Destruição do cordão dunar pelo mar sobressalta Vagos e Castelo de Neiva

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Terrenos de uma quinta de Vagos ficaram cobertos de areia da praia Adriano Miranda

Nos últimos dias, o mar atravessou campos com dezenas de metros de largo até se juntar à ria de Aveiro, em Vagos, e destruiu as dunas que protegiam habitações numa freguesia de Viana

José Silva, que conhece o mar e a costa da Vagueira como a palma das mãos, deixa o aviso: "Se não fizerem nada, o mar volta já amanhã [hoje] a entrar pela ria." Na madrugada de domingo, o mar já fez estragos na costa a sul da Vagueira, concelho de Vagos, destruindo por completo a duna, comendo parte de uma estrada e atravessando terrenos de largas dezenas de metros até se encontrar com a ria de Aveiro. A Estrada Municipal 591 ficou intransitável, com um rombo de vários metros de diâmetro. Em Castelo de Neiva, Viana do Castelo, o mar também destruiu o cordão dunar.

O Instituto da Água já prometeu uma intervenção urgente, para repor o cordão dunar da praia do Labrego, em Vagos. Os trabalhos deverão passar pela colocação de 8 mil metros cúbicos de areia no local. Mas o convívio diário com o mar da Vagueira leva José Silva a duvidar do resultado prático da medida. Para este pescador da arte xávega, com vários anos de labuta naquela zona costeira, "colocar mais areia não resolverá nada". "É preciso que se faça de uma vez por todas o tão falado molhe na zona norte da Vagueira", garante, lembrando que "a obra era para ter sido feita há dois anos, depois era no ano passado e, da última vez, disseram que seria em Outubro". "Certo é que Outubro já passou e nada foi feito", protesta. A Vagueira é uma das zonas críticas do litoral em termos de erosão costeira.

Apesar de passar agora mais tempo em terra - esta é época de paragem na arte xávega -, José Silva mantém-se atento ao mar e mostra-se particularmente preocupado com "as marés-vivas" que hoje começam. "A preia-mar pode ser muito complicada", alerta sobre o dia de hoje.

O avanço do mar no domingo, além de ter destruído o cordão dunar e uma estrada, inundou campos agrícolas com água salgada e um parque aquático instalado naquela praia.

Polis urgente no Norte

Maria dos Anjos foi viver para o lugar de Pedra Alta, Castelo de Neiva, depois de se casar, vai para mais de 40 anos. Lembra-se de "perder a vista no extenso areal" que avistava da janela da casa erguida junto àquela praia do concelho de Viana do Castelo. A paisagem "fazia inveja". Mas os anos passaram e o cenário mudou. O mar, que outrora avistava distante, está "já ali", a menos de dez metros. Nada que Maria dos Anjos, agora com 74 anos, não estivesse à espera. A conquista aconteceu de forma "gradual e durante anos", até chegar ao ponto de ameaçar a freguesia piscatória. Nem mesmo o paredão de protecção, entretanto construído em Castelo de Neiva, conseguiu travar o ímpeto do mar.

"Em noite de temporal, o mar traz tanta força que remexe as pedras todas", sustenta. A casa de Maria dos Anjos e uma outra apenas de veraneio, de um proprietário de Barcelos, são as mais recuadas. Há uma terceira, também utilizada como segunda habitação, que está mais exposta às marés vivas dos últimos dias. A ondulação violenta provocou a destruição de cerca de cinco metros de cordão dunar da zona.

Apelo à ministra

A gravidade da situação levou, ontem, o presidente da Câmara de Viana do Castelo, José Maria Costa, a apelar à ministra do Ambiente que proceda à "reactivação urgente" do Polis do Litoral Norte, para que possa avançar a obra definitiva de contenção da erosão costeira na freguesia de Castelo de Neiva. José Maria Costa sublinhou a necessidade de serem "retomadas as acções previstas que impeçam a erosão costeiras de Esposende, Viana do Castelo e Caminha", os três concelhos que integram a sociedade criada em 2088, em conjunto com o Governo.

O autarca socialista defendeu a "necessidade" de o ministério liderado por Assunção Cristas "clarificar" a sua posição relativamente ao programa e "retomar as medidas previstas". Foram suspensas em Agosto para reavaliação. No Orçamento doEstado para 2012, o Governo admite uma "reavaliação" de todos os programas Polis de intervenção na costa, avançando apenas com as acções prioritárias.

José Maria Costa adiantou que vai ser estudada, pela Administração Regional Hidrográfica do Norte, "uma solução de remedeio" que poderá passar pelo "reforço do paredão de protecção do cordão dunar".

A violência com que, nos últimos dias", as águas galgaram esta barreira erguida pelo homem "metia medo", até mesmo a Carlos Dias. Filho da terra e homem do mar, recordou o dia em que o mar lhe levou a casa. "Vai para 20 anos. Estava ali ao lado destas", aponta o pescador que há cerca de 15 dias é impedido de sair para a faina pelas marés vivas. Ele e mais 90 famílias da freguesia que vivem do "sustento do mar".

Carlos Dias culpa a falta de obras, há tanto prometidas, mas também "o que fazem ao ambiente". "O mar há-de sempre vir buscar o que é dele", remata.

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