Uma arquitectura de ideias

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Fernando Veludo/NFACTOS

Alberto Campo Baeza rejeita o rótulo de minimalista, vive sem carro, telemóvel e televisão e prefere livros de poesia aos de arquitectura

O arquitecto espanhol Alberto Campo Baeza explicou anteontem à noite a um público que enchia por completo a Sala 2 da Casa da Música que a arquitectura é uma arte "tão precisa como a poesia". Reconhecidamente um dos mais importantes arquitectos espanhóis da actualidade, Campo Baeza é uma personagem algo peculiar no círculo dos grandes arquitectos internacionais: não só por persistir em manter um escritório pequeno, com apenas três colaboradores, mas também pela sua opção de viver no terceiro milénio sem carro, televisão ou telemóvel.

Garante ainda a breve nota biográfica enviada pelo seu atelier que a biblioteca pessoal de Campo Baeza tem mais livros de poesia do que de arquitectura. De facto, ao longo desta conferência, integrada num programa co-organizado pela Secção Regional Norte da Ordem dos Arquitectos e pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, o orador evocou provavelmente mais poetas - incluindo Camões e Sophia - do que arquitectos. E também citou uma mão-cheia de pensadores, de Platão, com a sua máxima de que "o belo é o esplendor da verdade", à filósofa espanhola Maria Zambrano.

Assumidamente devedor, tal como Souto de Moura - seu "amigo de há muito anos" -, de Mies van der Rohe, Campo Baeza confessou ficar com os cabelos em pé sempre que lhe colam o rótulo de minimalista (e fazem-no com frequência), mas admitiu integrar essa família de arquitectos que, como notou Nuno Grande ao apresentá-lo, apostam "num mínimo de elementos e meios para obter o máximo efeito".

A noção principal que Baeza quis transmitir à plateia foi a de que a arquitectura se faz com ideias, mas que essas ideias têm de poder ser construídas e de se traduzir em obras que permaneçam no tempo. Muito crítico da arquitectura que hoje "enche os meios de comunicação social", acrescenta que "uma ideia não é a primeira coisa que nos passa pela cabeça" e lamenta que as revistas de arquitectura estejam "cheias de coisas simpáticas, peculiares, provocatórias, mas que não são ideias para ser construídas, nem respondem às inúmeras questões que a arquitectura hoje coloca".

Nas várias obras suas que depois comentou, insistiu sempre na intenção central subjacente a cada uma delas, mais do que nos recursos de que se serviu para dar corpo a essa ideia prévia. Um dos projectos mais fascinantes que apresentou foi o do Museu da Memória da Andaluzia, em Granada, onde já tinha desenhado, em 2001, a sede da Caja de Granada, com o seu pátio elíptico a céu aberto, que, apesar da sua configuração modernista, reproduz exactamente as dimensões do pátio desenhado pelo arquitecto seiscentista espanhol Pedro Machuca para o Palácio de Carlos V, na colina de Alhambra. A ideia de Campo Baeza para o novo edifício foi de o pôr a dialogar com a Caja de Granada, criando assim, entre ambos, um novo pedaço de cidade. E fê-lo de uma forma tão simples como genial. Não só colocou o museu alinhado com o banco, como o fez com a mesma altura e a mesma largura. O resultado é que o novo museu parece uma delgada fatia que alguém cortou ao edifício do banco.

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