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Troika aprova corte dos subsídios e quer vê-lo estendido às empresas

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Membros da troika repetiram que "o pior ainda está para vir" ENRIC VIVES-RUBIO

Pacote de assistência sofreu ajustamentos, mas não resolveu os grandes problemas: falta de financiamento às empresas públicas e aperto do crédito bancário

Portugal voltou a passar no crivo das instituições internacionais e assegurou uma nova tranche de 8 mil milhões de euros, mas, como admitiu ontem a troika, o pior ainda está para vir. Para a missão da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), não há alternativa ao corte dos subsídios de férias e de Natal na função pública. E mais: esses cortes deveriam ser replicados pelo sector privado.

"A fim de melhorar a competitividade dos custos da mão-de-obra, os salários do sector privado deverão seguir o exemplo do sector público e aplicar reduções sustentadas", lê-se no comunicado que a troika distribuiu ontem na conferência de imprensa onde apresentou os resultados da segunda avaliação trimestral a Portugal.

Os responsáveis da CE (Jürgen Kröger), do FMI (Poul Thomsen) e do BCE (Rasmus Rüffer) não se alongaram em explicações sobre a recomendação, nem sobre se isso implicaria alterações ao Código do Trabalho. À luz da lei em vigor, os salários só podem ser reduzidos se houver uma diminuição proporcional no horário ou nas características do trabalho.

Para Jürgen Kröger, a contaminação do sector privado pelo público é "óbvia", desde logo porque, "se o sector público reduz o custo da mão-de-obra, torna-se menos atraente trabalhar aí e mais gente vai querer ir para o privado", pressionando em baixa os salários. Numa entrevista à RTP, Poul Thomsen justificou esta posição dizendo que Portugal tem duas escolhas para resolver o seu problema de competitividade: "Ou cortamos salários e ficamos pobres ou ficamos mais produtivos para poder pagar esses salários". Neste caso, a receita proposta pela troika parece ser mista. Como admitiu ontem Poul Thomsen, "o pior ainda está para vir", visto que a economia vai cair mais e só regressa ao crescimento em 2013.

Reforço é possível

A expectativa de que a segunda revisão trimestral da troika servisse para fazer ajustamentos ao programa de assistência financeira acabou por sair gorada. De acordo com o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, houve "várias dezenas de pequenas alterações", sobretudo ligadas a um maior controlo dos compromissos financeiros das administrações públicas. Contudo, nem foi acordada qualquer alteração ao valor do empréstimo ou aos seus prazos, nem foi encontrada uma solução definitiva para a falta de financiamento das empresas públicas e para o aperto do crédito bancário.

Para a troika, o valor do envelope financeiro atribuído a Portugal (78 mil milhões de euros) mantém-se adequado, embora uma futura mudança não tenha sido posta de parte. "Se a economia tiver um resultado pior do que o esperado, teríamos de rever tudo mas, neste momento, achamos que as políticas são ambiciosas mas adequadas", afirmou Poul Thomsen. Os responsáveis da missão de ajuda externa consideram mesmo que não há necessidade de medidas adicionais no curto prazo, a menos que se venham a verificar derrapagens. E é precisamente para evitar esse risco que pedem "medidas colaterais para combater as ainda crescentes despesas em atraso e reduzir outros riscos orçamentais, especialmente ao nível das autarquias locais, dos governos regionais e das empresas públicas". É nesse âmbito que se insere o programa de ajustamento à Madeira, que será celebrado até ao final do ano, e irá reflectir a responsabilidade da região pelo pagamento da sua dívida.

Contudo, dois problemas mais imediatos - o sector empresarial do Estado e o financiamento da banca à economia - acabaram por não ser solucionados, apesar de o ministro das Finanças e a troika terem garantido que as preocupações com essas situações passariam agora a escrito no novo relatório sobre o programa. Quanto à banca, a troika salientou que a desalavancagem tem de decorrer de forma ordeira para não fechar a torneira do crédito à economia (ver texto nestas páginas). Já os problemas de financiamento das empresas públicas devem ser resolvidos através da reestruturação do sector.

O Governo prometeu ainda ir mais longe no campo das reformas estruturais, a área em que, disse ontem o representante do FMI, Portugal tem de se diferenciar da Grécia. "A lição que Portugal tem a aprender com a Grécia é a tornar-se mais produtivo através de reformas estruturais", afirmou Poul Thomsen. Resta saber se dessa agenda faz também parte um emagrecimento do Estado à custa de rescisões amigáveis.

O executivo voltou ontem a deixar a porta aberta a essa possibilidade e a própria troika, pela voz de Jürgen Kröger, afirmou que "o número de funcionários públicos é demasiado elevado, não só em comparação com o sector privado, mas também em termos europeus". As rescisões amigáveis poderão ser o instrumento do Governo para assegurar um corte definitivo na despesa do Estado, quando a eliminação dos subsídios (que, reafirmou ontem Vítor Gaspar, é temporária) deixar de se aplicar, no final do programa de ajuda externa (mais noticiário na pág. 17).

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