenas parte do profissionalismo que quisemos ter desde o início." Mostrar "uma opinião e a outra opinião", abordar um assunto nos seus diferentes ângulos é o que fizeram em relação a Israel e à Palestina, mas não só. "Muitos árabes não gostaram da ideia inicialmente, mas isso ajudou a perceber melhor o ponto de vista israelita."

Segundo Mostefa Souag, desde sempre que os líderes políticos e os ditadores árabes vêem a Al-Jazira como uma ameaça. "Por isso, têm-nos dificultado o trabalho, detendo jornalistas ou fechando delegações. Até os Estados Unidos tentaram impedir a Al-Jazira de fazer o seu trabalho quando estávamos a dizer o que se passava no Iraque ou no Afeganistão." O bombardeamento do Iraque em 1998, o pós-11 de Setembro e os ataques dos Estados Unidos no Afeganistão ou a invasão do Iraque em 2003 marcaram a história da estação. "A Al-Jazira é, ela própria, controversa e desde 2001 tornou-se também notícia", notou Ibrahim Helal. Foi nesse ano, aliás, que a estação perdeu o anonimato, saltando para os ecrãs do mundo inteiro e para páginas de jornais como The New York Times, onde se questionou se seria o "canal de Bin Laden".

A abertura de uma delegação em Cabul, ainda antes dos ataques de 11 de Setembro de 2001 nos EUA, permitiu que estivessem repórteres no Afeganistão quando todas as televisões procuravam imagens, fossem dos ataques norte-americanos em território afegão ou da cobertura exclusiva das zonas controladas pelos taliban. As imagens da Al-Jazira foram utilizadas pelas televisões internacionais, gerando os primeiros grandes debates sobre as intenções da estação.

As críticas subiram de tom quando foram exibidas declarações do entretanto assassinado chefe da Al-Qaeda. Ainda em 2001, a delegação de Cabul foi destruída por um míssil do exército norte-americano; dois anos mais tarde seria bombardeada a de Bagdad. Por outro lado, o encerramento de outras delegações e a detenção ou expulsão de repórteres também reflectem as tensões existentes. Abdul Adhim Mohamed, chefe da delegação da Al-Jazira em Trípoli, conta como no Iraque, onde cobriu a primeira batalha de Fallujah, havia pressões para que os jornalistas do canal árabe abandonassem a cidade. "Ainda que tivéssemos equipas mais pequenas do que todos os outros meios de comunicação, queriam-nos fora. Diziam que nós chegávamos aos sítios antes das explosões acontecerem", relatou durante a conferência.

Aliadas à controvérsia estão ainda as pressões a que o antigo director-geral, Wadah Khanfar, foi recentemente associado, após a divulgação de um documento pela WikiLeaks, que põe em causa a credibilidade da estação. O documento refere um encontro entre Khanfar e um funcionário da embaixada dos Estados Unidos no Qatar, durante o qual terão sido discutidos conteúdos do site da Al-Jazira considerados "incómodos", tendo Khanfar assegurado que seriam removidos, segundo o documento citado pela revista Foreign Policy. Dias depois, Khanfar apresentou a demissão, rejeitando que esta estivesse ligada à divulgação daquela informação.

"A demissão deve-se ao facto de estar já há oito anos no cargo", disse em entrevista à Al-Jazira English. "O meu nome aparece mais de 400 vezes nos documentos divulgados. Alguém pegou num só documento sobre um incidente, que foi gerido profissionalmente da nossa parte. Se toda a série de documentos for posta sobre a mesa, as pessoas poderão perceber tudo melhor". Questionado sobre as pressões, Khanfar disse não serem segredo. "Sempre tivemos pressões. E os americanos não só bombardearam as nossas delegações como a WikiLeaks pode referir várias tentativas de pressão, sobretudo durante a Administração Bush, para que adoptássemos uma "soft line" sobre o Iraque e o Afeganistão."

Primavera árabe e o Qatar

Certo é que, dez anos depois do fim do anonimato da Al-Jazira, as revoltas nos países árabes voltaram a projectar a televisão para a fama. No pico da revolução no Egipto, as visitas ao site da Al-Jazira English subiram 2500 por cento, mas não sem polémica. Por um lado, é apontado o papel informativo e elucidativo que a Al-Jazira teve nos últimos anos, assim como a sensação de poder e participação criada pelos novos media e pelas redes sociais como o Facebook ou o Twitter. Por outro lado, estão as acusações de que alimentou e instigou as manifestações que, de outra forma, não teriam resultado numa revolução. Para Ibrahim Helal, é injusto culpar a Al-Jazira. "As revoluções resultaram de problemas locais e nacionais, de uma consciencialização e dos media sociais. Tudo isso, combinado com a Al-Jazira, provocou um clique", disse durante a conferência.

Duas perspectivas diferentes chocam em questões simples, como a cobertura permanente da Praça Tahrir no Cairo. Foi essa cobertura uma forma de trazer mais manifestantes às ruas ou uma forma de proteger os manifestantes da repressão das autoridades egípcias? "A última explicação é de longe mais plausível", responde Adel Iskandar. "Sempre houve o receio de que aquilo que aconteça fora do olhar público seja catastrófico. Os exemplos vivos são o Bahrein e a Síria, onde o silêncio dos media teve resultados terríveis nos movimentos de protesto."

As revoltas no Bahrein e na Síria encaminharam os debates durante a conferência para uma das principais críticas: está a Al-Jazira condicionada pelo Qatar, que a financia em grande parte há já 15 anos? "O Qatar dá à Al-Jazira um espaço e parte do orçamento. Foi o emirado que criou a estação, mas percebem a importância da liberdade para o seu sucesso. Há quem acredite que, por estar no Qatar, tem de haver orientações do Governo [nas políticas editoriais]. Esse não é o caso, as decisões editoriais são tomadas pelos responsáveis, profissionalmente, todos os dias", assegurou à Pública Mostefa Souag. "Em muitos casos, a cobertura da Al-Jazira levou ao corte de relações diplomáticas entre alguns países e o Qatar."

Para Adel Iskandar, a situação é diferente. "A Al-Jazira curvou-se claramente perante a pressão regional da vizinha Arábia Saudita para se silenciar quanto às revoltas no Bahrein. Embora tenha feito um trabalho jornalístico louvável a cobrir algumas revoluções, há questões que devem ser levantadas sobre a cumplicidade da estação em relação a umas revoluções em detrimento de outras".

A questão aprofunda-se quando o director-geral apontado para substituir Wadah Khanfar é Ahmed bin Jassim Al Thani, executivo da QatarGas e membro da família real. Para Philip Seib, director do centro de diplomacia pública da Universidade do Sul da Califórnia e autor do livro The Al Jazeera Effect, a estação é de facto uma parte da diplomacia pública do Qatar. "A cobertura da Al-Jazira reflecte, em certa medida, a política do seu país, tal como alguns media norte-americanos tendem a reflectir a política dos Estados Unidos", disse à Pública. "Perante a expansão da Al-Jazira, com os novos canais, as questões financeiras irão receber mais atenção. O novo director-geral poderá estar mais apto para essas funções do que estava [Wadah] Khanfar". Por seu lado, os responsáveis da estação apontam a independência como valor central. "Desde o primeiro dia que temos linhas claras para orientar a nossa política editorial. A Al-Jazira não reflecte nenhuma decisão pessoal", disse Khanfar em entrevista ao canal em inglês.

À procura de mais sucesso

Se os três principais projectos anunciados são os novos canais, outros desafios existem. "A Al-Jazira está no top dos media árabes e de alguns media mundiais. Agora é preciso ir para além disso, procurar mais sucessos, ser um exemplo. Contando com um maior uso de novos media e mais envolvimento dos jovens, não só como jornalistas, mas como parte da audiência", declarou Souag à Pública. A concorrência também começa a dar sinais de avanços: não só a rival saudita Al-Arabiya, com sede no Dubai, mas também o projecto da Sky News Arabia para Abu Dhabi, com lançamento previsto para 2012. Por outro lado, colocar a Al-Jazira English nas televisões dos EUA começa agora a ser possível, depois de anos de boicote.

Todos os sucessos dos últimos 15 anos foram comemorados numa cerimónia fechada, que juntou mais de 400 pessoas. A especial presença do emir obrigou a uma segurança apertada, num evento em que a Al-Jazira homenageou três figuras ligadas às revoluções. Uma delas a recentemente galardoada com o Prémio Nobel da Paz Tawakkol Karman, activista da revolução no Iémen. Mas o que levou a sala a levantar-se em peso, com grande emotividade, foi a subida ao palco das mães dos dois "mártires das revoluções": Mohamed Bouazizi, o jovem cuja imolação desencadeou as manifestações na Tunísia que conduziram ao derrube do presidente Ben Ali, e Khaled Said, torturado e morto pelas autoridades egípcias, acto que ajudou a precipitar a queda de Mubarak. Ainda houve tempo para que cada um dos jornalistas com pelo menos cinco anos de trabalho na estação recebesse um prémio. Uma noite que comprova que, se cinco anos chegaram para projectar a estação para fora do Médio Oriente, os 15 anos transformaram a Al-Jazira (que, em árabe, significa "a ilha") numa referência mundial.

Maior que uma caixa de fósforos.

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